tag:blogger.com,1999:blog-86283302382648330092024-02-20T07:50:50.528-03:00centro de filosofia brasileiraNúcleo de pesquisa do Programa de Pós-graduação em Filosofia-PPGF da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJCEFIB, IFCS, UFRJhttp://www.blogger.com/profile/06030997400061384825noreply@blogger.comBlogger7125tag:blogger.com,1999:blog-8628330238264833009.post-13843815982189098772022-02-21T06:25:00.025-03:002023-07-19T17:21:22.938-03:00A questão do poder moderador (1871-1883)<p><b style="font-family: Arial; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Tobias Barreto</span></b></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p><p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-stretch: normal; line-height: normal;"><span style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: "Arial Unicode MS"; font-size: x-large;"><b>☛</b></span><i> </i></span><span style="font-size: medium;">Reedição crítica com base na edição póstuma dirigida por Sílvio Romero, em 1892, três anos após a morte de Tobias Barreto.</span></p><p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p><p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 127.5px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">“O único meio de salvar e engrandecer o Brasil, é tratar de colocá-lo em condições de poder ele tirar de si mesmo, quero dizer, do seio da sua história, a direção que lhe convém. O destino de um povo (…) não se muda, nem se deixa acomodar ao capricho e ignorância daqueles que pretendem dirigi-lo.” (Tobias Barreto)</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 127.5px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">“O parlamentarismo sempre supõe luta pacífica (…) entre a Coroa e os representantes da nação (…) Acontecendo porventura que a Coroa quisesse concentrar em si todos os poderes do Estado e anular a Constituição, qual seria a divisa do exército: parlamentar ou imperial? Há bons motivos de crer que por-se-ia do lado do imperador (…) Mas este não seria o maior mal. O grande perigo estaria em que o exército, depois de abraçar a causa do despotismo, talvez cedesse à ambição da ditadura; e o país não teria força para contê-Io.” (Tobias Barreto)</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><b><span style="font-size: x-large;">I</span></b></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>1</b>. Começo por fazer uma estranha confissão. Não descubro neste assunto o que seja capaz de interessar aos espíritos que, uma vez adquirindo o senso das grandes coisas, recusam pagar tributo às frivolidades do dia [<b>1</b>].</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 1</b>: <i>Da natureza e limites do poder moderador</i>, por Zacharias de Góes e Vasconcellos; <i>Ensaio sobre o direito administrativo</i>, pelo visconde do Uruguai [Paulino José Soares de Sousa]; <i>O poder moderador</i>, pelo Dr. Braz Florentino [Braz Florentino Henriques de Souza].</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>2</b>. A questão do poder moderador, a que se acham reduzidos quase todos os problemas do nosso direito público, serve hoje de alimento a muita ignorância e covardia política. Dir-se-ia que ela existe, somente para dar à posteridade mais um testemunho, entre os muitos, que devem convencê-la da pobreza e do atraso em que vivemos.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>3</b>. Não duvido que sejam sinceros os publicistas brasileiros em perscrutar o que eles dão como natureza e fundamentos racionais do poder moderador; todavia não deixam de levar em seus escritos alguma coisa de fútil e mesquinho, com que terá de divertir-se a geração futura.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>4</b>. Para isso, basta imaginar um tempo, em que a filosofia social tenha varrido das inteligências o resto de prejuízos teológicos e metafísicos, que ainda nutrem o gosto das fórmulas estéreis e das questões sem saída.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>5</b>. Ver-se-á então como são destituídos de seiva e de valor científico esses longos arrazoados em defesa de um princípio caduco. Velhas lutas improfícuas, travadas em nome da razão e da ciência, sobre coisas que não têm força para se vazar nos moldes do entendimento humano.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>6</b>. O que aí qualifiquei de prejuízos teológicos e metafísicos, é possível que não seja bem compreendido. Tratarei de esclarecê-lo.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>7</b>. Há no fundo das teorias correntes, relativas ao supremo poder do Estado, um sedimento de ortodoxia, uma dose de fé católica nos milagres da Constituição<b>*</b> e na superioridade moral da realeza. A crer-se no que ensinam, até os mais adiantados, o príncipe brasileiro é um penhor inestimável da proteção divina, que se exerce claramente sobre a marcha deste império. É debalde que o povo, tomado de uma loucura sacrílega, sonha às vezes com tesouros enterrados ao sopé do trono. O respeito devido às <i>instituições juradas</i> (é a tolice consagrada) proíbe levar a mão profana sobre a arca santa da aliança eterna.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>*</b> <i>Nota do Editor</i>: Tobias Barreto refere-se à Constituição Política do Império do Brasil, outorgada por D. Pedro I em 25/03/1824; texto disponível em: <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm"><span style="color: blue;">http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm</span></a></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>8</b>. Resta apenas que o monarca incomparável, símbolo das venturas e grandezas nacionais, o qual, por suas altas virtudes, por seus predicados de coração e de cabeça, é como que uma outorga da providência, saiba enfim compreender o seu papel soberano. Qual é ele? Nenhum outro, falemos a verdade, senão deixar-se amoldar às ideias ditas inglesas do pedantismo parlamentar, que vão assumindo entre nós uma importância indébita.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>9</b>. Ora, tudo isto é insigne de contradição e despropósito. Invocar a boa estrela, o destino, a felicidade, todos esses ídolos da fraqueza humana, para atribuir-lhes uma parte da glória que nos cabe, pela posse de um rei tão sábio e grande, a cujos erros e desmandos, diariamente apontados, se pretende aliás obviar, cerceando o círculo da sua ação e a influência da sua sabedoria, é o que há de mais pasmoso, como prova da estreiteza mental dos nossos homens de Estado e publicistas ilustres.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>10</b>. Com efeito, dizer ao imperador: vós sois uma inteligência elevada, um soberano invejável, porém deveis refletir que estais causando mal ao país com o vosso modo de governo, isto é um novo gênero de humilhação; é adular com tanto empenho, que o beijo acaba pela mordedura; é balançar o turíbulo com tanta força, que chega-se a deitar brasas por cima da divindade.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>11</b>. Porém mesmo concedendo a pureza de intenções, é isso justamente o que se pode chamar preconceitos de uma velha filosofia teológica, ainda não de todo banida dos sistemas de organização social. É ela que assim mantém nos ânimos nutridos em seu seio um certo devotamento à estabilidade da coroa, combinado, bem ou mal, com a vigilância devida aos interesses da nação.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>12</b>. Por outro lado, adstritos a um pequeno pecúlio de ideias, que já não satisfazem às aspirações da época, os nossos pensadores, em matéria de política, ainda se deliciam no mundo das entidades. É uma riqueza de princípios absolutos, é um falar incessante de verdades eternas que poriam logo remate a todas as questões, se não fossem outros tantos espectros de sua própria razão mal educada. Glosadores subalternos de algumas máximas bebidas em livros que envelheceram, não sabem, não podem saber a direção que tomam as linhas gerais de uma nova sociologia [<b>2</b>]. Falta-lhes a base de larga experiência e de uma ciência viva, adaptada ao tempo.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 2</b>: O leitor não estranhe ouvir-me falar de sociologia. Grande parte deste estudo foi publicado pela primeira vez em outubro de 1871 no <i>Americano</i>, jornal de que fui um dos redatores; e a esse tempo ainda eu acreditava na possibilidade das visões de A. Comte.<b>*</b></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>*</b> <i>Nota do Editor</i>: A propósito da trajetória filosófica de Tobias Barreto, esclareça-se que a partir da década de 1880, em defesa da ideia de ação livre e moral como antítese do determinismo das leis de natureza, ele se tornou um crítico contundente do conceito de sociologia em Augusto Comte, sobretudo em seu texto Glosas Heterodoxas a Um dos Motes do Dia, ou Variações Antissociológicas, disponível em: <a href="https://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com/2012/07/glosas-heterodoxas-um-dos-motes-do-dia_26.html"><span style="color: blue;">https://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com/2012/07/glosas-heterodoxas-um-dos-motes-do-dia_26.html</span></a></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>13</b>. Antecipo-me em dizer que este modo de falar é uma nota dissonante no coro sideral dos elogios em uso. Pode ser mesmo uma afronta à opinião de todos, ao sentimento de todos, que proclamam, de joelhos, a grandeza dos seus numes. E não há com efeito mais grave atentado do que vir assim romper a nuvem de incenso em que o ídolo se envolve, e mostrar ao crente embevecido que o altar está vazio... O fumo se desfaz e o deus desaparece.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>14</b>. A despeito porém do que há de temerário em semelhante empresa, não duvido encarar de frente o mau humor de um público habituado a deixar-se iludir por aparências e inteiramente estranho ao exercício de uma crítica severa.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>15</b>. Um dos fatos que mais acusam a dormência do espírito brasileiro, é por certo esta renúncia geral do direito de pedir a várias reputações feitas os títulos em que se fundam. Diz Huet: “Nosso século tem necessidade de todas as coragens; ele carece, antes de tudo, da coragem intelectual”. E entre as manifestações desse heroismo da opinião, que se forma por si mesma e em si mesma, deve ser contada a novíssima ousadia de não jurar obediência e respeito a certos vultos endeusados, senão depois de fazer o inventário dos seus merecimentos.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>16</b>. Eu disse, ao principiar, que não tinha esta matéria como digna de entrar no quadro dos altos estudos. Acho menos interesse em discutir e questionar, se os sete ministros do Império do Brasil constituem um poder à parte, se são responsáveis por tais e tais atos da realeza, etc., do que em procurar saber, v. g., se os sete <i>Amschaspands</i> da religião Mazda vieram antes ou depois dos sete arcanjos dos judeus. E, contudo, é forçoso reconhecer que semelhantes questões absorvem o talento dos nossos grandes homens, e despertam por conseguinte alguma atenção.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>17</b>. Além disto, parece apropriado ao tempo e às circunstâncias apreciar com calma o que de mais importante se há escrito sobre ser ou não ser entre nós possível um governo parlamentar, um governo à inglesa, onde o rei figurasse, segundo uma expressão de Hegel, como o ponto em cima do ‘i’.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>18</b>. Acredito que, se os fatos têm algum sentido, já está mais que provado, quanto fomos infelizes com a nossa monarquia constitucional. Não vejo que se possa defender com vantagem uma instituição, cujo menor defeito tem sido derramar no espírito nacional um desânimo incurável e como que o tédio mesmo de uma velhice precoce.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>19</b>. O célebre princípio do filósofo alemão: “<i>was wirklich ist, das ist vernünftig</i>”<b>*</b>, não encontra um desmentido mais solene. A monarquia constitucional no Brasil, que é uma realidade, a que não se podem assignar limites de existência, não deixa de ser por isso uma coisa sem apoio nos conselhos da razão. A contradição íntima que labora no fundo do sistema, vai-se pondo claramente a descoberto, de modo que insistir e pugnar por tal ideia tende a cair na opiniaticidade insensata.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>*</b> <i>Nota do Editor</i>: Cf. Hegel, <i>Grundlinien der Philosophie des Rechts</i>, Vorrede: “Was vernünftig ist, das ist wirklich; und was wirklich ist, das ist vernünftig” (tradução livre: <i>O racional é real; o real é racional</i>).</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>20</b>. Não pretendo certamente, à imitação dos nossos oradores políticos, fazer exposições e entrar em longos detalhes sobre o governo parlamentar brasileiro. É um tema sofrivelmente banal, que ocupa todos os anos, a sagacidade e a ilustração de honrados estadistas, para quem a solução de todas as questões depende de um fato único e simples. Eis o caso: o Brasil tornar-se inglês em assunto de governo, continuando porém a ser ele mesmo em religião, ciência, indústria, comércio e os demais pontos e relações da vida social!... O problema é de fácil enunciação, mas, se bem se considera, os seus dados são contraditórios.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>21</b>. Mas ainda que me pareça pouco digno, para servir-me aqui da expressão de Littré, <i>chicanar</i> as consequências de princípios que não admito, é mister, não obstante, falar de coisas que julgava já estarem por demais sabidas e experimentadas.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>22</b>. O que há porém de mais admirável é que, saindo a combater o diletantismo parlamentar da nossa terra, qualquer espírito, um pouco desabusado, não carece de magna bagagem científica, nem também de recorrer a tesouros de erudição. Seria perder tempo inutilmente um apelo feito aos conhecimentos variados, aos sérios e profundos estudos dos políticos insignes do país.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>23</b>. Com efeito que é que vemos? Uma série de homens práticos, destituídos de larga intuição, cujas velhas cabeças não agasalham o bando de ideias livres, que ao ar da civilização sacodem a plumagem de ouro e tomam o voo do século; sim, um certo número de espíritos que rastejam, que tropeçam a cada passo na incerteza de suas ideias e que estão, em geral, para a ciência do governo, como os arquitetos grosseiros estão para a geometria.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>24</b>. Não são novas, dispenso que mo digam, estas lutas sustentadas com a fátua pretensão de fazer no solo constitucional brasileiro, revolvido e adubado pela mão do primeiro imperador, arraigarem-se com vantagem as ideias inglesas. Porém releva notar que todo o esforço empregado por tais combatentes tem sido com o fim de dar à realeza maior importância e revesti-la de um caráter quase absoluto.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>25</b>. Em outros termos, todas as suas considerações e arrazoados se podem reduzir a isto: o governo do Brasil não deve ser, não é parlamentar; a mesma Constituição é contrária a esse regime, visto como tem por base a confiança única no primeiro representante da nação, o qual é só capaz de conduzir-nos à prosperidade infinita que o futuro nos reserva. Logo, convém banir essas ideias do constitucionalismo liberal, e deixar que o imperador seja o que a constituição quis que ele fosse, isto é, independente, preponderante, soberano.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>26</b>. Quanto a mim, os princípios são exatos; as consequências é que são diversas das que me parece deverem-se tirar.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>27</b>. De fato, admitidas as premissas, nem eu concluiria que tudo deve ser confiado à bondade do rei, nem também, como é fácil inferir, que a Constituição se ressente de vícios e lacunas capitais. Minha conclusão seria outra. O governo do Brasil não pode ser parlamentar, à maneira do modelo que oferece a terra de Pitt e de Palmerston; porquanto esse regime supõe ali uma penetração recíproca do Estado e da sociedade, que em geral nos outros países vivem divorciados. O governo do Brasil não pode ser tal, atento que o sistema inglês é o resultado de um germe poderoso deposto pela providência, isto é, pela mesma índole do povo, no largo ventre da sua história.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>28</b>. E quem sabe que concurso de circunstâncias influíram na marcha ascendente da constituição da Inglaterra, para que a realeza, por uma espécie de redução <i>ad absurdum</i>, se desenvolvesse no sentido de chegar à quase negação de si mesma, restringindo-se e anulando-se, de modo que o ideal da sua perfeição se confunde com a sua destruição; quem sabe disto não deverá vir falar-nos de governo parlamentar.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>29</b>. Logo, o único meio de salvar e engrandecer o Brasil, é tratar de colocá-lo em condições de poder ele tirar de si mesmo, quero dizer, do seio da sua história, a direção que lhe convém. O destino de um povo, como o destino de um indivíduo, não se muda, nem se deixa acomodar ao capricho e ignorância daqueles que pretendem dirigi-lo.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>30</b>. É mister um estudo mais profundo da nossa gênese, a fim de dar-se remédio aos males que nos ferem. Se nada aproveitam os clamores de uns certos messianistas políticos, que cantam as maravilhas da república vindoura, também não merecem crédito as soluções pouco sérias, as velhas frases ambíguas dos <i>áulicos liberais</i>.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>31</b>. Nem há dúvida que esses homens, habituados a bordar o manto imperial de pontos de admiração, produzem maior mal, do que talvez se supõe. Filhos da ocasião e do sucesso, elevados a uma posição, menos conquistada por seus talentos, do que outorgada pela dextra régia, eles não se mostram somente destituídos do gênio criador, iniciador, dirigente; falta-lhes ainda uma certa firmeza de inteligência. Eles servem a realeza por instinto, fingem aceitar a liberdade, sem gostar dela, nem compreendê-la; e para dar uma satisfação aos tempos, que se vão tornando cada vez mais exigentes, dizem crer piamente na possibilidade de tornar-se a monarquia brasileira um governo realmente livre, pelos meios que propõem.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>32</b>. É aí que o enigma reside.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><b><span style="font-size: x-large;">II</span></b></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>33</b>. Aqueles que julgam, a todo transe, possível entre nós um regime vazado em molde inglês, começam, antes de tudo, por uma inversão dos princípios da lógica vulgar.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>34</b>. Decerto, não conheço exemplo mais completo de paralogismo, do que discutir sobre o modo de realizar uma forma de governo, que assenta em grande número de condições locais, quando não se admite sem contestação que esse fenômeno único e extraordinário na história dos povos modernos se possa generalizar. A autoridade de Montesquieu mesmo não tem força de apagar semelhante anomalia.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>35</b>. Profundo e bem inspirado em tudo mais, foi justamente neste ponto que o filósofo caiu em um dos mais estranhos desacertos.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>36</b>. Porquanto, depois de ter reconhecido, em princípio geral, a subordinação necessária dos fenômenos sociais a leis invariáveis, que resultam da natureza e condições de existência própria de cada povo, esqueceu-se deste compromisso e foi proclamar, como tipo político universal, o regime parlamentar dos ingleses.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>37</b>. A contradição salta aos olhos. E, todavia, os filósofos e homens de Estado do continente europeu, que posteriormente se ocuparam do assunto, não fizeram mais do que reproduzir e desenvolver o erro de Montesquieu, continuando a propor, como solução final da crise revolucionária das nações hodiernas, a uniforme transplantação da monarquia representativa.[<b>3</b>]</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 3</b>: Augusto Comte, <i>Cours de philosophie positive,</i> tomo V, p. 520 e seguintes.</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>38</b>. Basta por ora indicar um ponto capital de desarranjo nas ideias dominantes. É sabido, e não há quem o conteste, que o regime inglês teve por principal base espiritual o protestantismo organizado. Se pois a religião, qualquer que ela seja, tem alguma influência nos destinos da sociedade (e creio que os nossos monarquistas parlamentares devem nisto concordar, pois que são, além do mais, muito bons devotos), é inegável que a Reforma concorreu poderosamente para desenvolver as livres instituições daquele povo exemplar.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>39</b>. Mas, sendo assim, qual será entre as nações, como a nossa, profundamente católicas e educadas no gosto da autoridade, o equivalente da parte que teve o protestantismo nas modificações políticas e sociais da Inglaterra? É um largo e curioso assunto, que entrego à reflexão dos pensadores.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>40</b>. Não é somente para admirar; é ainda motivo de estudo e meditação o modo enérgico e sobranceiro, porque essa importante nação nunca chegou a duvidar de si, a despeito de experiências dolorosas, que aliás não lhe faltaram.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>41</b>. Nem se pode contestar que os seus hábitos de independência individual, se não foram criados de todo, foram muito fortificados pela doutrina do livre exame. Destarte produziram aquela disciplina interior do país, que, segundo diz Rudolf Gneist, mesmo no meio do egoísmo e corrupção que caracterizam a época de Guilherme, de Anna e dos primeiros Jorges, continua a vigorar, elevando o Estado a uma alta significação política e moral, por meio da sua própria inspeção e do seu próprio querer: “<i>die innere Disziplin dieser Gesellschaft dauert fort, und sie ist es, welche den Staat durch eigene Einsicht und eigenen Willen zu einer politischen und sittlichen Bedeutung erhebt</i>” [<b>4</b>]<b>*</b>.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 4</b>: <i>Verwaltung Justiz Rechtsweg Staatsverwaltung und…</i>, p. 17. Berlin, 1869.</p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 11px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white;"><span style="font-stretch: normal; line-height: normal;"><b>*</b> </span><span><i>Nota do Editor</i>: Texto disponível em:</span></span><span style="color: black;"> <a href="https://books.google.com.br/books?id=knVEAAAAcAAJ&pg=PA17&hl=pt-BR&source=gbs_toc_r&cad=4#v=onepage&q&f=false"><span style="color: blue;">https://books.google.com.br/books?id=knVEAAAAcAAJ&pg=PA17&hl=pt-BR&source=gbs_toc_r&cad=4#v=onepage&q&f=false</span></a></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>42</b>. Não receio declará-Io: a liberdade que se julga instituir com a monarquia parlamentar, está bem longe de ser atingida. As instituições que não são filhas dos costumes, mas um produto abstrato da razão, não aguentam por muito tempo a prova da experiência, e vão logo quebrar-se contra os fatos. Indubitavelmente o nosso governo se acha em tal estado.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>43</b>. Não conheço outro, em que melhor se verifique esse sistema, de que nos fala Proudhon, onde as transações da consciência, a vulgaridade das ambições, a pobreza das ideias, assim como o lugar comum oratório e a facúndia acadêmica, são meios seguros de sucesso; onde a contradição e a inconsequência, a falta de franqueza e a audácia, erigidas em prudência e moderação, estão perpetuamente na ordem do dia.[<b>5</b>]</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 5</b>: <i>Contradictions politiques</i>... p. 222.</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>44</b>. Mas importa não esquecer que na produção dos nossos males figura em grande parte a cumplicidade do povo. Na balança da imparcialidade histórica, não sei o que pesa mais, se os abusos do poder, ou os desleixos da liberdade.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>45</b>. Parece-me possível conceber, como ciência real do governo, alguma coisa de menos que os esquemas racionais dos teoristas abstratos, e alguma coisa de mais que o rude traquejo material dos nossos homens de Estado. Nem se pense que esse apego opiniático à ideia de um governo parlamentar pelo qual clamam e combatem muitos vultos salientes do Império, é suficiente para alistá-los na classe de políticos instruídos. Ao contrário, tenho para mim que essa mesma pretensão, destituída de base científica e sustentada com vulgar talento, oferece a justa medida do que são e do que podem.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>46</b>. A ciência política existe decerto no conhecimento profundo dos homens e das coisas, a que se trata de dar direção. Ela não é um complexo de verdades feitas e guardadas nos livros, mas um sistema de verdades que se fazem, que se colhem de dia em dia, deduzidas pela lógica inexorável dos acontecimentos; a qual, como a Diana da fábula, também tem o seu nome celeste, o grande nome de Deus ou de Providência.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>47</b>. A ciência do governo assenta em princípios; mas estes princípios são fatos gerais da ordem moral — as paixões, os costumes, as ideias dominantes — que importa conhecer a fundo para dar-lhes o caminho que demandam.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>48</b>. E penso com Edmond Scherer que o meio de dirigir, nas sociedades modernas, não é persuadir discutindo, é conciliar obrando. Não se convencem os espíritos, senão por uma iniciativa, grande, fecunda, sempre nova. É mister marchar adiante, para se fazer seguir; arrastar, para conduzir; assombrar, para subjugar.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>49</b>. Difíceis, mas indispensáveis condições estas do governo dos homens, pois que assim é exigir a fusão de talentos vastos em caracteres fortes, o justo equilíbrio entre vontades de ferro e inteligências de ouro. É inútil acrescentar que nada disto nos coube em partilha.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>50</b>. Qualquer que seja o sentimento que se prove, ao contemplar as excelências da pátria, figurando-a cheia de vida, palpitante de esperanças e rica de cabeças que podem elevá-la ao nível de outras nações, é preciso ter ânimo de acabar com semelhante ilusão, e reconhecer enfim que não passamos de um pobre povo, estragado, abatido, inconsciente, digamos tudo de uma vez, um povo sem ideal.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>51</b>. É verdade que acham eco no seio de muita alma generosa as promessas do futuro; e a mocidade brasileira, em estado de florescência, embriagada do seu próprio perfume, ergue a cabeça altiva e cuida aspirar não sei que aroma do céu. Reflitamos porém um pouco mais, e convencer-nos-emos que nos sobram motivos de ser bem modestos e pouco fáceis em acreditar no primeiro profeta que nos apareça.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>52</b>. Em face pois das circunstâncias, a que o Brasil se acha reduzido, é evidente que as ideias inglesas, quanto à ordem do governo, não podem produzir salutares efeitos.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>53</b>. Não é que eu queira fazer de semelhante forma política o ideal supremo, que os povos vão atingindo, à medida que se tornam mais adiantados.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>54</b>. Esta ideia, que não deixa de ter partidários insignes e ocupa algum lugar no espírito e nos livros dos pensadores ingleses, é apenas excelente para alimentar a nossa fatuidade. A grei dos publicistas e oradores liberais, que nos regalam todos os dias com os seus sonhos de monarquia parlamentar, não cansa de nos pintar, a seu modo, as maravilhas do <i>self government</i>. Não se lembra porém de que o <i>self government</i> tem por adjunto a <i>self reliance</i>, o sentimento da confiança em si mesmo, no próprio esforço de cada um; e este sentimento é de tal natureza, que não se desperta facilmente na alma de um povo esmorecido por sua má educação política.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>55</b>. O que dá vida e força a uma sociedade, não são os trabalhos e cuidados do seu governo, por mais justo e regular que ele se mostre. A liberdade, que é principio essencial da ordem pública, encerra alguma coisa de análogo à alma humana, no sistema dos animistas: dá-se um corpo, articula-se, organiza-se a si mesma. Para ser útil e eficaz, ela deve ser semelhante a certos agentes químicos, que só se encontram na natureza em estado de combinação.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>56</b>. A Inglaterra compreende altamente esta verdade; e aquele importante agente do mundo moral se acha ali sempre incorporado a todas as grandes manifestações da atividade individual e coletiva; e nunca, porém, como entre nós, disseminado e solto em vagas aspirações e anelos indolentes. Quem já não ouviu dar e não deu por sua vez à Inglaterra o título de egoísta?</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>57</b>. Pois importa dizer que o título é incabível, se se atende que o espírito incansável de associação, caracterizador daquele povo, esta nobre faculdade do indivíduo combinar e harmonizar os seus com os interesses alheios, e concorrer assim para o bem geral, é o que há de mais oposto à ideia do egoísmo. Egoístas somos nós, por exemplo; é a nossa sociedade, onde as forças individuais não se agregam para formar qualquer todo, pelo receio que cada um tem de comprometer-se <i>trabalhando para os outros</i>.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>58</b>. Egoístas somos nós, é a nossa sociedade, onde os homens não dobram o sentimento da vida própria com o sentimento da vida comum; e por isso não podem resistir nem protestar contra a tirania das coisas e a pressão das circunstâncias.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>59</b>. O regime parlamentar dos ingleses é um regime segundo as leis e por meio das leis.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>60</b>. O que nos apraz designar pelo nome de constitucional ali é simplesmente legal. As leis por que se regula o exercício da autoridade pública, têm adquirido uma extensão crescente desde o tempo da <i>Magna Carta</i>. O direito administrativo inglês, baseado em inúmeros estatutos do parlamento e milhares de leis, forma a parte desconhecida da Constituição do Estado, sobre a qual foi que Blackstone escreveu uma introdução [<i>Commentaries on the laws of England</i>, 1765-1770].</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>61</b>. O que mais importava conhecer da organização política, foi justamente aquilo que se deixou de lado.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>62</b>. Como os próprios juristas nacionais, que têm a procurar nos papéis do parlamento, em número de mais de dois mil in-fólios, a matéria e os motivos das leis vigentes, não podiam acomodá-los à compreensão do estrangeiro, só restava, para seguir-se, este alvedrio: considerar não existente a porção desconhecida do direito público inglês.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>63</b>. Daí resultou que todos os trabalhos de cultura e transplantação se concentraram no que havia de mais superficial. Destarte, a composição das duas câmaras, direito eleitoral ativo e passivo, os modos de eleição, os direitos do parlamento, sua influência sobre o Gabinete, eis o que tem ocupado, desde os tempos de Montesquieu, a sociedade europeia.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>64</b>. Montesquieu mesmo, que deu o primeiro exemplo de admiração e aderência ao sistema de governo britânico, deixou-se arrebatar pela contemplação do exterior, não podendo proceder à análise interna do edifício. Mas também é certo que o célebre autor d’O e<i>spírito das leis</i>, convertendo em doutrina os estudos incompletos que fizera de tal regime, com omissão dos elementos mais importantes — como a marcha evolutiva do todo social, o <i>self government</i>, as relações da justiça com a administração, os controles ou sindicâncias de direito —, é certo, repito, que deste modo concorreu, não pouco, para as criações grotescas do direito público moderno.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>65</b>. E pode-se afirmar que a sua autoridade teve má influência nos próprios publicistas ingleses a quem presentemente apraz falar-nos de <i>executivo</i> e <i>legislativo</i>, <i>equilíbrio de poderes</i>, etc.; expressões de todo estranhas às leis fundamentais do seu país.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>66</b>. Publicistas ingleses, disse eu. Era <i>comentadores</i> que devia dizer. Os escritos relativos à matéria governamental que venham da Inglaterra, não podem ser, em regra, outra coisa senão comentários. Quando mesmo algum escritor, Stuart Mill, por exemplo, trata de elevar-se à esfera dos princípios, com aparente abstração da terra e do meio em que vive, a soma do seu trabalho para quem sabe ler, é somente apresentar o próprio governo de sua pátria um pouco idealizado. Não admira que assim aconteça; esta ilusão é muito natural.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>67</b>. O que porém me parece estranhável e ridículo, é a pretensão de fundar, por outras partes, um estado de direito mais ou menos adequado ao tipo inglês, onde quer que se aplique a teoria respectiva.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>68</b>. E, o que mais espanta, semelhante ideia tem sido rebelde à voz da experiência. Ela viaja há muitos anos; ela tem pois uma história, que se pode concisamente narrar.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>69</b>. Ao rebentar a Revolução Francesa, os pedaços conhecidos da <i>Constitutional Law</i> eram tidos na conta de verdades políticas perfeitas; as quais, entretanto, mal puderam pouco tempo servir de barreira à tremenda irrupção dos interesses sociais. Como barreiras doutrinárias, foram logo postas de lado, para abrir caminho ao governo de Napoleão.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>70</b>. Com a queda do sublime déspota, quando a classe interessada da nova sociedade apossou-se da autoridade pública, volveu de pronto as vista para a doutrina tradicional. A ideia inglesa do governo, segundo a lei, foi substituída pela ideia diversa de um regime do Estado, segundo as deliberações camarárias. O constitucionalismo francês, que depressa adquiria no velho e novo mundo a importância de uma espécie de <i>jus gentium</i>, levantou a sua obra não sobre a base da responsabilidade do governo, conforme as leis do país, mas tendo por fundamento a responsabilidade dos ministros, que em geral não pode passar de uma fofa matéria de discussões estéreis.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>71</b>. Ora, foi precisamente a esta ordem de ideias que Benjamin Constant prestou o seu grande contingente de lógica sagaz, como também de romantismo próprio da época. É mister, quando hoje alguma vez se tem de falar desse nobre espírito, para proteger com seu nome uma ou outra teoria, é mister ser um pouco mais psicólogo, mais conhecedor da natureza humana.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>72</b>. Os franceses, que formaram o prefácio deste século, não eram difíceis de acomodar, em ponto de raciocínio. Neste mundo tudo se prende, tudo se relaciona. A sociedade que estremeceu de convicta ante <i>O gênio do cristianismo</i>, como o verbo supremo da ciência cristã, sem dúvida estava nas melhores condições de acolher os argumento do fino publicista, como a última expressão da política liberal.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>73</b>. Diz alguém que “o liberalismo e a poesia da Restauração existem na lembrança daqueles que os saborearam em seu tempo, como um desses belos sonhos da mocidade, nos quais, cheio de ilusão e de fervor, o homem se lança de olhos fechados à conquista do futuro”. Não é tudo.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>74</b>. Parece que o espírito humano tem se tornado mais sério e mais exigente. No decurso dos últimos cinquenta anos, não basta dizer que a humanidade deu um grande passo; releva confessar que o pensamento, a lógica mesma se revestiu de mais fortes armaduras. Aquilo que outrora podia parecer decisivo, convincente, irrespondível, hoje se mostra, em grande parte, quase frívolo e banal.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>75</b>. É o que se dá com a teoria constitucional de Benjamin Constant, no que toca às prerrogativas da realeza. Que acentos de convicção! Que lucidez! Que firmeza de princípios! Mas também que futilidade! Não se escreve em semelhante assunto coisa alguma de mais vivo, nem também de mais inútil.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>76</b>. Dizia o publicista: “Eu creio que a minha obra tem uma vantagem: ela demonstra que a liberdade pode existir completa sob uma monarquia constitucional”<b>*</b>. Infelizmente a vantagem não era das melhores. A obra “demonstra”, nada importa, se a coisa não é de demonstrar, porém de realizar, “que a liberdade <i>pode</i> existir completa”. Oh!... Galante! Desde que se entra nos domínios do possíveI, quem nos proíbe supor a perfeita harmonia dos contrários?</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>*</b> <i>Nota do Editor</i>: Cf. Benjamin Constant, <i>Escritos de política</i>. Tradução de Eduardo Brandão. Edição, Introdução e Notas de Célia N. Galvão Quirino. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 198.</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>77</b>. Ainda uma vez: a obra “demonstra que a liberdade pode existir completa sob uma monarquia constitucional”. Mal se contém o desejo de responder: obrigado! A liberdade existe de fato na monarquia inglesa, para ser observada e admirada. Como objeto de experiência, está livre da alçada de qualquer demonstração. O que porém, fora daí, se concebe, como <i>podendo</i> existir, já não é a liberdade real, que se observe neste ou naquele povo; é apenas a sua sombra, o seu nome, pois que se trata de uma liberdade generalizada, um simples conceito lógico, uma pura forma intelectual.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>78</b>. Ensinam os filósofos que uma coisa é impossível, quando envolve contradição, quando ela repugna a uma lei estabelecida. A insuficiência deste princípio abre caminho ao erro. Acontece que, por tal critério, os tesouros do possível são tanto mais profundos, quanto mais curto é o diâmetro da nossa inteligência.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>79</b>. A falta de contradição, que se descobre em um objeto, nasce muitas vezes de que não se tem dele perfeito conhecimento. Quanto menos se conhece a natureza das coisas, tanto mais facilmente se concebe que elas possam ser de qualquer maneira. Assim esta frase bem vulgar: “Para Deus não há impossível", que equivale a dizer: “Para Deus não há lei; para Deus não há ordem”, fórmula suprema da ignorância humana. À proporção que as ciências caminham, e as coisas se coordenam, diminui sensivelmente o império absoluto da possibilidade.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>80</b>. Um exemplo: o homem sem cultura crê piamente que é possível a queda das estrelas sobre o nosso planeta quando o sábio competente tem motivos para rir-se de semelhante ilusão. Outro exemplo: eu que traço estas linhas, não acho dificuldade alguma em admitir que a Terra possa ter o décuplo do seu tamanho e, contudo, ocupar no espaço a mesma posição. Mas isto seria possível? Minha ideia, perante a ciência, não importaria um disparate?</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>81</b>. Ora pois; há um grande número de iguais juízos, que são outras tantas suposições gratuitas de penetrar no fundo da natureza, e nesta intimidade conhecer-lhe todos os movimentos. Não se atina um só instante que o que nós concebemos, como podendo ou não podendo ser, traz no íntimo talvez uma contradição invencível.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>82</b>. Destarte aqueles que acham possível entre nós a realização do regime parlamentar inglês, estão bem certos de que a sua ideia nada encerra de contraditório? Podem assegurar que semelhante pretensão não é inteiramente oposta à natureza dos dois objetos que se querem conciliar? Em uma palavra: esta possibilidade não estará no caso de muitas outras, filhas somente das noções incompletas que se têm a respeito? Eis tudo.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>83</b>. Pelo menos é incontestável que as cópias tiradas do governo da Inglaterra, para servir-me de uma comparação baixa, mas expressiva, são mata-borrões, onde se podem ler os caracteres do modelo, porém todos às avessas. O que faz a consistência desse governo, seu gradual crescimento por séculos de provanças, tudo falta para dar vida às criações teóricas.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>84</b>. É o que nos diz Gneist:</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.3px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><i>Diese gesetzliche Regelung beginnt mit der Magna Charta, schreitet mit jedem Jahrhundert weiter, unterwirft im 16. und 17.Jahrhundert auch die Kirche den Normen und Schranken der Landesgesetzgebung und bildet im 18. und 19. Jahrhundert das specializirteste Verwaltungsrecht in der europaeichen Welt, welches die constitutionellen Theorien standhaft ignorirt haben</i>.<b>*</b></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-stretch: normal; line-height: normal;"><b>*</b> </span><i>Nota do Editor</i>: Tradução livre: “Esta regulamentação legal começa com a <i>Magna Carta</i>,<i> e</i> avança de maneira gradativa a cada século: nos séculos XVI e XVII também submete a Igreja às normas e limitações da legislação estatal, e nos séculos XVIII e XIX forma o direito administrativo mais especializado do mundo europeu, fato este que as teorias constitucionais em geral têm ignorado”. Cf. R. Gneist, <i>Verwaltung Justiz Rechtsweg Staatsverwaltung und…</i>, p. 3-4. Berlin, 1869; texto disponível em: <a href="https://books.google.com.br/books?id=knVEAAAAcAAJ&pg=PA3&hl=pt-BR&source=gbs_toc_r&cad=4#v=onepage&q&f=false"><span style="color: blue;">https://books.google.com.br/books?id=knVEAAAAcAAJ&pg=PA3&hl=pt-BR&source=gbs_toc_r&cad=4#v=onepage&q&f=false</span></a></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>85</b>. Mas é tempo de entrar na apreciação das obras mencionadas na frente deste escrito.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><b><span style="font-size: x-large;">III</span></b></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>86</b>. Logo em princípio: o livro do Sr. Zacharias é curioso e digno de reflexão. Bem o podemos considerar um grande motivo de desesperação para o nosso país.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>87</b>. Não conheço uma prova mais cabal da nossa esterilidade. O autor é realmente, como dizem, um talento de primeira ordem, uma estrela de primeira grandeza. Todavia, depois de muito afeito aos negócios políticos, depois de dez anos de magistério, depois de exercitado nas práticas do governo representativo, sem dúvida com uma grande provisão de leitura, aos cinquenta anos de idade, veio enfim oferecer-nos como fruto de seu talento e de sua ciência, o pequeno livro sobre o poder moderador! Livro sem seiva, pálido, inanido de ideias, através do qual não corre uma só veia daquele puro sangue, que distingue a raça dos deuses, os heróis do pensamento.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>88</b>. Isto é desanimador. Com efeito, se a política, entre nós é capaz de absorver todas as aspirações e pôr a seu serviço todos os grandes talentos, parece que em compensação devíamos ter, nesta ordem de ideias, os espíritos mais largos, os mais fortes pensadores. Tal porém não acontece. As eminências do Estado não se mostram bem distintas; as cabeças dirigentes mal se elevam acima do comum.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>89</b>. E creio que não posso oferecer, no caso, exemplo mais tocante do que o livro que tem por título <i>Da natureza e limites do poder moderador</i> <b>*</b>. É certo que o autor não se propôs vazar em tão pequeno molde todas as riquezas de sua inteligência, e haveria iniquidade, apresso-me em dizê-Io, da parte de quem quisesse ver nesse escrito a produção mais vigorosa, de que o mesmo autor é capaz.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white;"><b>*</b> <i>Nota do Editor</i>: texto disponível em:</span><span style="color: black;"> <a href="https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/185586"><span style="color: blue; font-stretch: normal; line-height: normal;">https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/185586</span></a></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>90</b>. Mas é igualmente exato que quando se escreve da abundância da alma, com a firmeza das convicções, qualquer que seja o assunto, bem como a extensão que se lhe dá, um espírito profundo sempre deixa alguns sinais da sua passagem. Nem se oponha que aquilo é um ensaio. Nada importa. Pelo tamanho de uma só pena se pode avaliar o tamanho da ave, que a deixou cair.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>91</b>. Mesmo voando rente com a terra, é possíveI mostrar que se tem asas de águia. Não há pois demasiada exigência em querer encontrar mais força e mais largueza mental no escritor brasileiro.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>92</b>. Escritor! é dizer muito. O Sr. Zacharias não pertence a esta classe. Pode ser considerado um distinto orador parlamentar, um notável <i>debater</i>, como dizem os ingleses; mas não é um escritor. O mister de escrever pode ter para ele todos os atributos de uma função, elevar-se mesmo à altura de um nobre cargo de um homem politico. Não chega porém a ser uma arte, a mais difícil de todas as artes.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>93</b>. É verdade que, ainda neste ponto, o digno senador não se acha só. Tem a seu lado uma boa companhia de homens de Estado como ele, parlamentares como ele, advogados como ele, e como ele, enfim, maus escritores.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>94</b>. A política do Brasil, tem-se dito muitas vezes, gasta, abate, corrompe os caracteres. O que eu sei de melhor e de mais visível, é que ela estraga e nulifica as inteligências. Lá em cima, todos os esforços do talento, como talento, querem dizer: chicana, sofisma, impertinência. E tudo isto se exprime por uma só palavra: esterilidade.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>95</b>. O Sr. Zacharias, na segunda edição de sua obra, incorporou ao trabalho primitivo, sem razão plausível, alguns discursos proferidos na câmara temporária. Foi uma ideia de mau gosto, que só serviu para pôr em maior relevo a tibieza do escritor.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>96</b>. Ninguém ignora que um discurso não é feito para ser lido. Entretanto, os pedaços oratórios intercalados no volume são mais legíveis do que todo o escrito. Há neles uma certa viveza, que interessa; e, o que é bem notável, alguma coisa de transparente, que deixa ver as qualidades do homem, de um modo mais definido, do que nos estirões escritos de supostos raciocínios.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>97</b>. Dizer que o autor é do número daqueles que escrevem como falam, seria dizer que escreve muito mal; e, todavia, fala melhor do que escreve.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>98</b>. Não obstante, importa reconhecer que o livro referido, se por si só não constitui, marca ao menos uma fase na marcha lenta e difícil de nossas ideias governamentais. Provocando a contradição, deu lugar à luta, e pela luta, à descoberta da fofa liça em que pisam os combatentes de ambos os lados. Isto é pouco? Pois é tudo.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>99</b>. Não ignoro que a crítica moderna tem o dever de chegar até aos limites da psicologia. Não basta dar a conhecer o autor; é preciso ainda conhecer o homem. Porém creio que deixar-me-ão pôr de parte esse trabalho. Ele seria mesmo pouco instrutivo. Basta-me saber que o Sr. Zacharias é um político honesto. A mobilidade do seu espírito parece às vezes comprometer a firmeza do seu caráter, que aliás é digno de respeito.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>100</b>. Um escritor francês, falando de Royer-Collard, diz que o grande orador era um homem de fortes convicções, mas na frente dessas convicções se achava a persuasão de sua própria superioridade. Tais palavras podiam ser inteiramente aplicáveis ao nosso estadista, se a igual persuasão ele juntasse uma semelhante robustez e gravidade intelectual.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>101</b>. A questão que o nobre conselheiro propôs-se resolver, é a da responsabilidade ministerial pelos atos do poder moderador. Depois de algumas palavras que têm por fim fazer conhecido o estado dela, o primeiro ponto de discussão é este: <i>O que é o poder moderador</i>? Tal se inscreve o parágrafo inicial da matéria.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>102</b>. Parece-me evidente que, em face de semelhante epígrafe, não há quem deixe de esperar uma apreciação em regra. O leitor menos exigente presume logo que ali se lhe vai abrir a grande porta, que conduz ao interior da questão. Isto mesmo é confirmado pelo próprio título da obra.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>103</b>. Pois bem, vejamos. Que é o poder moderador? Para responder, o Sr. Zacharias começa por citar os arts. 98 e 99 da Constituição. Refere em seguida umas palavras de Guizot, e faz notar a bem conhecida inspiração, que o nosso legislador constituinte recebeu de Benjamin Constant, não somente nas ideias, como até nas próprias palavras. E sem demorar-se em coisa alguma, se limita a mencionar o art. 101 e seus parágrafos. Feito isto, assim se exprime: “Conhecida a natureza do poder moderador, ou o complexo de atribuições que o constituem, resta averiguar…”.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>104</b>. Eis aí o que não me parece desculpável. O publicista não viu que, sem querer talvez, estava zombando dos seus leitores.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>105</b>. Se isso que lhe apraz chamar natureza do poder moderador, está contido unicamente naqueles artigos citados, pudéramos responder-lhe: obrigadíssimo! Todos sabemos que esse poder, com as suas atribuições, se acha definido na Constituição. Questionar sobre o que ele seja, importa justamente saber o que seja essa coisa de que tratam os arts. 98 e 101. Não é um apelo que se faz à memória, é um apelo que se faz à razão.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>106</b>. Conhecer a natureza de tal poder não é o mesmo que conhecer o que dizem os referidos artigos.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>107</b>. Em uma palavra, se o presente assunto merecesse entrar no quadro de uma ciência, o problema a resolver seria este: dado o poder moderador, como ele se acha definido nos arts. 98 e 101 da Constituição, mostrar qual é a sua natureza. Tanto basta. para compreender que o Sr. Zacharias deixou-se cair no mais estranho <i>idem per idem</i>. Não é tudo.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>108</b>. Mas antes de prosseguir, julgo precisa uma observação. As palavras de Guizot, citadas pelo autor, em apoio da opinião que faz de Benjamin Constant o nosso inspirador, têm às vezes servido para outros misteres. Não falta quem de contínuo as relembre, no sentido de provar a sabedoria da Carta brasileira, reconhecida por um grande homem.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>109</b>. Há porém completo engano. Em primeiro lugar convinha não esquecer que Guizot se exprimia daquele modo, em uma época, se assim posso dizer, de profunda fé constitucional. Era na força do período fetichista de cega adoração votada às páginas da <i>Charte</i>… A monarquia restaurada não duvidava do seu futuro. O constitucionalismo francês, depois de 1815, não tinha ainda recebido dos fatos o primeiro desmentido.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>110</b>. Que lances de intuição penetrante podiam ter espíritos abafados naquela atmosfera de fórmulas e teorias abstratas? Por outro lado, a nossa Constituição contava apenas cinco anos de vida. Era então que se poderia formar a respeito do seu mérito um juízo competente, e que ainda hoje sirva de guia?</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>111</b>. Além disto, nas próprias frases de Guizot há um equívoco notável. Ele diz que a ideia de Benjamin Constant, quanto ao poder neutro, passou rapidamente dos livros aos fatos, por isso que no Brasil D. Pedro I fizera dela a base do seu trono.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>112</b>. Mas desta vez o filósofo andou pouco acertado. Essa passagem <i>dos livros aos fatos</i> é uma perfeita ilusão. A simples cópia de um princípio teórico em um artigo de Constituição, não quer dizer que se tenha realizado ideia alguma. Isto é apenas passar de um livro para outro livro, sem que deixe de ficar em estado de pura teoria. Quer na obra de Constant, quer na do rei constituinte a questão existe ainda para se resolver.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>113</b>. E justamente no empenho de resolvê-la é que têm aparecido publicistas, como os Srs. Zacharias, Uruguai e Braz, a dar testemunho, não só do pouco valor da sua ciência, como também do anacronismo da questão.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>114</b>. É para ver o sério inalterável, com que o Dr. Braz escreveu um grosso volume de 597 páginas sobre este magno assunto: o poder moderador! Não conheço abundância mais estéril. O visconde do Uruguai, que deu entrada à controvérsia no seu <i>Ensaio sobre o direito administrativo</i><b>*</b>, não é menos interessante pelo tom decisivo e austero, com que pareceu querer, por uma vez, fechar o debate.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>*</b> <i>Nota do Editor</i>: Cf. Paulino José Soares de Sousa (Visconde do Uruguai; sobre o personagem histórico, ver José Murilo de Carvalho; texto disponível em: <a href="https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5506887/mod_resource/content/1/visconde%20do%20uruguai_introdu%C3%A7%C3%A3o_jos%C3%A9%20murilo%20de%20carvalho.pdf"><span style="color: blue;">https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5506887/mod_resource/content/1/visconde%20do%20uruguai_introdução_josé%20murilo%20de%20carvalho.pdf</span></a>), <i>Ensaio sobre o direito administrativo</i>, 1862; texto disponível em: <a href="https://bibliotecadigital.stf.jus.br/xmlui/handle/123456789/346"><span style="color: blue;">https://bibliotecadigital.stf.jus.br/xmlui/handle/123456789/346</span></a></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>115</b>. O nobre visconde tinha os defeitos próprios de um legista: dogmatismo, atitude magistral, e pouca ambição de descer ao fundo. Todavia, em relação aos dois outros autores, o visconde de Uruguai tinha um mérito de mais: escrevia melhor que qualquer deles. Não obstante a frieza do direito e exegese constitucional, facilmente se nota que o seu espírito era mais afeiçoado às coisas literárias. Há períodos mais fluidos, há mesmo mais vigor em sua maneira de escrever. Digo sua maneira, porque, com tudo isso, haveria exageração em falar do seu estilo.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>116</b>. Quanto porém ao Dr. Braz encarado como escritor, vacilo sobre o que deva dizer. O ilustre finado era uma dessas inteligências médias, que, se sentindo incapazes de aguentar o peso do século, entregam-se a uma espécie de ascetismo científico, onde aliás não ficam de todo esquecidas.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>117</b>. O Dr. Braz era um homem convencido e sincero em suas convicções. Mas aborrecia o progresso e comprazia-se nas sombras. Escrevendo ou falando, na imprensa ou na cadeira, que honradamente exercia, alguma coisa o incomodava: como que uma réstia de sol invisível vinha sempre bater-lhe na fronte. Era o ideal dos tempos modernos, que ele não compreendia, nem julgava possível que alguém compreendesse.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>118</b>. O erudito lente da Faculdade de Direito do Recife não podia ser o que se chama um escritor. Tinha a fibra literária pouco sensível, para render culto aos segredos e beleza da arte de escrever. Seus trabalhos não se recomendam por nenhum dos caracteres que têm as obras duradouras. Todos eles são hoje quase ilegíveis. No livro porém consagrado à questão que nos ocupa, e que é talvez a obra mais característica do seu talento, devo confessar que existem páginas bem aproveitáveis.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>119</b>. Já notei que o Sr. Conselheiro Zacharias, parecendo querer discutir a matéria do seu livro, se não como filósofo, ao menos como publicista, para dizer-nos o que é o poder moderador, se tinha limitado a pouco mais do que nada.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>120</b>. O Dr. Braz como que tentou suprir as lacunas, e caiu no extremo oposto. Com o fim de provar que o referido poder é um produto racional, deduzido da natureza do governo, não duvidou partir de bem longe. Quis derivar a ignorância da sua fonte mais elevada.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>121</b>. Quanto a mim, creio que a coisa pode ser discutida de um modo muito mais simples. Quando se diz que o poder moderador foi um fruto da razão e da lógica, é mister não esquecer que esta razão e esta lógica pertenciam a certos homens, e estes homens a uma certa época. Em outros termos, a teoria em questão não pode ser considerada à parte do espírito que a concebeu, nem do meio social, em que ela se produziu. As ideias também têm a sua biografia. O que se acostuma às vezes chamar a força da lógica, é apenas a necessidade dos tempos.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>122</b>. Os criadores e primeiros apóstolos da ideia do poder moderador eram homens que tinham visto a revolução mentir e faltar a todos os seus compromissos. No meio das mais duras decepções, houve mesmo um instante, em que Israel recordou-se do Egito; a sociedade francesa volveu os olhos para trás. E pouco a pouco as instituições foram parecendo menos odiosas. Todas as forças morais da nação começaram a reagir contra tudo que se havia feito, pensado e dito, depois de 1789.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>123</b>. A política de Napoleão, que não foi mais do que a revolução reduzida ao absurdo, trouxe ainda este mal incalculável: fez que os grandes anelos do tempo, não tendo um ponto de apoio no futuro, se aferrassem ao passado. Veio assim a necessidade de conciliar as tradições com as aspirações, porque, a despeito de tudo, o espírito moderno não permitia a repetição completa do Antigo Regime.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>124</b>. É então que a realeza vai tornar-se, por sua vez, um objeto de estudo, um assunto de ciência, e chega-se a concluir que a monarquia constitucional é quase a única forma de governo aplicável a um povo sensato. A ideia do poder neutro, tal como foi exposta por Benjamin Constant, nasceu sob a influência destes prejuízos e destas contradições.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>125</b>. Qual será, pois, a sua natureza?! Voltemos ao escrito do Sr. Zacharias. Já se sabe qual é a questão. Ele sustenta que os ministros, em todo caso, devem responder pelos atos do poder moderador. E esta opinião é acompanhada de argumentos e considerações, que sem dúvida hão de ter muita força na consciência do autor.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>126</b>. Deixo por instantes de lado a ordem natural do livro e vou colocar-me, se assim posso dizer, no coração do debate. Diz o Sr. Zacharias:</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.3px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Todas as teses da Constituição relativas ao poder moderador são, como se vê, dominadas por aquela que solenemente declara a pessoa do imperador inviolável, sagrada, não sujeita a responsabilidade alguma<b>*</b>. Ora, diz o bom senso que declarar (em país livre) irresponsável uma pessoa, a quem se confiam tão transcendentes funções, implicaria grave absurdo, se a sua inviolabilidade não fosse protegida pela responsabilidade de funcionários, sem os quais não pudesse levar a efeito.<b>**</b></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>*</b> <i>Nota do Editor</i>: Cf. <i>Constituição Política do Brasil</i> (1824), Art. 99; texto disponível em: <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm"><span style="color: blue;">http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm</span></a></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 11px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>**</b> <i>Nota do Editor</i>: Cf. Zacharias de Góes e Vasconcellos, <i>Da natureza e limites do poder moderador</i>; 2ª ed. 1862, p. 21-22; texto disponível em: <a href="https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/224211"><span style="color: blue; font-stretch: normal; line-height: normal;">https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/224211</span></a></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>127</b>. Este pedaço é de uma fraqueza pueril. Além do argumento do <i>bom senso</i>, que prova de mais, que serve para tudo e para nada ao mesmo tempo, salta aos olhos a petição de princípio, formulada nesse raciocínio.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>128</b>. Ela não escapou à justa censura do visconde de Uruguai. Mas não é isto que admira. O Sr. Zacharias não está isento de cometer um paralogismo, como não estão as mais profundas cabeças. O importante é que o nosso publicista, respondendo ao seu contendor, e para provar que não tinha violado a lógica, estabeleceu de novo o argumento</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">censurado, porém, custa dizê-Io, tornando o erro ainda mais patente.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>129</b>. Aqui o temos. É uma espécie de <i>sorites</i>:</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.3px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">O primeiro princípio da monarquia representativa é a inviolabilidade do monarca. A inviolabilidade do monarca supõe que ele só pode fazer o bem e nunca o mal. O pressuposto de fazer o rei só o bem e não o mal é uma ficção do sistema representativo. Essa ficção legal da monarquia representativa implica necessariamente a ideia de serem os agentes do príncipe responsáveis pelo mal que apareça em qualquer ato da realeza.<b>*</b></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Basta, basta; aí vem a mesma petição de principio.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>*</b> <i>Nota do Editor</i>: Cf. Zacharias de Góes e Vasconcellos, <i>Da natureza e limites do poder moderador</i>, 2ª ed., 1862, p. 162; texto disponível em: <a href="https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/224211"><span style="color: blue; font-stretch: normal; line-height: normal;">https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/224211</span></a></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>130</b>. O que se questiona é, por certo, se a inviolabilidade do monarca brasileiro <i>implica necessariamente a ideia de serem os seus agentes responsáveis pelo mal que apareça</i> nos atos do poder moderador. Bem entendido: no caso de admitir-se que o mal possa aparecer, pois que para alguns isto mesmo constitui uma questão.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>131</b>. Em seguida diz ainda:</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.3px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Agentes responsáveis na monarquia constitucional são essencialmente os ministros.<b>*</b></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>*</b> <i>Nota do Editor</i>: <i>Idem</i>, <i>ibidem</i>.</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Novo paralogismo; porque se admitindo, sem contestação, que os ministros do Brasil são essencialmente agentes responsáveis pelos atos do poder executivo, quanto ao mais, é justamente o que está em questão.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>132</b>. Continua o publicista:</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.3px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">A Constituição do Império adota e consagra esses princípios cardeais do regime representativo. [<b>6</b>]</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 6</b>: <i>Da natureza e limites do poder moderador</i>, pág. 162.</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>133</b>. Mas <i>esses princípios e essa adoção</i> não formam precisamente o maior objeto do debate? Ainda o paralogismo; oh! em nome da lógica, é mister chamar o Sr. Zacharias à ordem!</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>134</b>. Insisto neste terreno, que é fecundo de boas verdades. Uma coisa são os princípios feitos; outra coisa os princípios que se fazem; uma coisa as leis gerais estabelecidas; outra coisa as que se querem estabelecer. Quando surge uma questão particular, não há petição de princípio em procurar esclarecê-Ia, em face de premissas que se não contestam. Há porém questões que uma vez originadas comprometem os mesmos aparentes princípios; donde se diz que eles emanam.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>135</b>. Eu me explico.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>136</b>. É claro que, por exemplo, sendo posta em questão a mortalidade de Seth, desde que Seth é um homem, não haveria paralogismo em lembrar a proposição geral, que todos os homens são mortais. Porém a razão é que aqui se trata de uma lei sem contestação, de uma verdade que fatalmente se impõe.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>137</b>. O engano vem daí. Confrontando com estes e outros exemplos de uso comum argumentos mal seguros, como os do Sr. Zacharias, julga-se perfeito o que realmente está fora das regras de boa lógica. É preciso abrir mão das antigualhas da escola. Encaremos as coisas com mais interesse de saber o que elas encerram.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>138</b>. Vou tomar um exemplo, menos corriqueiro. Eu leio na história natural que todos os cães são ladradores. É uma verdade corrente, uma tese incontestada da ciência respectiva. Mas alguém vem dizer-me: eis aqui um cão que não ladra; o que significa: é falso que todos os cães sejam ladradores. Nesta conjuntura, a questão suscitada sobre o fato particular envolve o próprio fato generalizado. Tentar resolver um pelo outro é fútil e pueril. Releva, pois, antes de tudo, saber distinguir as opiniões mais ou menos correntes dos dados regulares da legítima indução.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>139</b>. Eu disse que uma coisa são os princípios feitos, e outra coisa os princípios que se fazem. Nada mais exato. Somente as verdades feitas, as leis verificadas podem servir de premissas, sem perigo de paralogismo. Desde que uma verdade não está firmada, ela não pode sustentar o peso de um raciocínio. Todo erro provém de prestar-se muitas vezes um caráter axiomático a meras máximas, regras, fórmulas estreitas, destituídas de valor científico.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>140</b>. Assim, quando o Sr. Zacharias diz que o pressuposto de fazer o rei sempre o bem, implica a ideia de ministros responsáveis, a ilusão é manifesta. Ele dá isto como um princípio indubitável, quando é apenas uma opinião, a sua própria opinião no assunto debatido. Concedo mesmo que seja uma máxima, uma regra geral do direito político. Ainda assim nada aproveita. A questão suscitada sobre os atos do poder moderador pressupõe que não se aceita a regra oposta.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>141</b>. Citar a máxima geral, a fim de resolver a questão particular, que a envolve, é perfeito paralogismo. Nem se diga que o mesmo deve acontecer a todos os argumentos da espécie; não. Eu nego, por exemplo, que este ou aquele animal tenha pulmões. Não se segue daí que, sendo ele um mamífero, eu conteste a lei, pela qual todos os mamíferos respiram por esses órgãos. Há um meio termo: posso ignorar que o animal em questão faça parte da classe.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>142</b>. Quem quer que diante do retrato de Ram Mohan Roy, o brâmane reformador, sustentasse que ele era um negro, não contestava por isso que os <i>Aryas</i> fossem brancos. Podia desconhecer a procedência do tipo. Eis por que a força probante do silogismo está na menor.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>143</b>. Mas veja-se agora a grande diferença. Quem nega que os ministros sejam responsáveis pelos atos do poder moderador, não ignora que estes atos pertencem à realeza. Seria até ridículo supô-lo. Entretanto, a controvérsia existe; qual é o seu objeto? Desde que se contesta que o poder moderador implique a responsabilidade ministerial, por isso mesmo tem-se contestado o valor da máxima invocada. Fazer dela uma base de argumentação é altamente censuráve!</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>144</b>. Suponhamos que alguém diga: os americanos também tiveram o seu Adão. Será justo responder-lhe que tal não pode ser, porque a espécie humana é <i>una</i>? Fora isto resolver a questão com ela mesma. Neste gosto é o raciocínio do Sr. Zacharias.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>145</b>. Há quem sustente: os ministros no Brasil não são responsáveis pelos atos do poder moderador. Ele replica: não se pode admitir; porque os ministros nas monarquias constitucionais são agentes responsáveis de todos os atos da realeza!</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>146</b>. É soberbo! Entretanto, bastava que o nosso publicista se lembrasse da teoria lógica das proposições contraditórias, para ver de pronto o seu erro.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>147</b>. Dizer que na monarquia brasileira, em face mesmo da Constituição, os ministros não respondem pelos atos do poder moderador, é contradizer que os ministros em geral, nas monarquias constitucionais, sejam responsáveis por todos os atos da realeza. A proposição contradita não pode pois valer-se de si mesma. O Sr. Zacharias que se mostra admirador das obras de Mill, parece que tiraria mais proveito, lendo o <i>System of logic</i> [John Stuart Mill, <i>A system of logic, ratiocinative and inductive: being a connected view of the principles of evidence and the methods of scientific investigation</i>, 1843] deste autor, do que lendo os livros de política.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>148</b>. Há um meio eficaz de conhecer o mérito real de certas obras: é banir o preconceito e não ter a mínima reserva. É o que eu faço. Acabei de mostrar que o Sr. Zacharias, mau grado seu, reincidiu no argumento vicioso pelo qual fora increpado. Terei sido exorbitante? Pois acho que fui omisso.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>149</b>. E prová-lo-ei, analisando ainda uma vez o pedaço já citado. Vale a pena demorar-nos nesta página do livro, porque, de algum modo, ela oferece o resumo das ideias do autor.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>150</b>. Diz o nosso publicista: “O primeiro princípio da monarquia representativa é a inviolabilidade do monarca”.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>151</b>. Devo supor no honrado conselheiro uma certa cultura filosófica. Não me eximo pois de chamá-lo para este lado. O Sr. Zacharias nos fala da monarquia representativa, como uma ideia geral, claramente definida. Ora, ele sabe, nem eu me incumbo de lembrar-lhe, como se formam as ideias gerais. Por outro lado nos afirma que a nossa Constituição adotou os princípios cardeais desse regime. Assim pois, na mente do publicista liberal, os autores da Carta brasileira já encontraram uma ciência acabada, um complexo de verdades universais, sobre cujos dados ergueram a sua obra.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>152</b>. Mas não nos iludamos; tratemos de dar a tudo isto o seu verdadeiro valor.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>153</b>. Deixarei primeiro notado que os modos de entender, subjetivos e pessoais, de qualquer autor não formam ciência alguma. No tempo em que se elaborou a nossa Constituição, só havia, além da Inglaterra, a França dos Bourbons, que facultava a observação do regime adotado. Ora, dois fatos únicos da espécie não podiam fornecer matéria generalizável. Isto é claro e incontroverso.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>154</b>. Note-se mais: o que a França tinha então de comum com a Inglaterra, não era um atributo de si mesma, um produto espontâneo de sua natureza, mas uma imitação do próprio modelo inglês. Menos possíveI se tornava a formação de uma ideia geral de monarquia representativa. O certo é que a noção, embora incompleta, do governo britânico era o que havia de positivo na mente dos publicistas. Deste modo, observando um simples fato particular, generalizaram-no e subiram com ele às alturas do absoluto. Esta ideia geral teria sido uma concepção científica? Não; foi uma concepção artística. A diferença é profunda, e merece ser apreciada.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>155</b>. O espírito humano é cheio de contrastes, outros diriam, de contradições. Nós temos a faculdade de construir as ideias gerais lentamente e como por degraus, depois de observar um certo número de coisas particulares, que apresentam qualidades semelhantes.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>156</b>. Ao lado desta faculdade, muito conhecida e exposta em nossas velhas filosofias, há uma outra não menos importante. É o poder, pelo qual, ante o primeiro objeto que de algum modo nos parece notável, abstraindo os caracteres acidentais, elevamo-lo de pronto à categoria de um exemplar perfeito.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>157</b>. Vê-se que são duas operações bem distintas; ou melhor, são duas tendências, em sentido quase oposto, que não chegam a destruir-se, mas somente a predominar uma sobre a outra. Há sempre um pouco de arte na ciência, como há sempre um pouco de ciência na arte. [<b>7</b>]</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 7</b>: Esta ideia que me parece justa vai de encontro à opinião de um sábio atual. Heinrich Steinthal, de Berlim, diz terminantemente em um dos seus escritos do <i>Zeitschrift für Völkerpsychologie und Sprachwissenschaft</i> (tomo 6, pág. 325): “A ciência e a arte nunca se tocam, e não podem por isso estar jamais em contradição uma com a outra. Quando o pintor ou poeta nos apresenta uma paisagem, isto nada tem que ver com a geografia, com a geologia, com a botânica e a zoologia” [<i>Nota do Editor</i>: texto original disponível em:<span style="font-stretch: normal; line-height: normal;"> <a href="https://www.digi-hub.de/viewer/image/DE-11-001661082/337/"><span style="color: blue;">https://www.digi-hub.de/viewer/image/DE-11-001661082/337/</span></a></span>]</p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 6px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;">Felizmente, o exemplo comprobatório, que aí propôs o ilustre alemão, é contra ele. Se um pintor ou poeta nos falar de <i>coqueirais</i>, nas margens do Reno, a geografia nada tem que ver com esse disparate? Se outro nos apresentar uma <i>roseira</i> florida de <i>cravos</i>, um <i>parreiral</i> frutificado de <i>nozes</i>, a botânica é a isto indiferente? Dir-se-nos-á, talvez, que estas coisas são inadmissíveis, porque repugnam à natureza. Certamente:-repugnam à natureza, isto é, ao conhecimento que dela temos; e este é sempre científico, em qualquer grau.</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>158</b>. A faculdade de generalizar, que entra por força em todos os nossos trabalhos científicos, também exerce um grande papel em nossas criações artísticas. Aí reside o germe de um desvario, que não é raro aparecer. Os pensadores consideram verdades impessoais, objetivas, o que é muitas vezes um modo de perceber da razão individual, que se generaliza arbitrariamente.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>159</b>. Não contesto à inteligência humana o direito de ver as coisas e dar-lhes logo um valor típico, suprindo, de seu próprio fundo, as lacunas da realidade. Não lhe contesto o direito de traçar aos nossos olhos, não por exemplo a beleza em abstrato, nem a beleza por excelência, nem tampouco esta ou aquela beleza particular, mas a beleza em uma beleza, uma sorte de compromisso entre o real e o ideal.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>160</b>. É o direito do poeta. Não é porém o direito do sábio, não é esta a função da ciência. E aqui cheguei aonde queria. A monarquia representativa, de que tanto se nos fala, não é uma ideia geral, um produto regular de generalização. É simplesmente um tipo, e como tal, uma espécie também de compromisso entre a realidade do governo inglês e as tendências ideais dos publicistas.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>161</b>. Ainda se faz notar nas palavras do Sr. Zacharias um defeito capital. Depois de dizer que o primeiro princípio da monarquia representativa é a inviolabilidade do monarca, o honrado conselheiro afirma que este princípio supre outra coisa, e esta uma terceira, etc. Deixa portanto de ser um primeiro princípio. Foi um descuido pouco justificável.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><b><span style="font-size: x-large;">IV</span></b></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>162</b>. O historiador literário, já eu o disse uma vez, que chega a ocupar-se de produtos da atualidade, quer se estenda a todos os domínios da vida intelectual, quer se limite a uma contribuição para a história do espírito de um povo, nesta ou naquela forma do seu desenvolvimento, acha-se de ordinário diante das quatro seguintes ordens de fenômenos: obras <i>vivas</i> de autores <i>vivos</i>, obras <i>mortas</i> de autores <i>mortos</i>, obras <i>mortas</i> de autores <i>vivo</i>s e obras <i>vivas</i> de autores <i>mortos</i>. [<b>8</b></span><span style="font-size: 12px;">]</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 8</b>: <i>Contra a Hipocrisia</i>, nº 11, 1879, pág. 89.</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>163</b>. Creio ter dito uma verdade. Mas essa posição não é exclusivamente destinada para o historiador literário. O crítico de qualquer gênero pode também achar-se em uma semelhante conjuntura.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>164</b>. Quando iniciei este trabalho, há cerca de doze anos<b>*</b>, já não existiam dois dos autores que me propusera analisar. Tempos depois desapareceu também o Sr. Zacharias. Hoje que volto a prosseguir no trabalho interrompido, não tenho diante de mim senão livros e autores da segunda categoria. Para que agora continuar nesse processo de <i>dissecção crítica</i>, praticada sobre cadáveres, cujo estudo já não traz grandes vantagens?</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>*</b> <i>Nota do Editor</i>: a partir desta quarta parte, Tobias Barreto retoma sua pesquisa, então suscitada pela questão sobre o poder moderador, e que teve, segundo Sílvio Romero, suas partes iniciais publicadas em 1871 no jornal <i>Contra a Hipocrisia</i>.</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>165</b>. Prefiro tomar outro caminho. O que aí ficou escrito, é mais que suficiente para dar a conhecer o valor dos três publicistas, isto é, que bem pouco valem. A questão que eles tentaram resolver, e que eu considerara, logo em princípio, indigna de ocupar a atenção dos espíritos elevados, não deixou de ser, com toda a sua frivolidade, o ponto central do pensamento político brasileiro.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>166</b>. Mas deve-se ponderar que nem sempre ele se agita com o mesmo grau de calor. O maior ou menor interesse que se lhe dedica, está de acordo com as exigências da época, sempre um resultado das chamadas <i>situações políticas</i>, por isso mesmo é que, parecendo adormecer nas quadras de governação liberal, ela se ergue de pronto, com a seriedade de um <i>to be or not to be</i> hamletiano, logo que os conservadores, segundo a velha metáfora, adaptada ao ponto de vista do cavalo e do cavaleiro, assumem as rédeas da administração.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>167</b>. Infelizmente porém, não obstante o muito que se tem gasto de papel e tinta para a solução do problema, ainda nada existe, que eu saiba, definitivamente assentado. Consequência naturalíssima dos princípios dirigentes daqueles que o suscitaram.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>168</b>. O liberalismo em geral, mas sobretudo o liberalismo brasileiro, encerra alguma coisa de análogo ao messianismo judeu, encarado pelo seu lado ínfimo e prosaico.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>169</b>. As esperanças messiânicas dos filhos de Israel, é fato sabido, mostravam-se tanto mais ardentes e indissipáveis, quanto menos prazenteira sorria-lhes a ventura. Logo que, porém, os negócios corriam à medida dos bons desejos, e o espírito comercial, inerente à raça semítica, sobrepujava por seus triunfos o espírito religioso, que dizem ser-lhe também inerente, então... adeus, Messias, adeus, esperanças e visões escatológicas. O reino de Deus na terra já não era uma necessidade.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>170</b>. De igual maneira o liberalismo entre nós, que não passa de uma escatologia política, só faz ouvir as suas promessas de melhoramento, os seus gritos proféticos de abalo e renovação social, quando apraz ao imperador arredá-Io dos conselhos da coroa e distribuir com o outro partido o pão da vida governativa. Fora disto, e quando no gozo do conchego régio, adeus liberdade, e bem assim todo o sistema de ilusões, que enfloram essa palavra.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>171</b>. Este fato, que é de intuição vulgar, e que está no domínio público, pois eu não faço mais do que referi-lo a meu modo, explica o motivo por que a questão do poder moderador permanece em um perene <i>status causae et controversiae</i>, completamente insolúvel, como resina na água, ou como a velha questão metafísica da união da alma e do corpo.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>172</b>. O espírito científico nada tem que ver com ela, que é um produto do espírito de partido, da <i>coterie</i>, da chicana oposicionista; e como tal está sempre aberta no jardim da retórica parlamentar.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>173</b>. Entretanto, e para ser justo, convém declarar que, se nesse estéril e inglório lutar <i>pelas barbas do rei</i>, existe algum lado sério, são os publicistas conservadores quem o representa. As outras vinte faces da questão, irrisórias ou frívolas pertencem aos homens da escola oposta.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>174</b>. Aqueles têm em seu favor, pelo menos a coerência do proceder, a lógica do caráter. Não admitem que se ponha limites, de qualquer natureza que sejam, à irresponsabilidade do seu monarca, do mesmo modo que um católico não os compreende traçados à infalibilidade do seu papa. Isto é ser tolo sem dúvida, mas também admiravelmente sincero em sua tolice. Os liberais porém é que no caso mais se assinalam pela falta de senso, pelo despropósito na sua doutrina.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>175</b>. Com efeito, há uma coisa pior do que escrever, como o Dr. Braz, um volume enorme cuja completa leitura é um ato de heroísmo não comum e onde todas as nove peças do poder moderador são desmontadas e analisadas com o mesmo religioso interesse e no mesmo estado de genuflexão, com que um teólogo desmonta e analisa as hipóstases divinas.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>176</b>. Sim, há uma coisa pior do que isso, é fazer, como o Sr. Zacharias, um livro acadêmico, onde a pobreza das ideias corre parelhas com a trivialidade da linguagem, no intuito de provar que o imperador não é o imperador, superior e preexistente a todos os poderes políticos, como fê-lo a Constituição, porém somente aquilo que o publicista liberal queria que ele fosse, isto é, um grande <i>nada</i> no estilo do<i> protoconstitucionalismo britânico</i>, um capitel suntuoso, mas também inofensivo, da coluna do Estado.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>177</b>. Quer de um, quer de outro lado, é inegável, a ciência não aufere o mínimo proveito; contudo está fora de qualquer dúvida séria que a posição do publicista conservador é, na questão suscitada, muito mais compreensível.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>178</b>. Entretanto, não se entenda que eu confiro ao Dr. Braz, na hierarquia dos talentos, um lugar acima do conselheiro Zacharias. Longe de mim semelhante ideia, não por que ela importasse uma grave injustiça, mas por que suporia de minha parte um trabalho de medida e comparação de inteligências, para o qual confesso que não tenho atitude.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>179</b>. Julgo os talentos pelos seus produtos; e produção por produção, confrontando-se uma com outra, tão fútil é a obra do ilustre lente da Faculdade do Recife, como a do ilustre senador, orador e homem de Estado.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>180</b>. O que descubro de desigual entre eles, não se exprime por um <i>plus</i>, mas por um <i>minus</i>. O Dr. Braz foi menos disparatado em cercar o seu monarca absoluto de uma guarda de honra de argumentos sérios e carrancudos, que aliás não deixam de infundir algum respeito, sobretudo pela velhice, do que foi o conselheiro Zacharias em pretender reduzir o imperador às proporções de uma figura ideal, do idealismo estéril de um espírito prosaico e acanhado, como era, digam lá o que disserem, o estadista liberal.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>181</b>. Mas deixemos enfim de lado esses autores e suas obras. Já é tarefa inglória combatê-Ios e refutá-Ios. A questão do poder moderador, como eles a compreenderam e trataram de resolver, não tem atrativos, porque falta-lhe o caráter científico. Para dar-lhe tal feição é mister tomar outro ponto de vista e dominar mais largo horizonte.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>182</b>. A questão de saber se há ou não responsabilidade ministerial pelos atos do poder moderador, prende-se logicamente à questão geral da responsabilidade dos ministros nas monarquias constitucionais.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>183</b>. Como esta porém se chame <i>política</i>, ou <i>moral</i>, ou <i>particular,</i> ou <i>constitucional</i>, se reduz enfim a uma simples responsabilidade <i>parlamentar</i>, pois que não tem outro sentido, senão o de colocar os ministros na inteira dependência do parlamento [<b>9</b>], o resultado é que a nossa questão se converte na seguinte: se temos ou não, se é ou não possível entre nós um governo parlamentar.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 9</b>: Johann Caspar von Bluntschli, <i>Allgmeines Staatsrecht</i> 2, pág. 160; Lorenz von Stein, <i>Handbuch der Verwaltungslehre</i> 1, pág. 93; Oswald de Kerchove de Denterghem, <i>De la responsabilité des ministres dans le droit public belge,</i> pág. 19; Lagemans, <i>Der leer der ministeriële verantwoordelijkheid en hare toepassing in het Nederlandsche staatsregt: academische proeve</i>, pág. 311.</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>184</b>. Nestes termos, não sei se o problema é de mais fácil solução, porém ao certo se reveste de maior importância, assume feição histórica e torna-se por isso mais digno de ser estudado.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>185</b>. O <i>parlamentarismo</i> é o grande desvario, é o <i>proton pseudos</i> político do século XIX. Ele apresenta-se com ares de proceder diretamente da Inglaterra; mas importa observar que a língua inglesa não possui essa palavra. O inglês, bem como o americano, só tem para o seu governo o nome de <i>constitutional government</i>.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>186</b>. Entretanto, foi um perfeito sentimento da verdade, que motivou a criação da frase, o sentimento de uma distinção essencial entre a forma de monarquia limitada, saída da Revolução Francesa, que se pretende ter chegado na Bélgica à sua mais alta florescência, isto é, o constitucionalismo, por um lado, e por outro lado, a forma de governo da Inglaterra. [<b>10</b>]</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 10</b>: Lothar Bucher, <i>Der Parlamentarismus wie er ist</i>, pág. 21.</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>187</b>. Na literatura liberal de 1830 a 1848 em França, a antítese não se mostrou tão acentuada, que se fizessem precisas duas expressões; e, ainda em 1834, o admirável <i>memorandum</i> da corte de Petersburgo, aconselhando precaução diante do constitucionalismo franco-britânico, julgava ambos os sistemas essencialmente idênticos.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>188</b>. Mas não há tal identidade. O parlamentarismo é a última fase evolutiva do constitucionalismo na Inglaterra, ou antes a forma inglesa da monarquia constitucional. O parlamentarismo é um produto da história; o constitucionalismo um produto do entendimento, da faculdade de criar conceitos, que, não tendo base na experiência, são tão vazios e fúteis, como os produtos da imaginação. [<b>11</b>]</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 11</b>: Foi Kant quem disse: “<i>Ein Begriff, der eine Synthesis in sich faßt, ist für leer zu halten, und bezieht sich auf keinen Gegenstand, wenn diese Synthesis nicht zur Erfahrung gehört”</i>.<b>*</b> O constitucionalimo, como em geral o compreendem os publicistas liberais, é uma dessas sínteses, que não pertencem ao mundo experimental.</p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 11px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>*</b> <i>Nota do Editor</i>: trata-se do conhecido postulado acerca da possibilidade das coisas: “Um conceito que inclua em si uma síntese há de ser considerado vazio e não referido a objeto algum, se essa síntese não pertence à experiência” (cf. Kant, <i>Crítica da razão pura</i>, A 220).</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>189</b>. Os Estados monárquicos modernos, que adotaram o regime constitucional, são vítimas de uma ilusão lastimável, supondo-se capazes de pôr em prática um sistema de governo, perfeitamente adaptado à bitola inglesa.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>190</b>. Conta-se que uma vez La Réveillère-Lépeaux, um dos cinco diretores da França em 1797, falando a Talleyrand sobre a <i>teofilantropia</i> e as formas que convinha dar a este novo culto, disse-lhe o astuto político: “eu não tenho senão uma observação a fazer-vos: Jesus Cristo, para fundar ao sua religião, foi crucificado, e ressuscitou. Devereis praticar outro tanto”.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>191</b>. Eis aqui um caso análogo. Aos Estados, onde grassa morbidamente o <i>diletantism</i>o parlamentar, poder-se-ia também dizer: para chegar ao ponto em que a vemos, a Inglaterra houve mister de muitas lutas, e lutas seculares; teve uma longa e dolorosa educação política, decapitou um rei e derribou uma dinastia. Vós outros, que quereis imitá-Ia, deveríeis fazer a mesma coisa.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>192</b>. Mas isto é impossível. Cada povo tem a sua história, e cada história os seus fatores. Tampouco se encontram duas nações com o mesmo desenvolvimento, como dois indivíduos com a mesma cara. A identidade da forma de governo assemelha tanto entre si o destino dos Estados, como poderá por ventura identificar-se a sorte de dois homens pelo único fato de nascerem no mesmo dia, ou de vestirem pano da mesma peça.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>193</b>. O que disse Goethe da história da ciência, que era semelhante a uma grande <i>fuga</i>, na qual, uma após outra, se faz ouvir a voz dos povos, não se adapta com igual justeza à historia da política. Ali se compreende a repetição e continuação do tema comum; aqui porém a coisa é diversa: a um povo não é lícito repetir ou imitar, nem a si mesmo, sob pena de cair no baixo cômico, inerente a todas as caricaturas.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><b><span style="font-size: x-large;">V</span></b></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>194</b>. Não me considero encarregado de entoar um hino à Inglaterra por amor do seu governo. Nem os ingleses são para mim o que eram para um padre da Igreja na Idade Média: <i>Angli, quasi angeli</i>. Mas não resisto à tentação de relembrar aqui alguns pontos capitais da história política desse país, a fim de deixar melhor estabelecida a idiossincrasia do seu regime, a intransplantabilidade do seu sistema governamental. Vejamos pois.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>195</b>. O absolutismo dos tempos normandos tinha dissolvido toda a administração do Estado em um <i>personal government</i>. Guerra, polícia e justiça eram administradas por meio de <i>comissioners</i>. Para as finanças tinha-se formado no <i>Exchequer</i> um departamento burocrático. Só a Igreja pretendia uma certa independência por sua constituição corporativa e sua jurisdição separada.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>196</b>. Desde a <i>Magna Carta</i> (1215) voltam as formas e os princípios. O governo régio toma o caráter de um <i>Permanent Council</i>, externamente comparável a um conselho de ministros. Para os negócios mais importantes do Estado forma-se periodicamente um <i>grande conselho do reino</i> pela convocação temporária de prelados e vassalos da coroa.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>197</b>. Com Eduardo I (1277) começa entretanto o reforçamento gradual deste <i>conselho</i> por meio dos deputados dos condados e das cidades (<i>gens de la commune</i>), que acabam por constituir uma corporação especial.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>198</b>. Longo tempo a relação dos conselheiros do reino permaneceu vacilante. Concessão de subsídios, legislação, judicatura, voto consultivo nas medidas importantes do governo, são coisas que repousam confusamente, ao lado umas das outras, nos mais antigos parlamentos, mas se dividem e esclarecem no decurso do século XIV.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>199</b>. A estrutura interior não cessa de progredir. A força crescente dos parlamentos acha porém um contrapeso na força crescente da realeza por meio da Reforma. Ainda até ao fim do século XVII, o <i>Privy Council</i> é a sede de um governo independente, os ministros são nomeados pelo rei, sem atenção ao pessoal e às determinações do parlamento. É então que <i>Parliament</i> e <i>Council</i> mostram um tal ou qual movimento convulsivo. Por ocasião da queda dos Stuarts, o governo ainda está fora da influência parlamentar. Isto se torna visível, sobretudo, nos três seguintes momentos:</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">1. O rei nomeia os membros do <i>Privy Council</i> como corporação dirigente. Entretanto, no tempo dos Stuarts, não tomam mais parte na direção dos negócios todos os conselheiros; o governo forma antes um círculo estreito de ministros ativos de confiança, sem atender-se a que tenham ou não um lugar em qualquer das câmaras.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; min-height: 9px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">2. O governo regular do Estado é ainda independente das concessões e apoio do parlamento. Ainda não há <i>budget</i>; nenhuma participação, nenhuma cooperação, nenhum <i>controlle</i> enfim na aplicação dos dinheiros públicos.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; min-height: 9px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">3. A administração do Estado em seus detalhes ainda tem um largo campo de movimento livre na esfera dos negócios estrangeiros, da guerra e das finanças, bem como na esfera dos negócios internos e da Igreja. A este livre movimento corresponde por outro lado um largo domínio de queixas e acusações parlamentares contra os ministros.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>200</b>. Desde 1688 aparece mudada esta relação fundamental. O grave abuso de todas as prerrogativas régias trouxe a queda da casa reinante e a nova dinastia foi instalada como uma espécie de capitulação. A existência de um exército permanente fica na dependência da concessão anual do parlamento. A aplicação dos dinheiros públicos é limitada a títulos determinados por meio de cláusulas de apropriação.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>201</b>. Este novo direito de conceder despesas faz o parlamento tomar parte nos detalhes da administração interna. Mais forte porém que outro qualquer fato influi o abalo moral da realeza pela viva recordação da política dos Stuarts.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>202</b>. Deste modo o governo entra em uma relação de contínua dependência das deliberações parlamentares. Surge daí um dualismo de ação, que, sendo inconciliável com a unidade do poder supremo, acaba por transmitir o governo ao parlamento mesmo, concentrando toda a atividade política em um conselho parlamentar de ministros (<i>Cabinet</i>).</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>203</b>. É no reinado de Guilherme III que começa a valer como princípio a união dos ministros com o parlamento. Todos eles são tirados dos membros da câmara alta, e em parte também da segunda câmara. Guilherme III ainda reserva para si a direção pessoal dos negócios estrangeiros, o que aliás não pôde ser mantido em razão da incapacidade dos seus sucessores.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>204</b>. Os vivos esforços de George III, para mudar esta ordem de coisas, vieram num tempo, em que a nação já estava muito adiantada no governo de si mesma. Esses esforços tiveram somente como consequência robustecer cada vez mais a autoridade do parlamento. Não é mais o querer pessoal do monarca, mas a vontade geral da grande corporação parlamentar, que exprime a vontade positiva do Estado, com alteração essencial dos três momentos acima indicados:</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">1. O rei nomeia os ministros, mas reconhecendo a necessidade de tomar em consideração a sua influência em ambas as câmaras. Esta consideração deixa-lhe apenas o direito de não aceitar algumas pessoas, que porventura lhe desagradem; e este <i>veto</i> é ainda limitado pelo fato de que a organização do <i>gabinete</i>, a distribuição das pastas ministeriais, é confiada a um estadista dirigente. Nos últimos tempos a rainha tem designado somente a pessoa do <i>premier</i>.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; min-height: 9px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">2. O governo do Estado em sua ação é dependente, ano por ano, da concessão parlamentar da lei sobre o exército, do orçamento das despesas e das imposições periódicas. Esta dependência tem se tornado tão restrita, que já há um século, diante de uma decisiva censura parlamentar, aos ministros só resta de fato um caminho a seguir, ou deixarem os seus lugares, ou por meio de uma dissolução apelarem para o voto da câmara dos comuns novamente eleita.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; min-height: 9px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">3. O movimento do governo está contido dentro de limites cada vez mais estreitos por meio da fixação do direito administrativo em múltiplos estatutos do parlamento, por meio da independência do <i>governo das províncias</i>, dos círculos e <i>comunas</i> para com o <i>governo ministerial</i> [<b>12</b>]. Esta fixação é o corretivo contra os abusos dos ministros em sua posição partidária.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 12</b>: As palavras grifadas servem para lembrar a enorme diferença do que se dá entre nós.</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>205</b>. Desaparece por isso o grande domínio das velhas queixas contra irregularidades administrativas, que se levantavam nas câmaras, e conseguintemente também a acusação parlamentar dos membros do <i>gabinete</i>, com relação à administração interna do país, em cuja esfera o governo só entra numa medida muito limitada.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>206</b>. A responsabilidade <i>jurídica</i> dos ministros fica desta arte na retaguarda, tomando a frente a responsabilidade <i>política</i>, isto é, o reconhecimento de que eles, nas suas mais importantes medidas gerais, devem estar em harmonia com o parlamento, sem cujo concurso é praticamente impossível a direção dos negócios do Estado.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>207</b>. A chamada responsabilidade política é somente uma frase nova para designar a nova relação, segundo a qual não é mais o <i>King in council</i>, mas o K<i>ing in parliament</i>, que dirige o governo da Grã-Bretanha. [<b>13</b>]</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-stretch: normal; line-height: normal;"><b>Nota 13</b>: Cf. R. Gneist, <i>Verwaltung Justiz Rechtsweg Staatsverwaltung und…</i>, p. 47. Berlin, 1869; texto disponível em:</span> <a href="https://books.google.com.br/books?id=Qvk_AAAAYAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false"><span style="color: #2b00fe;">https://books.google.com.br/books?id=Qvk_AAAAYAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false</span></a></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>208</b>. Esta simples vista geral do mecanismo político da Inglaterra torna bem patente o caráter autóctone, intransmissível, inimitável do seu governo, assim como põe a descoberto a ridícula figura dos retóricos do dia, que estão constantemente a apelar por umas pretendidas normas parlamentares, como se fossem outros tantos princípios incontroversos, geralmente aceitos e praticados.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>209</b>. É mister que nos curemos desta mania. Karl Marx diz uma bela verdade, quando afirma que cada período histórico tem as suas próprias leis. Logo que a vida atravessa um dado período evolutivo, logo que passa de um estádio a outro, ela começa também a ser dirigida por leis diferentes. Os organismos sociais se distinguem entre si tão profundamente, como os organismos vegetais e animais. Um mesmo fenômeno está sujeito a leis inteiramente diversas em consequência da diversidade de estrutura dos organismos, da aberração dos seus órgãos em particular, da diferença de condições, enfim, em que eles funcionam. [<b>14</b>]</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 14</b>: <i>Das Kapital.</i> Dritte vermehrte Auflage, 1883, págs. XV e XVII. [<i>Nota do Editor</i>: cf. Prefácio à Primeira Edição; disponível em: <a href="https://archive.org/details/daskapital04unkngoog/page/n12/mode/1up"><span style="color: blue; font-stretch: normal; line-height: normal;">https://archive.org/details/daskapital04unkngoog/page/n12/mode/1up</span></a></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>210</b>. O organismo social brasileiro não é o organismo social inglês. Esta proposição, que quase parece uma tolice por excesso de verdade, não é todavia insignificante para firmar a ideia de que o nosso regime político não pode modelar-se pelo regime britânico.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>211</b>. A íntima união atual do parlamento com todo o organismo administrativo é remontável à formação histórica, pela qual o grande conselho dos barões originariamente adquirira uma posição quádrupla:</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">1ª. como supremo tribunal de justiça;</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">2ª. como assembleia concessora do imposto;</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">3ª. como supremo conselho do reino;</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">4ª. como assembleia legislativa.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>212</b>. A posição de tribunal supremo de justiça ficou mais tarde reservada à câmara alta. Na segunda posição de concessora do imposto, a câmara baixa obteve o predomínio. A terceira e quarta funções ficaram pertencendo conjuntamente a ambas as casas.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>213</b>. Aí cogita-se tão pouco de uma abstrata separação de poder <i>legislativo</i> e <i>executivo</i>, que a atividade parlamentar abrange pelo contrário grande número de negócios que segundo as constituições do continente formam funções da administração propriamente dita, e até podem consumir a maior parte do trabalho de muita sessão do parlamento.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>214</b>. Que temos nós de análogo a tudo isto? A que precedentes pode remontar historicamente a nossa assembleia geral? Que representa ela? Que exprime ela? Não é absurdo responder: nada. Quando mesmo a expressão constitucional <i>representantes da nação</i> não fosse uma <i>frase vã</i> do doutrinarismo revolucionário, e a nação brasileira se fizesse realmente representar pela assembleia geral, pois que a nação é um todo variegado em suas opiniões, em seus interesses, em suas tendências, o resultado seria uma luta permanente, uma anarquia perpétua ou pelo menos de longuíssima duração entre os seus representantes, o que aliás nunca se deu, nem dar-se-ia jamais.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>215</b>. Na Inglaterra, depois de uma praxe quase bissecular, os diversos departamentos ministeriais estão na dependência das duas casas (<i>of Lords</i> e <i>Commoners</i>). As direções subordinadas ao parlamento, no que toca à legislação, às finanças e à política estrangeira, introduziram nas altas regiões administrativas uma certa vicissitude, correspondente às relações da maioria parlamentar; vicissitude, que entretanto se limita aos lugares de chefes departamentais, subsecretários <i>políticos</i> e outras funções semelhantes, ao todo, 34 lugares; e ainda mesmo adicionando cargos de corte e mais alguns empregos secundários, pode chegar, quando muito, a 60 demissões.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>216</b>. Confronte-se agora este <i>minimum</i> de mudança operada pela alternação do poder entre <i>tories</i> e <i>whigs</i> com a que se dá entre nós por ocasião de assumir o governo qualquer dos partidos dominantes.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>217</b>. Com um exército de funcionários de todos os tamanhos, que sobe a mais de 50.000, cinco vezes maior que o seu exército armado, o Brasil está sujeito, como nenhum outro Estado, às mutações repentinas de seu pessoal administrativo. Nada porém é menos adequado à índole do governo parlamentar, não como o delineia a fantasia dos tolos, mas como o dá a conhecer a história do país, onde ele se originou.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>218</b>. Em última instância: a questão do parlamentarismo, para servir-me dos termos da escola, não é uma questão de direito constitucional, mas de direito administrativo. Só um estudo comparado do direito administrativo inglês e brasileiro pode esclarecer a consciência política dos <i>oradores liberais</i> e gerar a convicção de que entre nós é de todo impossível um governo parlamentar.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><b><span style="font-size: x-large;">VI</span></b></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>219</b>. Não se suponha, entretanto, que o aparato governamental da Inglaterra é isento de vícios e defeitos, que o tornam em mais de um ponto pouco digno de ser admirado. São profundas é verdade as raízes que o sustentam no terreno da história; mas isto não impede que também concorram para mantê-lo a corrupção e a imoralidade.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>220</b>. Disse Lord Burghley: “A Inglaterra não cairá jamais, se não cair pelo seu parlamento”. O que faz a força, faz também a sua fraqueza. Nem há Estado, ao qual se aplique a tese de Strauss: <i>a monarquia é um mistério</i>, com tanta propriedade, como a Grã-Bretanha.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>221</b>. Com efeito: se é difícil explicar a existência das outras monarquias, que aliás empregam visivelmente todos os meios possíveis e impossíveis para se conservar, muito maior é a dificuldade que oferece o fenômeno da monarquia inglesa, com o seu <i>nada fazer</i> em prol de si mesma, <i>deixando-se ir</i> à mercê da corrente, que de manso a conduz, mas pode também de repente abrir-se para submergi-la.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>222</b>. A isto acresce a consagração de alguns costumes, pouco adequados ao senso moral da humanidade culta, que em outros países não são decerto impossíveis, mas não formam, como ali, um dos mais fortes apoios do governo.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>223</b>. Destarte a Inglaterra do século XVIII, quando mais brilhante se mostrou o seu parlamento, foi o país clássico da <i>patronage</i> e da <i>connexion</i>. No fundo da vida dos seus partidos repousavam intuições sociais, de caráter especial, que nem se podem repelir como de todo imorais, nem também transplantar do seu terreno natal: as ideias de uma sociedade aristocrática, onde era por si mesmo compreensível que todo Bedford, Temple, ou Granville, tinha nascido para a função de legislador.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>224</b>. As intuições partidárias da velha Inglaterra ainda não foram tão eloquentemente pintadas, como no escrito juvenil de Burke: <i>Pensamentos sobre as causas do desgosto atual</i> (1770). O escrito, dirigido contra o governo pessoal de George III, demonstra perfeitamente como a liberdade da nação só pode ser protegida diante do despotismo por duas grandes fortalezas: pelo poder que resulta do favor popular, e pelo que se funda sobre as relações pessoais e de família dos estadistas entre si (<i>power arising from connexion</i>). [<b>15</b>]</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 15</b>: Treitschke, <i>Historische und politische Aufsätze</i> III, p. 460.</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>225</b>. Este modo de pensar não nos é totalmente estranho. O afilhadismo e o parentesco também representam um grande papel na vida política do Brasil. Mas a ideia de criar um governo forte sobre a base da <i>conexão</i> parlamentar ainda não veio ao espírito, nem mesmo dos mais cínicos de nossos homens de Estado.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>226</b>. Já se vê que não é somente o lado bom, mas também o lado mau do governo inglês, igualmente indispensável para a conservação e harmonia do todo, que não pode ser transmitido a outro qualquer país.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>227</b>. Mas não é isto que nos importa; nem convém gastar mais tempo em inúteis confrontos da história política da Inglaterra com a nossa própria história. O ponto a liquidar, uma vez por todas, é a impossibilidade de um verdadeiro regime parlamentar entre nós.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>228</b>. Já sabemos o que é, e em que consiste o parlamentarismo inglês, como ele atualmente se oferece à observação dos publicistas. O governo é ali, no rigoroso sentido da palavra, um governo de partido, a maioria parlamentar um partido de governo, que se reúne na sala das sessões por detrás dos seus chefes, os ministros, ao passo que os adversários tomam assento nos bancos fronteiros no caráter de <i>muito obediente oposição de Sua Majestade</i>.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>229</b>. Como a rainha só tem uma influência secundária sobre a escolha dos ministros, também lhe fica somente uma parte de atividade muito limitada sobre a marcha da legislação e as medidas administrativas. Ela deve deixar os ministros governarem em seu bel-prazer, pois que não tem a força de demiti-los, quando bem lhe pareça, e de por outros em seu lugar. [<b>16</b>]</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 16</b>: Entre nós são ainda tão incertas as ideias a tal respeito, que liberais parlamentaristas não têm duvidado formar comissões, para pedir ao imperador ou à regente a demissão de ministérios. Lastimável incoerência!</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 10px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 11px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>230</b>. De continuação ou demissão do ministério só se trata regularmente por ocasião de novas eleições gerais, isto é, de sete em sete anos. Na época intermédia o ministério só pode cair, se a própria maioria enfastia-se dele, ou se dele se destacam partes que vão engrossar a oposição. Se em qualquer dos casos aparece a possibilidade de que o eleitorado ponha-se do lado do ministério, a rainha lhe concede, conforme as circunstâncias, a dissolução da câmara dos comuns e o apelo aos eleitores.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>231</b>. Tudo isto é muito simples e em quase todos os pontos aparentemente análogo ao que se dá na nossa e nas outras monarquias constitucionais, que se esforçam por copiar o modelo inglês.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>232</b>. Mas é somente aparência exterior. No íntimo do sistema as divergências são inúmeras.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>233</b>. Não deixa de causar uma certa admiração que os sectários do parlamentarismo, há tanto tempo, nunca tivessem querido traduzir a sua teoria na linguagem da jurisprudência. O princípio fixar-se-ia juridicamente com a maior simplicidade possível. Bastaria para isso um artigo constitucional, pouco mais ou menos nestes termos: <i>Os ministros devem-se demitir, logo que a câmara dos deputados apresentar contra eles um voto de desconfiança</i>. E ainda um segundo artigo complementar: <i>O ministro, que for bastante obstinado para continuar a exercer as suas funções, a despeito desta censura, será demitido delas pelo supremo tribunal judiciário, mediante queixa da referida câmara</i>.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>234</b>. Com um pequeno processo seria então a exigência parlamentar, como outra qualquer exigência de direito, prontamente realizada, sem incômodos para o país. Se a legislação inglesa possuísse uma lei igual, não há dúvida que também encontrar-se-iam cópias delas nas constituições do continente; mas nem uma, nem outras encerram semelhante disposição. [<b>17</b>]</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 17</b>: Thudichum, <i>Preussische Jahrbücher</i>, Sieben und vierzigster Band, p. 548<span style="font-size: 10px;">.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>235</b>. O defeito é comum, mas a desculpa não é a mesma. A Inglaterra que lutou durante séculos e acabou por submeter a realeza à disciplina do seu parlamento, na falta de <i>Common Law</i> ou de <i>Statute Law</i>, que determinem a demissão dos seus ministros, apela para a sua história, para os seus costumes feitos e consagrados. Não assim porém os outros países, como o nosso, onde o parlamentarismo, senão antes a sua caricatura, é de data bem recente, e por conseguinte as chamadas normas e práticas parlamentares, que são constantemente invocadas, ainda se acham em via de formação, ou ainda constituem objeto de controvérsia.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>236</b>. Mas dir-se-há que essas <i>normas</i> não são as próprias do país, que não as tem, porém as <i>normas</i> da Inglaterra. Não há maior contrassenso. O regime inglês será neste caso uma espécie de <i>fonte subsidiária</i>, a que devamos recorrer para suprir as lacunas da nossa constituição. Mas, valha-nos Deus! Que preceito constitucional ou mesmo legal nos impôs a obrigação de haurirmos nessa <i>fonte</i>? Absolutamente nenhum.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>237</b>. O parlamentarismo pois, onde quer que se ensaie fora do seu próprio terreno, além de ser uma aberração histórica, é ainda uma aberração lógica; repousa sobre um falso pressuposto; é uma perene <i>petição de principio</i>, visto que dá como provado e admitido justamente aquilo que se questiona.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>238</b>. Um traço diferencial bem característico. Na Inglaterra, desde o <i>Bill of Rights</i>, a conservação de um exército permanente em tempo de paz é considerada como uma ilegalidade. O parlamento concede anualmente à Coroa uma dispensa deste preceito legal por meio do <i>Mutiny Act</i>; de modo que, se no fim do ano a concessão não é renovada, não existe mais laço de obediência militar entre rei, oficial e soldado; estes últimos devem logo abandonar o exército, se não querem ser tidos em conta de revoltosos.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>239</b>. Mesmo assim o temor de uma força armada permanente não desapareceu de todo, e a nobreza pôde conseguir que por meio de uma ordem régia de 1711 os postos, desde corneta até primeiro lugar-tenente, fossem declarados objetos de compra, e como tais reservados para as classes poderosas.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>240</b>. Além disto, a <i>nobility</i> e a <i>gentry</i> acham-se na posse da força militar na milícia dos condados e nos corpos de voluntários; duas lastimáveis organizações, sem dúvida, mas, segundo a opinião inglesa por si sós suficientes para em caso de necessidade, como <i>exército do parlamento</i>, opor barreira ao exército régio.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>241</b>. Posto que desde a guerra da Crimeia de 1855 a impopularidade da força armada tenha diminuído, todavia ela ainda se conserva e conservar-se-há perfeitamente viva, pela simples razão de que, na mente do inglês, <i>soldado</i> e <i>assalariado</i>, que se tira das mais baixas e míseras classes da sociedade, são conceitos equivalentes.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>242</b>. A teoria inglesa da perniciosidade da soldadesca foi posta em circulação por Montesquieu desde o meado do século XVIII. Mas veio a Revolução Francesa, e começaram então as experiências para fazer do exército permanente, que aliás não pode ser dispensado por nenhum Estado continental, uma instituição conciliável com a liberdade política.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>243</b>. As nações que posteriormente aceitaram os princípios da Revolução, aceitaram também as ideias francesas sobre o exército, assim como a criação da <i>guarda nacional</i>, que em parte nenhuma ainda deu resultados satisfatórios, a não ser o muito sangue, que em 48 e 71 se derramou em Paris.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>244</b>. Porém note-se agora a grande diferença. A impopularidade do soldado na Inglaterra é uma verdade prática, ao passo que na França é uma simples teoria, senão antes uma <i>frase</i> frívola da retórica liberal. A prova está em que, na opinião dos franceses mesmos, a palavra <i>gloire</i> é a primeira do seu dicionário; e essa gloria só tem origem militar.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>245</b>. Nos outros Estados, com poucas exceções, dá-se quase a mesma coisa. Bem ao em vez de ser impopular, a militança é uma das mais honrosas e almejadas profissões. No Brasil, por exemplo, a despeito mesmo do §11 do art. 15 da Constituição, que confere à assembleia geral a prerrogativa de fixar anualmente as forças de mar e terra, a ideia da possibilidade de serem uma vez negadas essas forças, e os próprios generais virem-se obrigados a pendurar as suas espadas, não aparece nem sequer em sonho; e a carreira militar é certamente a mais segura.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>246</b>. A consciência desta verdade tem podido suscitar entre os soldados um espírito de classe que não se encontra em outra parte; espírito, que já teria perturbado a nossa ordem pública, se em geral os brasileiros não tivessem uma propensão natural para epilogar comicamente, até as coisas mais trágicas deste mundo, porém que em todo caso é uma constante ameaça contra a liberdade política.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>247</b>. Mas isto será compatível com o regime parlamentar? É mister muita coragem para afirmá-Io. O parlamentarismo sempre supõe luta pacífica, ainda existente ou já decidida, entre a Coroa e os representantes da nação. Real ou fictícia, essa luta se dá também entre nós. Acontecendo porventura que a Coroa quisesse concentrar em si todos os poderes do Estado e anular a Constituição, qual seria a divisa do exército: parlamentar ou imperial?</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>248</b>. Há bons motivos de crer que por-se-ia do lado do imperador. E com razão. Mas este não seria o maior mal. O grande perigo estaria em que o exército, depois de abraçar a causa do despotismo, talvez cedesse à ambição da ditadura; e o país não teria força para contê-Io. [<b>18</b>]</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 18</b>: Quanto é incompatível com o governo parlamentar, que se pretende ser o verdadeiro governo livre, a existência de uma classe poderosa, que dispõe da força, cheia de justas e injustas pretensões, prova-o de sobra a célebre questão, ultimamente agitada na corte, que se decorou com o título de <i>questão militar</i>. O governo, desrespeitado por oficiais superiores, que presidiam as reuniões tumultuosas e ameaçavam a cada instante tomar a frente dos amotinados, e, como dizem alguns com certo prazer estúpido, prender o ministros e derrubar o ministério, viu-se obrigado a uma espécie de capitulação afrontosa, não somente para o partido governante, mas para a nação inteira.</p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 11px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;">Há quem pense que <i>parlamentarnente</i>, à vista do ocorrido, o ministério deveria ter-se retirado. Não opino assim. Que se retirasse por outro qualquer motivo, não contesto; mas <i>parlamentarmente</i>, não; pois num legítimo governo parlamentar essas coisas nunca se deram, nem se dão em tempo algum.</p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 11px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;">Entretanto, merece notar-se que a <i>questão militar</i> podia ter deixado no espírito dos estadistas, que nela tomaram parte, uma ideia bem aproveitável, a qual infelizmente passou despercebida. É que os militares ativos, ainda de patente superior, não podem ser senadores nem deputados: esta função confere-lhes um privilégio de foro inarmonizável com a disciplina do exército.</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>249</b>. Ainda uma particularidade, que vem trazer nova luz à tese que sustento. Refiro-me à questão da interpelação parlamentar. É um dos pontos, em que o parlamento brasileiro, bem como o de alguns Estados da Europa, mais se distancia do protótipo britânico.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>250</b>. Realmente na Inglaterra as interpelações não são feitas por um modo tão rude, como em outros corpos legislativos, ainda que elas se limitem à questões de fato e sua resposta. Além disto, ali há sempre ocasião de discutir objetos de interesse, assuntos do dia, que não se prestam a moções sem sujeitá-Ios à forma estreita da interpelação. [<b>19</b>]</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white;"><b>Nota 19</b>: Oppenheim, <i>Deutsches Staats-Wörterbuch</i> VII, p. 713. [<i>Nota do Editor</i>: Heinrich Bernhard Oppenheim, Parlamentarische Geschäftsordnung. <i>Deutsches Staats-Wörterbuch</i>, vol. 7, p. 700-717; disponível em:</span><span style="color: black;"> <a href="https://books.googleusercontent.com/books/content?req=AKW5Qaepsh1PhEn0V3t4JWyxXQZJcN2Xlnrghw6jqITMddSO3O66I1ERX5CdihhCQC_QNKEuGs2DxgWHpe8TXCE9ih3ui0fxeXxxLye_L0lP39EwirxdHNGIDgcpz4XFCzY4pbaOG_hQ2KTplSFoJxCTVcAcDpLdvZ14XntF2jYQwMG56xBQbNBHFgEwJ-7SLaqB93HCNyDbC-Jfjim4s0vq7_PtDpr5sBAGd-8dUACQSe-Z478yJWBbCfzagzj0tgTCpoNUm6kfDkW1UAUH3wzV0ocl0QE7XQ"><span style="color: blue; font-stretch: normal; line-height: normal;">https://books.googleusercontent.com/books/content?req=AKW5Qaepsh1PhEn0V3t4JWyxXQZJcN2Xlnrghw6jqITMddSO3O66I1ERX5CdihhCQC_QNKEuGs2DxgWHpe8TXCE9ih3ui0fxeXxxLye_L0lP39EwirxdHNGIDgcpz4XFCzY4pbaOG_hQ2KTplSFoJxCTVcAcDpLdvZ14XntF2jYQwMG56xBQbNBHFgEwJ-7SLaqB93HCNyDbC-Jfjim4s0vq7_PtDpr5sBAGd-8dUACQSe-Z478yJWBbCfzagzj0tgTCpoNUm6kfDkW1UAUH3wzV0ocl0QE7XQ</span></a></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>251</b>. No Brasil, pelo contrário, a interpelação constitui o fundo da vida parlamentar. O deputado oposicionista, que não interpela o ministério quarenta vezes por sessão até sobre coisas fúteis, com que o parlamento nada tem que ver, não faz bonita figura.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>252</b>. E se é ridículo o papel dos interpelantes, que estão convencidos da sua missão providencial, quando chamam a contas o presidente do conselho por causa do mau procedimento de qualquer subdelegado da aldeia, não é menos cômica a atitude dos interpelados, que tomam ao sério, que julgam-se obrigados a responder, vírgula por vírgula, à importuna estolidez dos augustos tagarelas.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>253</b>. É a maior doença do parlamentarismo pátrio, que corrompe e esteriliza toda a nossa vida. política. A felicidade do Brasil quase que está na única dependência da extinção desse vício.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>254</b>. Pode-se dizer, sem hipérbole, que o nosso problema em matéria do governo não é <i>constitucional</i>, nem mesmo <i>legal</i>, mas simplesmente <i>regimental</i>. Todas as reformas, que</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">figuram no programa dos partidos, poderiam reduzir-se a uma só: a reforma do regimento interno da câmara dos deputados e do senado.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>255</b>. Não é uma ideia estranha. Na própria Inglaterra chegou-se a reconhecer a necessidade de uma reforma semelhante, tomando-se medidas, como diz Erskine May, para salvar a dignidade do parlamento, e arredar um mal político muito sério.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>256</b>. Mas no Brasil não haveria mister de uma proposta como a de Sir Stafford Northcote em 1880, ou a de Gladstone em 1882 para coibir as <i>obstruções</i> e outros abusos parlamentares [<b>20</b>]. Bastaria somente diminuir o tempo da <i>verbiage</i>. Desde que o deputado ou senador, para expor as suas ideias sobre qualquer assunto, não tivesse mais de meia hora, estava terminado o espetáculo teatral dos discursos festivos, em que os <i>tenores</i> parlamentares só se esforçam por dar o <i>dó</i> de peito e merecer o aplauso das galerias.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 20</b>: <i>Obstrução</i>, segundo define Gladston mesmo, é o esforço que faz uma minoria, ou alguns membros isolados, para resistirem à vontade predominante da casa por outro meio que não razões e argumentos. Diante desta definição é fácil de ver que as <i>obstruções</i> no nosso parlamento não são fenômeno excepcionais, porém fatos muito comuns. Cada deputado é um <i>obstrutor</i>, pois que nos discursos de todos eles os argumentos e razões só brilham pela ausência.</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>257</b>. Dir-se-á talvez que isto repugna à índole do parlamento, que é, segundo a própria palavra o indica, uma instituição para se falar. Não há dúvida; mas parece que o desenvolvimento histórico desse instituto já chegou ao ponto de, quase por uma derivação semelhante à de <i>lucus a non lucendo</i>, o melhor dos parlamentos ser justamente aquele em que pouco se fale. Pelo menos, fora da Inglaterra, é este o ideal, cuja realização traria os mais preciosos proventos.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>258</b>. Convençamo-nos enfim: há exemplos de grandes oradores parlamentares, que foram ao mesmo tempo grandes estadistas; mas esta não é a regra.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>259</b>. Que o predicado do <i>fluxo de palavras</i>, diz Julius Fröbel, quer a serviço do governo, quer a serviço da oposição, seja uma prova de alto talento político, é coisa que se opõe à aliança normal das propriedades do caráter humano em um indivíduo.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>260</b>. No orador parlamentar também assenta o que, segundo a autoridade do doutor Fausto, é aplicável ao orador sagrado, e tanto de um, como de outro, pode-se dizer:</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Such’ Er den redlichen Gewinn!</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Sei Er kein schellenlauter Tor!</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Es trägt Verstand und rechter Sinn</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 42.5px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Mit wenig Kunst sich selber vor.<b>*</b></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>*</b> <i>Nota do Editor</i>: Goethe, <i>Fausto, uma tragédia</i>, Primeira Parte, §550.</p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>261</b>. Em um dos seus escritos políticos narra Émile Olivier que uma vez estando no parlamento ao lado de um amigo e correligionário, quis retirar-se, mas este lhe pediu que se demorasse um pouco mais. Disse ele: “Oh! demora-te, nunca falei na minha vida tão bonito, como hoje”.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>262</b>. O que se deve pensar, pergunta Fröbel, do estado político de uma nação, na qual um dito de tal natureza não é tido por uma prova de loucura?</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><b>263</b>. E o que pensaria de nós outros brasileiros o ilustre publicista alemão, pergunto eu por minha vez, se chegasse a observar que os nossos oradores parlamentares são todos da têmpera do amigo de Olivier? Julgaria por certo que somos uma nação de arlequins; e o seu juízo não seria errôneo.</span></p>
<p style="font-family: Arial; font-size: 12px; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p>
<p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><b><span style="font-size: large;">FIM</span></b></p><div><b><br /></b></div>CEFIB, IFCS, UFRJhttp://www.blogger.com/profile/06030997400061384825noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8628330238264833009.post-3840041298280213052020-11-30T17:56:00.007-03:002020-11-30T17:59:11.688-03:00Sobre a filosofia do inconsciente<p> <b style="font-family: Arial; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: large;">Tobias Barreto</span></b></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="background-color: black;"><span><span style="color: white; font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;"><span style="font-size: large;">☛</span> </span><span style="color: white;">Texto de 1874, cuja referência é a obra </span><i style="color: white;">Philosophie des Unbewussten</i><span style="color: white;"> (1869), de K. R. Eduard von Hartmann. Disponível em: </span><a href="https://archive.org/details/philosophiedesu04hartgoog/page/n6/mode/2up"><span style="color: #2b00fe;">https://archive.org/details/philosophiedesu04hartgoog/page/n6/mode/2up</span></a><span style="color: white;">. Acesso: 30/11/2020.</span></span></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px;"><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white;">O Brasil padece de uma espécie de prisão de cérebro: tem peçonha no miolo. É preciso sujeitar-se à dolorosa operação da crítica de si mesmo, do despego, do desdém, e até do asco de si mesmo, a fim de conseguir uma cura radical. §3</span></p></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: "Apple Symbols"; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><span style="color: white; font-size: large;"><b style="background-color: black;">∭</b></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><b>1.</b> Não posso pressupor que meus leitores tenham conhecimento de Eduard von Hartmann. Se outras figuras mais acessíveis aos nossos meios de observação, se estrelas menos longínquas vão sendo continuamente despercebidas, como imaginar que o autor de <i>A filosofia do inconsciente</i> esteja ao alcance, já não digo do público em geral, porém dos próprios literatos da terra? Mencionar que Hartmann é um célebre filósofo alemão dos nossos dias, ainda moço e esperançoso, seria dizer nada; e, não obstante, já era um grande serviço prestado a muitos professores de filosofia, que todos desconhecem-no, e poderiam tomá-lo, salvo maior dislate, por algum filósofo inglês do século passado.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><b>2.</b> Posto que pareça, não exagero, não altero, nem numa vírgula, a objetividade dos fatos. Na verdade, que é a filosofia entre nós? Simplesmente o nome de um preparatório, que a lei diz ser preciso para se fazer o curso de certos estudos superiores. Fora disto, ninguém há que se interesse, que tome ao sério qualquer esforço de aplicação e cultura filosófica. O ensino dessa disciplina, público ou particular, é uma coisa mísera, e frívola em sua miséria. Um exemplo basta para confirmá-lo; mas este é decisivo: por que título se distingue o lente de filosofia do Colégio Pedro II? Sob que forma já se manifestou a sua ciência? Quem sabe como ele pensa? Indubitavelmente estas perguntas e suas respostas põem a descoberto, de modo irremediável, uma das faces negras do nosso estado de mendicidade espiritual.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><b>3.</b> Mas vamos ao assunto, do qual me desviei por amor de um rápido lance de olhos sobre defeitos pátrios. Minha cantiga velha, que nunca esqueço, que sempre me apraz entoar. Dir-se-ia que todos os meus escritos têm uma introdução obrigada: fazer sensível, deixar pintado nas quatro paredes do nosso isolamento, com cores cada vez mais vivas, o papel triste que representamos, pelo lado literário em presença do mundo civilizado. O Brasil padece de uma espécie de prisão de cérebro: tem peçonha no miolo. É preciso sujeitar-se à dolorosa operação da crítica de si mesmo, do despego, do desdém, e até do asco de si mesmo, a fim de conseguir uma cura radical.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><b>4.</b> A filosofia de Eduard von Hartmann é uma evolução do schopenhauerismo. Eu sei que, me exprimindo assim, corro o risco de não ser compreendido. Quem ignora a existência do fruto, por que meios saberia da existência da árvore que o produz? Mas não há remédio; é preciso ir adiante, sem embargo destas pequenas dificuldades.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><b>5.</b> Foi lendo uma vez a <i>Introdução à filosofia de Hegel</i>, do italiano Vera, que eu tive o primeiro encontro com o nome do filósofo Arthur Schopenhauer. Ainda hoje sinto o mau efeito da impressão então recebida. Foi uma impressão cômica, provocada pela habilidade, que distingue o fanático hegeliano em prender sempre uma tira de ridículo na casaca dos seus adversários. Reconheço a injustiça com que ele tratou Schopenhauer; e, todavia, não sei que motivo oculto ainda que me afugenta de travar mais íntimas relações com o famoso “Buda da Alemanha”, como o chama Johannes Sherr. Tal o ressábio que me ficou da primeira bebida.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><b>6.</b> A teoria desse pensador entra na série do desenvolvimento kantesco. Bem como Fries, bem como Herbart, bem como quase todos os filósofos alemães posteriores ao grande gênio de Koenigsberg, Schopenhauer não tinha a pretensão de ser um adversário, mas o verdadeiro intérprete e continuador da filosofia de Kant. Este fenômeno, assinalado por Kuno Fischer, entre os discípulos do velho crítico da razão, é digno de nota, e torna compreensível o juízo de Hermann Hettner, fazendo aplicação de um dito a respeito de Lessing: voltar a Kant é progredir.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><b>7.</b> Não é aqui o lugar de expor ao público nem mesmo um pequeno quadro da filosofia de Schopenhauer. Para formar-se uma ideia de sua metafísica, e ocorrer destarte às exigências do momento, algumas palavras bastam.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><b>8.</b> Sob a expressão vontade ele subsumiu a natureza inteira. Atração mecânica, afinidade química, impulso orgânico, a tudo isto, sem distinção, o filósofo intitula <i>vontade de viver</i>. Objetam porém que à semelhança de Hegel, em cujo sistema a ideia tem uma significação estranha, fora do modo de pensar comum, Schopenhauer desnorteou o conceito da vontade, prestando-lhe um sentido anômalo e um alcance exagerado. Julgo entretanto fútil esta objeção, porque repousa sobre um equívoco, e importa um raciocínio que tem o defeito de provar demais. Inquestionavelmente; querendo-se cotejar pelo dicionário a compreensão das palavras, nos diversos sistemas filosóficos, não são somente Hegel e Schopenhauer que se deixam convencer de violência feita à linguagem usual. Neste século, com exceção do pobre espiritualismo francês, todos os grandes filósofos, mais ou menos, se têm afastado do trilho vulgar, em semelhante ponto. Se na doutrina do autor de <i>Die Welt als Wille und Vorstellung</i> a vontade representa um papel novo e inteiramente oposto à intuição dominante, não há razão para muito espanto, desde que se mostram algures vários outros termos e conceitos, cujo valor ordinário a filosofia altera, quando de todo não acaba e destrói. A <i>Vontade</i> de Schopenhauer não é decerto aquela a que estamos habituados, já pelo uso da língua, já pelo ensino da velha psicologia. Mas também o <i>Deus</i>, a <i>alma</i>, o <i>espírito</i>, de que nos falam outros filósofos, tidos em conta de mais sensatos, serão os mesmos que se acham no catecismo, e existem no dicionário? Repito, pois, que a objeção pretendida é uma futilidade.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><b>9.</b> Afirmei que von Hartmann provinha de Schopenhauer. Sem o deste realmente mal se concebe o sistema daquele. Todavia, seria errôneo supor que entre von Hartmann e o seu antecedente histórico somente dá-se a proporção comum entre discípulo e mestre. É uma descendência filosófica, onde se pede notar alguma coisa de análogo à descendência darwínica do cisne, por exemplo, que saiu do ganso. O schopenhauerismo é uma metafísica da vontade, a quem exclusivamente o filósofo confere o primado universal. Como porém na natureza a vontade opera de uma maneira cega, isto é, sem consciência, e a ideia não aparece para conhecer a sua imbecilidade, senão muito depois, imaginou von Hartmann fazer do <i>inconsciente</i> o objeto de uma filosofia. E com efeito ergueu sobre este plano um verdadeiro monumento do gênero.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><b>10.</b> Entretanto, o que nos deve mais interessar não é o lado puramente especulativo do sistema, porém aquele que se aproxima da vida e do destino humano, o seu lado prático, se assim podemos dizer; numa palavra, é o pessimismo do filósofo em relação ao que ele mesmo chama <i>a irracionalidade da vontade e a miséria da existência</i>.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><b>11.</b> Ao invés de alguns críticos de Hartmann, para os quais a sua intuição pessimística é o que há de mais estranho e inteiramente rejeitável na grande obra citada, eu penso que essa parte é justamente a que encerra a maior porção de verdades, cruéis e amargas, sem dúvida, porém sempre verdades. Bem fundada me parece, neste sentido, a opinião de Haeckel, que por sua vez adota a de um certo crítico anônimo d’<i>A</i> <i>filosofia do inconsciente</i>; contudo, como sistema metafísico, o trabalho de Hartmann não se sustenta em frente de uma análise rigorosa. Há completa desarmonia de vistas e desproporção entre as partes; o que aliás não obsta que a obra esteja saturada de germes de pensamentos naturalisticamente preciosos e ricos de consequências. Para mim, porém, o que há de incontestável a tal respeito é que o <i>pessimismo</i> do célebre militar filósofo não encontra como tem encontrado tão renhida oposição senão porque ele desfaz as nossas mais caras ilusões, inclusive as doçuras do amor e o próprio encanto da ciência e da virtude. Assim é só por este lado que considero o lado brilhante do <i>hartmannismo</i> que tenho que explanar-me em algumas páginas de estudo e meditação…</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><span style="background-color: black; color: white; font-size: medium;">FIM</span></p>CEFIB, IFCS, UFRJhttp://www.blogger.com/profile/06030997400061384825noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8628330238264833009.post-1059016371300404042020-11-30T11:16:00.063-03:002022-03-18T15:02:20.927-03:00Recordação de Kant<p><span style="font-size: medium;"> </span><b style="-webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; text-align: justify;"><span style="font-size: large;">Tobias Barreto</span></b></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b></b></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;"><span style="font-size: large;"><b>☛</b></span></span><span style="font-size: medium;"> </span>Texto de 1887.</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">“</span>Was man treffend von Lessing gesagt hat, das gilt ebenso sehr von Kant: auf Kant Zurueckgehen heisst Fortschreiten.” (Hermann Hettner)</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;">[<i>Nota do Editor</i>: “O que se diz apropriadamente de Lessing também vale para Kant: retornar a Kant é progredir.”]</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">“</span>La negatività l<span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">’</span>alfa e l<span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">’</span>omega dell<span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">’</span>alfabeto razionale: che, a simiglianza di quello degli Etruschi, è il noto segno d<span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">’</span>un idioma ignoto.” (Antonio Tari)</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><br /></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;">[<i>Nota do Editor</i>: “A negatividade é o alfa e o ômega do alfabeto racional, que, à semelhança daquele dos etruscos, é o sinal conhecido de um idioma desconhecido.”]</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><b><span style="font-size: x-large;">I</span></b></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>1.</b> Não há domínio algum da atividade intelectual em que o espírito brasileiro se mostre tão acanhado, tão frívolo e infecundo, como no domínio filosófico.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>2.</b> É certo que todas as outras manifestações da nossa vida cultural dão também testemunho de uma singular e incomparável fraqueza. Mas é sempre dar testemunho de alguma coisa. Um certificado de doença é em todo caso menos triste que um certificado de morte.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>3.</b> Assim, não temos poetas e nem artistas de merecimento; mas a poesia e as artes se cultivam entre nós. Não podemos lisonjear-nos de possuir um só jurista de estatura europeia, como o Chile possui o seu Calvo, e os Estados Unidos o seu Dudley-Field; porém, ao menos, é certo que o direito constitui uma das nossas mais constantes ocupações intelectuais.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>4.</b> Ciência, história, literatura — tudo isto é fútil; mas seria uma injustiça querer exprimir tudo isto por meio de uma fórmula absolutamente negativa. No fundo da crítica fica sempre algum resíduo, que ainda pode servir de fermento a mais sérias e mais dignas produções futuras.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>5.</b> Com a filosofia o caso é bem diverso. Se nas outras esferas do pensamento, somos uma espécie de <i>antropoides</i> literários, meio homens e meio macacos, sem caráter próprio, sem expressão, sem originalidade, no distrito filosófico é ainda pior o nosso papel: não ocupamos lugar algum; não temos direito a uma classificação.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>6.</b> Este meu modo de ver não é novo. Há treze anos (1874), escrevendo um ligeiro artigo sobre Eduard Von Hartmann, e depois de bem acentuar a nossa absoluta ignorância em assuntos de filosofia, já ousava dizer o seguinte: </span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Posto que pareça, não exagero; não altero, nem numa vírgula, a objetividade dos fatos. Na verdade, o que é filosofia entre nós? Simplesmente o nome de um preparatório, que a lei diz ser preciso para fazer-se o curso de certos estudos superiores. Fora disto, ninguém há que se interesse, que tome ao sério qualquer estudo de aplicação e cultura filosófica. O ensino desta disciplina — público ou particular — é uma coisa mísera, e frívola em sua miséria. Um exemplo basta para confirmá-lo; mas esse é decisivo: por que título se distingue o lente de filosofia do Colégio Pedro II? Sob que forma já se manifestou a sua ciência? Quem sabe como ele pensa? Indubitavelmente estas perguntas e suas respostas põem a descoberto, de modo irremediável, uma das faces negras do nosso estado de mendicidade espiritual. [<b>1</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 1:</b> É preciso entretanto observar que nessa época o Colégio Pedro II ainda não contava no seu corpo docente o insigne talento de Sílvio Romero, que é ali presentemente professor [da disciplina] Filosofia. Mas também aproveito a ocasião para dizer que Sílvio Romero mesmo ainda me serve de prova do nenhum valor que têm no Brasil os estudos filosóficos. A influência mesológica foi perniciosa ao ilustre professor. Reconhecendo a impossibilidade de uma reação benéfica, ele viu-se obrigado a ser <i>rotineiro</i>, a ensinar somente pelo esterilíssimo programa oficial [da disciplina]. O resultado era inevitável: das matérias que ele cultiva, é hoje a filosofia a que talvez menos preocupe o seu elevado espírito.</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>7.</b> Não ficou aí. Um ano depois, na redação do curioso jornalzinho intitulado <i>Deutscher Kämpfer</i>, que tanto deu que fazer à confraria dos parvos, ainda escrevi estas palavras:</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">O que de melhor se pode dizer a tal respeito é afirmar que ponto de vista filosófico do nosso pretendido mundo sábio é caduco e imprestável. Nem há dúvida de que até as estrelas de primeira grandeza, os célebres pensadores e escritores, só se assinalam pela sua fé implícita no velho Deus da teologia e da igreja. Nada sabem, nada compreendem do desenvolvimento da vida espiritual da atualidade… Uma coisa resta a observar: é que com essa enorme ignorância caminham emparelhados o orgulho e o desprezo dos grandes feitos científicos estrangeiros, principalmente alemães...</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>8.</b> O fim do meu escrito fora contribuir para elucidar a questão de saber, se já tínhamos chegado ao ponto de considerar a metafísica inteiramente morta, como então pretendiam e ainda hoje pretendem os positivistas de todos os feitios. Neste sentido continuei:</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Se atualmente nenhum homem culto pode desconhecer que o dogmatismo da filosofia moderna, ou a metafísica, foi espedaçado por Hume, cuja crítica inexorável coube a Kant concluir em mais larga extensão e com maior profundeza, não deixa de causar admiração o grande espanto que estas verdades triviais ainda estão no caso de despertar entre nós. Com efeito, bem antes que Augusto Comte, o fundador do positivismo em França, enxotasse o <i>absoluto</i> para o país das quimeras, já Hume tinha derrubado todo edifício metafísico:</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><i><span>Turrim in praecipiti stantem summisque sub astra</span></i></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><i><span>Eductam tectis...</span></i></p></blockquote><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><span>[<i>Nota do Editor</i>: Virgílio, <i>Eneida</i>, II, 460: <span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">“</span>Torre em declive pendente, às nuvens sobre o teto alçada…”. Disponível em:</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><span><span style="color: #0b4cb4;">https://archive.org/stream/virgilsaeneidbo01denngoog#page/n74/mode/2up/search/Tela+manu+miseri+jactabant </span>.]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>9.</b> Como diz Hermann Hettner:</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">E desde esse tempo é geralmente reconhecido que a proeza intelectual de Hume constitui uma das fases mais importantes do pensamento humano. Realmente foi a dúvida do grande filósofo escocês sobre a validade dos juízos sintéticos em geral que tornou-se o móvel e o foco das profundas indagações de Kant. Este filósofo mesmo confessava que a lembrança de Hume fora quem primeiro o despertara do seu sono dogmático… [<b>2</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 2: </b>Kant, <i>Prolegomena zur einer jeden künftigen Metaphysik, die als Wissenschaft wird auftreten können</i> (<i>Prolegômenos a toda metafísica futura que possa apresentar-se como ciência</i>), ed. Rosenkranz, III, p. 9. [<i>Nota do Editor</i>: disponível em: <span style="color: #0003ff;">https://archive.org/stream/b21913407_0003#page/n23/mode/2up </span>. Acesso: 22/10/2020.</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>10.</b> Eis aí. Há tanto tempo que estas linhas foram traçadas, e contudo, no que diz respeito à nossa ineptidão para o estudo da filosofia, ainda conservam o frescor da atualidade. É um velho diagnóstico, hoje reforçado e confirmado por um novo exame do doente.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>11.</b> Mas é um trabalho supérfluo querer demonstrar que o Sol não é frio, ou que o Brasil não tem cabeça filosófica. Renuncio ao prazer e à glória de uma tal demonstração. [<b>3</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 3: </b>Em honra da verdade, é preciso confessar que o Brasil já teve um filósofo extraordinário: foi aquele menino insigne, filho do autor dos <i>Fatos do espírito humano</i>, de quem este se ocupa em um dos últimos capítulos da sua obra; criança maravilhosa, de um gênio filosófico muito superior ao do seu pai, que na tenra idade de oito anos já sabia dar uma definição de Deus, capaz de fazer <i>impallidire i filosofii</i>, como diria Gallupi. Realmente esse menino prodigioso, se não tivesse morrido, seria hoje a maior glória literária do Brasil; como também sê-lo-iam alguns outros, que por aí andam já maduros e experimentados, se não tivessem vivido; deixando então aos pais filósofos o cuidado de nos contarem as maravilhas de sua precocidade filosófica.</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><b><span style="font-size: x-large;">II</span></b></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>12.</b> Ainda não há muito tempo que a filosofia, nos países mesmos do seu maior cultivo, e onde mais rica se mostra a sua história, se ressentia de um geral descrédito.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>13.</b> Não aparecia uma nova obra filosófica, que a crítica não tratasse logo de confrontar com essa indiferença pública, já tida em conta de uma verdade axiomática, ou para fazer-lhe a censura de vir aumentar o sentimento dominante, ou para tecer-lhe o elogio de que ela seria capaz arredá-lo, capaz de reanimar o interesse pela velha e abandonada filosofia.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>14.</b> Este fato, que é incontestável, prende-se a duas causas principais: por um lado, o fiasco imenso do sistema de Hegel, que em sua pretensão orgulhosa de construir e compreender o universo, segundo a dialética do conceito, acabou por destruir a si mesmo, dividindo-se em escolas e direções antagônicas, em que os discípulos, depois de terem rasgado e partilhado entre si a capa do mestre, tornaram ainda mais patente a insustentabilidade da sua doutrina; por outro lado, o surto que tomaram as ciências naturais, filhas da observação e da experiência, e como tais quase sempre avessas a todo e qualquer <i>apriorismo</i> especulativo.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>15.</b> O hegelianismo, sobretudo, que chegara a assumir o caráter de uma filosofia da filosofia, o remate e a coroa de todos os sistemas anteriores, concorreu em grande escala para desviar os espíritos da senda filosófica e infiltrar-lhes um novo gosto e uma nova direção.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>16.</b> Com efeito: a filosofia de Hegel, superficialmente apreciada, se apresentara como um <i>harmonismo</i> universal, que não admitia fora de si antítese alguma, que tinha pelo contrário vencido e conciliado em si mesmo todas as antíteses.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>17.</b> Na realidade, porém, e depois de uma análise mais exata, ela se mostrou um perfeito modelo de contradições, um exemplar de confusão caótica.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>18.</b> A filosofia de Hegel queria ser uma conciliação absoluta do pensamento e da realidade; mas acabou por ser uma volatilização espiritualística do <i>real</i> e uma corrupção metódica do puro pensamento. Ela pretendia ser medianeira entre a liberdade e a necessidade, entre a intuição antiga e a intuição moderna, entre todas as coisas enfim que até haviam passado por absolutamente inconciliáveis; porém, no fundo, nada conciliou. Todos os seus processos de harmonização são outros tantos brinquedos de um espírito que se diverte em excitar a guerra de tudo contra tudo, só para ter o prazer de propor e formular a paz.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>19.</b> Já se vê que, chegando a este ponto, sendo esta a última fase da sua evolução multissecular, a filosofia estava exausta, a sua bancarrota era inevitável. Ela devia dissolver-se, e efetivamente a dissolução deu-se dentro da escola mesma por meio das próprias forças inerentes ao sistema.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>20.</b> Foi assim que, depois da morte de Hegel (1831), a especulação filosófica na Alemanha perdeu quase todo o seu valor de outrora. Os espíritos estavam presos de uma tendência bem diversa. As obras de filosofia que foram publicadas daquela época em diante ou passaram inteiramente despercebidas, ou só mui posteriormente, quando já havia começado o novo período de relações harmônicas entre as ciências naturais e os estudos filosóficos, puderam despertar a atenção geral.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>21.</b> O quarto, quinto e sexto decênios deste século contam ali bem poucos filósofos de velho cunho; e esses poucos mesmos são todos de caráter episódico, sem influência notável sobre os destinos da filosofia.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>22.</b> Predominava então crítica soberana. Não eram Hegel e Schelling, nem Herbart e Krause, mas eram Strauss e Bauer, Feuerbach e Arnold Ruge que estavam na ordem do dia. </span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>23.</b> Entretanto por esse tempo o <i>ecletismo</i> na França ainda conservava a cabeça erguida e ao lado dele, posto que principalmente volvida contra ele, a filosofia católica, pelo órgão dos Bautain, Guiraud e consortes, acumulava tolices sobre tolices, que então valiam por verdades preciosas, porém atualmente só podem causar riso a qualquer leitor desprevenido.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>24.</b> Augusto Comte ainda não se tinha feito notar. A revolução que ele produziu ou pretendeu produzir contra as teorias filosóficas vigentes só depois de sua morte principiou a tomar um certo incremento.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>25.</b> De modo que justamente ao tempo em que na França — de 1857 em diante — a filosofia especulativa ou a metafísica entrou a ser posta no número das coisas peremptoriamente acabadas, já a Alemanha havia atravessado o período de desconsideração e menosprezo das indagações filosóficas, e tratava agora de estabelecer uma nova e duradoura aliança entre a mesma filosofia e as ciências naturais.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>26.</b> O que há, porém, de mais notável é que, para entabularem essa aliança, as ciências aceitaram de preferência a filosofia de Kant. Os sistemas, que evolutivamente saíram do kantismo, tornaram impossível qualquer acordo neste sentido. Todas as questões que hoje se suscitam e discutem no terreno das ciências naturais, inclusive a matemática, defrontando com a filosofia, conduzem necessariamente aos fundamentos do sistema kantesco, como um campo de operação comum.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>27.</b> E dos chefes reconhecidos das escolas científicas nenhum empenhou-se mais cedo, nem com mais perseverança, do que Helmholtz, para que se fizesse justiça à memória de Kant, como também nenhum outro mostrou mais interesse pela reanimação dos esforços filosóficos que são dignos deste nome, e não de todo imprestáveis, como os desvarios dos chamados filósofos da natureza, Hegel, Schelling e seus aventurosos caudatários.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span><b style="font-size: large;">28.</b><span style="font-size: medium;"> Assim, quando ele primeiro deu público testemunho do seu respeito para como o mestre de Koenigsberg — nos anos de 1854 e 55 —, não pertencia ao costume geral fazer reverência à filosofia, em qualquer das suas manifestações; e Helmholtz mesmo tinha bem consciência de ir de encontro ao pensamento da moda, como demostram as palavras introdutórias de sua conferência </span><i style="font-size: large;">Ueber das Sehen des Menschen</i><span style="font-size: medium;"> [</span><i style="font-size: large;">Nota do Editor</i><span style="font-size: medium;">: Sobre a Visão Humana. Disponível em: </span><span style="color: #0003ff;">https://archive.org/stream/bub_gb_Nlo-AAAAYAAJ#page/n7/mode/2up</span><span style="font-size: medium;">; ver também: </span><span style="color: #0003ff;">https://archive.org/stream/hermannvonhelmho00koenrich#page/138/mode/2up</span><span style="font-size: medium;">. Acessos: 22/10/2020], de 1855.</span></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>29.</b> No seu <i>Handbuch der physiologischen Optik</i> [<i>Nota do Editor</i>: <i>Manual de óptica fisiológica</i>, 1867], ainda ele fala da <span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">“</span>negação da nossa época para as pesquisas filosóficas e psicológicas”. O protesto lavrado naquela conferência de que não eram <i>considerações exteriores </i>ou<i> </i>um<i> oculto antagonismo, </i>mas<i> completo reconhecimento e alto respeito</i>, os móveis que o impeliam a dar expressão à sua veneração para com Kant — esse protesto foi suficientemente confirmado por meio das publicações científicas posteriores. O <i>Manual de óptica fisiológica</i>, por si só, oferece muito mais do que simples testemunhos oratórios em prova de que era com efeito a própria disposição do assunto que ao lado do interesse naturalístico despertava igualmente o interesse filosófico.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>30.</b> O reconhecimento não só da capacidade de Kant, mas também dos resultados a que ele chegou, no tocante à faculdade do conhecer, aparece de novo na <i>Óptica</i> assim como nos outros escritos do grande naturalista, de caráter mais popular, que mais tarde foram publicados. E destarte, quando se trata das relações entre a filosofia e a exata indagação, não há injustiça em considerar Helmholtz como o mais apropriado representante da última, em frente de Kant, que ainda é quem melhor e mais dignamente representa a direção filosófica.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>31.</b> É mister todavia observar que a palavra filosofia deve ser aqui tomada em sentido restrito, significando unicamente aquela parte da ciência que se ocupa da teoria do conhecimento. Não se trata da estética e nem da ética, mas somente da primeira das três questões formuladas por Kant, nas quais se concentra, segundo ele mesmo se exprimiu, todo o interesse da razão, tanto especulativa, como prática; e a questão é a seguinte: <i>o que posso eu saber</i>? [<b>4</b>].</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 4: </b>Merece aqui uma apreciação particular o modo por que o chefe do positivismo francês julgou o autor da Crítica da razão pura. No primeiro volume do <i>Cours</i>, Augusto Comte, que certamente nunca tinha lido Kant, pois os termos da sua crítica mesma dão a conhecer que ele falava de oitiva, atribui ao filósofo alemão a divisão geral das ideias humanas segundo as duas categorias da quantidade e da qualidade (<i>Nota do Editor</i>: Auguste Comte, <i>Cours de philosophie positive</i>, p.123; disponível em: <span style="color: #0003ff;">https://archive.org/stream/coursdephiloso01comt#page/122/mode/2up </span>; acesso: 22/10/2020). Mas é uma falsa atribuição, proveniente sobretudo da ignorância de Comte sobre o conceito da categoria na linguagem filosófica de Kant. Com efeito: eu ouso perguntar, já não a Comte, porém aos seus mais fanáticos discípulos de aquém e de além-mar: em que parte das obras do filósofo tedesco está escrito que as ideias humanas se dividem daquele modo? Vamos lá; respondam; quero ver isto. E se é certo que Kant nunca fez semelhante divisão, que juízo deve-se formar da seriedade científica do tal Sr. Augusto Comte? Mas o melhor é o seguinte. Em uma das últimas lições (vol. 6 , p. 619 ), Comte diz : <span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">“</span>Le plus grand des métaphysiciens modernes, I<span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">’</span>illustre Kant, a noblement mérité une éternelle admiration en tentant, le premier, d’échapper directement à l<span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">’</span>absolu philosophique par sa célèbre conception de la double realité, à la fois objective et subjective, qui indique un si juste sentiment de la saine philosophie” [<i>Tradução livre do Editor</i>: “O maior dos metafísicos modernos, o ilustre Kant merece uma eterna admiração porque foi o primeiro a tentar escapar, sem rodeios, do absoluto filosófico mediante sua célebre concepção de dupla realidade, tanto objetiva quanto subjetiva, que indica o sentimento tão justo de uma filosofia saudável”. Auguste Comte, <i>Cours de philosophie positive</i>, VI, p. 669; disponível em:</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="color: #0003ff;">https://archive.org/stream/coursdephilosop06comt#page/668/mode/2up </span>; acesso: 22/10/2020]. É um pedaço interessantíssimo. Salta aos olhos a falta de compreensão da reforma de Kant. Dizer que este filósofo foi o primeiro que tentou escapar do absoluto é um erro pueril, já porque antes dele outros tinham feito a mesma tentativa, já porque Kant não se limitou a querer evitar o absoluto, ele o eliminou totalmente do domínio da filosofia, como objeto de conhecimento. E além disso, ainda afirmar que esse grande mérito de Kant proveio de sua célebre concepção de dupla realidade, ao mesmo tempo objetiva e subjetiva, é um disparate inqualificável. É imputar ao filósofo alemão um dualismo que está em perfeita oposição com a ideia capital de sua teoria; dualismo que, entretanto, não exclui o absoluto. Os filósofos dogmáticos, os metafísicos propriamente ditos, que fizeram do mundo hipersensível objeto de sérios estudos, foram pela mor parte dualistas. De tudo isso se depreende que Augusto Comte falou de Kant como falou de muitas outras coisas, ignorando-as completamente; mas julgava poder apreciá-las por uma espécie de intuição profética, própria de seu caráter de salvador do espírito humano!</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>32.</b> Ora, o problema desta parte da filosofia kantesca, bem como de qualquer verdadeira filosofia, foi excelentemente assinalado por Helmholtz na mencionada conferência com as seguintes palavras:</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">A filosofia de Kant não teve em mira aumentar o número dos nossos conhecimentos por meio do puro pensamento, porquanto o seu princípio supremo é que <i>toda e qualquer noção de realidade deve ser bebida na experiência</i>; mas o seu único intuito foi o de inquirir as fontes do nosso saber e o grau da sua legitimidade; trabalho este, que há de sempre pertencer à filosofia, e ao qual nenhuma época poderá impunemente subtrair-se. [<b>5</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 5:</b> <i>Ueber das sehen des Menschen</i>, p. 5 [<i>Nota do Editor</i>: Disponível em: <span style="color: #0003ff;">https://archive.org/stream/bub_gb_Nlo-AAAAYAAJ#page/n9/mode/2up </span>. Acesso: 22/10/2020].</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>33.</b> A perfeita conciliabilidade da filosofia com as ciências naturais aí se acha claramente formulada pela limitação dos dois domínios, <i>vis-à-vis</i> um do outro. </span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>34.</b> Mas essa conciliabilidade e essa limitação não querem dizer nem que a filosofia deva conforma-se com todas as induções das ciências naturais, ou que estas devam girar somente dentro do plano traçado por aquela, nem também que seja vedado ao naturalista lançar um olhar filosófico sobre o seu campo de observação, ou o filósofo penetrar, como indagador, nos reinos da natureza.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><b><span style="font-size: x-large;">III</span></b></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>35.</b> Neste pé se achavam na Alemanha as relações entre os dois grandes ramos do saber quando uma das primeiras autoridades nas ciências exatas, o professor de astronomia física Frederico Zöllner, em Leipzig, publicou o seu célebre livro <i>Über die Natur der Cometen:</i> <i>Beiträge zur Geschichte und Theorie der Erkenntniss</i>,<i> de 1872</i> [<i>Nota do Editor</i>: <i>Sobre a natureza dos cometas: contribuições à história e à teoria do conhecimento</i>. Disponível em:</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><span style="color: #0003ff;">https://archive.org/stream/bub_gb_9heRMFQ20SMC#page/n3/mode/2up</span>; ver também: <span style="color: #0003ff;">https://scienceandpseudoscience.files.wordpress.com/2013/12/staubermann-2001-article-on-zollner1.pdf </span>. Acessos: 22/10/2020].</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>36.</b> Nesta obra o notável professor mostrou ser indeclinável o íntimo acordo, o consórcio da exata investigação com a filosofia, semelhante, como ele mesmo diz, à reconciliação de dois amantes que estavam há tempo arrufados e separados, em consequência de recíproco erro.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>37.</b> Zöllner coloca em eterno laurel a fronte da filosofia, provando que ela, por caminho puramente especulativo, pressentiu e antecipou as mais importantes descobertas, que as ciências naturais só muito mais tarde vieram a fazer indagação experimental. O <i>apriorismo</i> especulativo da lei da causalidade, admitido por Schopenhauer, acha a sua confirmação empírica na <i>Óptica</i> de Helmholtz; o naturalista Wallace reforçou por meio de fatos o que Schopenhauer havia estabelecido pela demonstração metafísica sobre <i>matéria, força e vontade</i>.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>38.</b> Em um capítulo especial, o último de seu livro, Zöllner se ocupa de Immanuel Kant e sua Benemerência para com as Ciências Naturais [onde afirma]:</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Por meio da prova do verdadeiro espírito científico e gênio <span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">‘</span>quase profético do filósofo de Koenigsberg<span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">’ </span>(…) deve-se tirar da moderna geração de naturalistas o prejuízo que se lhes inoculou contra tudo que se chama filosofia, e incutir-lhes de novo a fé, que já vai perdida, na fecundidade e necessidade de uma cultura filosófica racional, até em bem do progresso nas ciências naturais.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>39.</b> Com esta obra de Zöllner, que fez época, não se esgotam entretanto os documentos em favor da atual significação da filosofia, em favor do novo reconhecimento da sua indispensabilidade.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>40.</b> Cientificamente talvez de não maior importância, mas em todo caso de ainda maior influência sobre a cultura geral, poderia considerar-se o resultado surpreendente, a que chegou, antes mesmo de Zöllner, o mais avultado dentre os sábios materialistas dos novos tempos, Ernesto Haeckel, em sua <i>Natürliche Schöpfungsgeschichte</i>, de 1868 [<i>Nota do Editor</i>: <i>História da criação natural</i>. Disponível em: <span style="color: #0003ff;">https://archive.org/stream/natrlichesch1868haec#page/n7/mode/2up </span>. Acesso: 22/10/2020].</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>41.</b> Esse resultado culmina-se no arredamento do <i>dualismo</i>, até então mais ou menos dominante, de espírito e matéria; e não decerto pela subordinação de um princípio ao outro; por conseguinte, nem em favor do materialismo, nem em favor do espiritualismo. O corpo mesmo é o espírito desconhecido, o espírito, porém, é o desconhecido no corpo, e a natureza com o espírito que nela impera, uma <i>unidade </i>metafísica. Tornar compreensível esta <i>unidade</i>, construir o seu <i>conceito</i>, é o problema que Haeckel entrega a uma nova filosofia, sob o título de <i>monismo</i>. </span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>42.</b> Mas não devo deixar inobservado que o ilustre professor de Jena não foi sempre coerente consigo mesmo no desenvolvimento da sua doutrina. Antecipando a filosofia no modo de compreender a unidade metafísica da natureza, ele acabou de eliminar o espírito em proveito da matéria, e o seu monismo degenerou em puro <i>mecanismo</i>.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>43.</b> Falando deste sábio e dos seus trabalhos naturalísticos, diz Eduard von Hartmann:</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Haeckel era bastante alemão para reconhecer francamente que a nova teoria da procedência das espécies, uma das outras, e da unidade do tronco genealógico do reino orgânico, não pertence mais às ciências naturais, que ela já é propriamente filosofia da natureza, e só pode sair de uma mistura de base empírico-científica e especulação filosófica. Ele honrou de novo perante as ciências naturais a filosofia há tanto tempo desdenhada, e forneceu mesmo em sua <i>Generelle Morphologie</i> preciosíssimas contribuições, em diversos sentidos, para a filosofia da natureza. Infelizmente, porém, este acolhimento da filosofia não chegou até o ponto de desviá-lo do prejuízo do tempo — a intuição mecânica do mundo —, e este prejuízo domina-o por tal modo que até hoje o tem impedido de se adaptar às restrições e retificações, cuja necessidade o mesmo Darwin tem confessado com uma admirável abnegação em puro amor da verdade. [<b>6</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 12px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 6: </b><i>Wahrheit und Irrthum im Darwinismus</i>, p. 150 [<i>Nota do Editor</i>: Eduard von Hartmann, <i>Wahrheit und Irrthum im Darwinismus</i> (<i>Verdade e erro no darwinismo</i>); disponível em: <span style="color: #0003ff;">https://archive.org/stream/bub_gb_IvQ_AAAAIAAJ#page/n159/mode/2up </span>. Acesso: 22/10/2020].</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; min-height: 12px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>44.</b> São palavras magistrais, a que nada se pode acrescentar, pois encerram a mais perfeita característica do sábio naturalista. Além disto, elas servem ainda de prova da verdade anteriormente enunciada, de que ao filósofo não é vedado medir com olhos de investigador os domínios da natureza. O exemplo de Hartmann é eloquentíssimo.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>45.</b> Entretanto, e por maior que seja a veneração que o tributo ao grande autor da <i>Philosophie des Unbewussten</i> [<i>Filosofia do inconsciente</i>], não posso concordar com Heinrich Landsmann, a quem aliás sou devedor de alguns esclarecimentos sobre o presente assunto, quando diz que o primeiro sistema de filosofia monística, reclamado como uma necessidade para completar o edifício das ciências naturais, de que Haeckel pode ser considerado o genial arquiteto, foi o sistema de Hartmann.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>46.</b> É uma falsa apreciação esta, que se complica de uma grave injustiça. Sem falar de filósofos anteriores, como Schopenhauer, que teve a mais viva intuição da unidade do espírito e da natureza, ou como Lazarus Geiger, que pressentiu mais de uma verdade hoje corrente e assentada entre os naturalistas, importa ainda assim reconhecer que a <i>Filosofia do inconsciente</i> não é a mais apta para formar a cúpula do edifício.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>47.</b> É certo que ela se vangloria de proceder segundo o rigoroso método científico; mas acho um pouco infundada semelhante pretensão. Pelo contrário: o hipotético, o inverificável, o fantástico mesmo representam nela um papel assaz considerável e de nenhum modo adequado ao rigor e exatidão da ciência.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>48.</b> O próprio Haeckel, que rendeu preito às excelentes observações e profundas ideias do autor, não duvidou apoiar a crítica que fizeram à filosofia de Hartmann, acusando-a de confundir sob a expressão de <i>inconsciente</i> uma porção de coisas as mais diversas, que necessitam de uma análise discriminadora; e afinal, para ele, essa filosofia, considerada em sua totalidade, não tem força para sustentar-se, ainda que nela existam preciosos germes que podem produzir riquíssimos frutos. [<b>7</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 7: </b><i>Natürliche Schöpfungsgeschichte</i>, Vierte Auflage, p. XXXIX.</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>49.</b> É, pois, evidente que o sistema de Hartmann não resolve o problema que lhe destinou Heinrich Landsmann. Posto que viesse primeiro, e como tal pareça ter com efeito a prioridade no mérito, quando somente lhe cabe a estéril prioridade no tempo, ele desaparece diante de um outro sistema, de vistas mais elevadas e mais sólidos fundamentos. É o monismo filosófico de Noiré. Só este realmente está no caso de completar e corrigir o monismo científico de Haeckel.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>50.</b> Assim me exprimindo a respeito da <i>Philosophie des Unbewussten</i>, é supérfluo advertir que não faço coro com críticos da têmpera de um J. Fischer na Alemanha, ou de um Stiebeling nos Estados Unidos, para ambos os quais o trabalho de Hartmann é a mais alta expressão da insensatez do espírito filosofante.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>51.</b> O ponto de vista destes dois escritores é o do materialismo nu e descarnado; e eu não ando por esse caminho. O que julgo dever contrapor à filosofia de Hartmann não é um programa completo, uma espécie de <i>tábua</i>, que não se pode aumentar, nem diminuir, de verdades feitas e acabadas, como têm-na os materialistas e positivistas; mas é uma outra filosofia, bebida nas mesmas fontes, animada do mesmo espírito, e que apenas me parece mais segura em seus princípios, mais certeira em suas consequências.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>52.</b> E um dos melhores predicados do sistema de Noiré é que ele não se presta, como o de Hartmann, a despeito de todo o seu aparato científico, a uma chamada popularização das doutrinas filosóficas.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>53.</b> Será sempre digna de menção a verdade expressa por Goethe:</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Há um mistério na filosofia. Deve-se dispensar o povo de sondá-lo, e o menos que for possível atraí-lo com força para a indagação de tais matérias. O povo contenta-se com repetir bem alto o que bem alto lhe foi ensinado. Deste modo originam-se os mais estranhos fenômenos, e as fátuas pretensões não têm mais fim.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>54.</b> Um homem simplesmente esclarecido, mas um tanto rude é grosseiro, muitas vezes embebido em seu falso saber, zomba de objetos, diante dos quais um Jacobi, um Kant inclinar-se-iam com respeito. Os resultados da filosofia devem vir em proveito do povo, não se deve, porém, querer elevar o povo à altura de filósofo.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>55.</b> Mas voltemos ao centro do nosso assunto.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><b><span style="font-size: x-large;">IV</span></b></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>56.</b> Quando se trata de pôr um termo à inimizade, que até Schiller aconselhara se mantivesse ainda por algum tempo entre a filosofia e as ciências naturais, e apela-se para Kant, como o órgão mais sadio da especulação filosófica, ao passo que foi também o filósofo mais chegado ao naturalismo científico, muita gente toma-se de espanto, não compreendendo como se possa conferir semelhante honra ao maior dos metafísicos, sem dúvida, como o chamou Augusto Comte, mas sempre um metafísico, e como tal um representante de um ponto de vista atrasado, decrépito, inaproveitável.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>57.</b> Felizmente essa muita gente é balda de todo critério, e não tem voto para decidir em coisas sérias. Não obstante, aceito a observação, como se fosse feita por pessoas competentes, para aproveitar o ensejo que melhor se me oferece, de elucidar uma questão interessante, da qual os positivistas fazem grande alarde, e que é para eles a verdadeira linha divisória entre o antigo e o moderno filosofar.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>58.</b> Refiro-me à questão da metafísica em geral. Efetivamente: não há frase mais corriqueira na boca dos discípulos e subdiscípulos de Comte do que o epíteto de metafísico desdenhosamente assacado a quem quer que ousa ter uma ideia não de todo contida no cânon positivista.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>59.</b> Mas entendamo-nos uma vez por todas: o que é um metafísico? O sentido desta expressão se acha determinado na história da filosofia; não era lícito a Comte, nem a Littré, nem a outro qualquer conferir-lhe uma significação que ela nunca teve.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>60.</b> Metafísico de velho estilo se diz aquele que pretende sondar o que está fora de toda experiência, sem ter-se de antemão certificado de que um tal saber seja possível, bem como do valor e aceitação que ele possa ter.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>61.</b> Com uma admirável confiança os metafísicos costumam afirmar e definir o absoluto, o ultra-experimental; mas todas as suas teorias não passam de simples hipóteses e conjeturas; isto se prova até pela diversidade e contradição recíproca dessas mesmas teorias.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>62.</b> Um filósofo alemão contemporâneo, A. Spir, faz a seguinte notável observação:</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Se um astrônomo quisesse levantar hipóteses sobre os habitantes de Marte e Júpiter, seus costumes, seus hábitos de vida, suas instituições políticas e sociais, todo o mundo teria esse procedimento por um gracejo e um ocioso passatempo; entretanto a metafísica ainda é considerada por muitos como uma ciência real e elevada. Mas eu pergunto: quem está em condições mais favoráveis e tem melhores razões em seu favor — o pretensioso astrônomo ou o pretensioso metafísico? Os habitantes de Marte e Júpiter não podem decerto entrar jamais no círculo da nossa experiência, mas ao menos eles repousam, caso existam, no domínio da experiência em geral; e destarte o arrogante astrônomo tem um longínquo vislumbre de autorização e competência, para concluir do que se passa entre nós o que se passa entre eles, e dar assim um livre voo à sua fantasia. Quais são, porém, os pontos de apoio do metafísico, que quer pôr-se acima de toda a experiência, e que deve também, por conseguinte deixar atrás de si toda as analogias do mundo experimental? Entretanto o artifício dos metafísicos consiste exatamente em transportar a experiência comum para as regiões do absoluto. Eu devo confessar que julgo a direção metafísica na filosofia uma espécie de doença, que não se pode arredar por meio de argumentos. [<b>8</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 8:</b> <i>Denken und Wirklichkeit</i>, 1, p. 5-6 [<i>Nota do Editor</i>: <i>Pensamento e realidade;</i> disponível em:<span style="color: #0003ff;">https://archive.org/stream/DenkenUndWirklichkeitBd.1/Afrikan_spir_denkenUndWirklichkeit01#page/n19/mode/2up </span>. Acesso: 22/10/2020].</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>63.</b> Nada mais claro. Aí está perfeitamente delimitada a <i>carta</i> da velha metafísica. Releva agora perguntar afoitamente: o que foi que Kant afirmou sobre o absoluto, sobre aquilo que repousa além da experiência?</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>64.</b> Que hipótese construiu, que conjeturas formulou, que possam equiparar-se às gratuitas suposições do astrônomo de que fala Spir? </span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>65.</b> Ninguém poderá apontá-las. Pelo contrário: bem longe de ser Kant um arquiteto de castelos aéreos, foi ele quem acabou de arrasar por vez o palácio encantado da velha fada, que seduzira e perdera mais de um espírito superior. E fê-lo ciente e conscientemente. A filosofia crítica, obra exclusiva de Kant, não surgiu senão como antítese da filosofia dogmática, até então dominante; e o dogmatismo filosófico é justamente a metafísica. </span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>66.</b> Nos escritos do filósofo encontra-se a cada passo os mais claros certificados da sua intuição inteiramente nova e diametralmente oposta ao modo de ver comum. Assim, por exemplo, ele diz: <span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">“</span>a asserção dos metafísicos deve ser ciência, ou então é nada”. [<b>9</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 9:</b> <i>Prolegomena</i>, p 28 [<i>Nota do Editor</i>: <i>Prolegomena zur einer jeden künftigen Metaphysik, die als Wissenschaft wird auftreten können</i> (<i>Prolegômenos a toda metafísica futura que possa apresentar-se como ciência</i>), ed. Rosenkranz, p. 32. Disponível em: <span style="color: #2b00fe;"><i>https://archive.org/stream/b21913407_0003#page/n47/mode/2up</i>. Acesso: 22/10/2020</span> .]</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Em outro lugar:</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Uma hipótese transcendental, na qual uma simples <i>ideia da razão </i>fosse empregada para explicar a natureza das coisas não seria uma explicação, pois aquilo que não é bastante compreendido em virtude de princípios empíricos conhecidos seria assim explicado por alguma coisa, de que absolutamente nada se compreende. [<b>10</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 10:</b> <i>Kritik der reinen vernunft</i> (ed. Kirchmann), p. 600 [<i>Nota do Editor</i>: <i>Crítica da razão pura</i>; disponível em: <span style="color: #0003ff;">https://archive.org/stream/immanuelkantskri00kant_0#page/600/mode/2up </span>. Acesso: 22/10/2020].</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>67.</b> Mais ainda: <span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">“</span>pretender pois opinar <i>a priori</i> [e portanto fora do campo da experiência] é já em si um absurdo e o caminho mais curto para a mera fantasia”. [<b>11</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 11:</b> Kritik der Urtheilskraft, (<i>idem</i>), p. 360 [<i>Nota do Editor</i>: <i>Crítica da faculdade do juízo</i>; disponível em: <span style="color: #0003ff;">https://archive.org/stream/immanuelkantskr02kantgoog#page/n383/mode/2up </span>. Acesso: 22/10/2020.]</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>68.</b> Há muitas outras passagens em que o filósofo não hesita mesmo em reconhecer os direitos do <i>empirismo</i>, até onde ele não se torna dogmático, mas somente se opõe</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">à indiscreta curiosidade e audácia da razão desconhecedora do seu destino, que se gaba de penetração e de saber, lá onde cessam propriamente o saber e a penetração, que confunde os interesses práticos e teoréticos, para cortar, onde lhe convém, o fio das indagações físicas. [<b>12</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 12:</b> Lange, <i>Geschichte des Materialismus</i>, 1, p. 21 [<i>Nota do Editor</i>: <i>História do materialismo</i>; disponível em: <span style="color: #0003ff;">https://archive.org/stream/geschichtedesma00lang#page/20/mode/2up </span>. Acesso: 22/10/2020].</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>69.</b> À vista de tais documentos, não há, pois, razão de rir na cara dos positivistas, quando ousam afirmar que Kant foi um metafísico no sentido de um visionário? Não é o caso de mandá-los todos <i>bugiar</i>, desde os leões da seita até os gatos dos nossos telhados, isto é, desde Comte e Littré até a récua de <i>crétins </i>brasileiros, amarelos, empanturrados, de leque na mão e cigarrinho na boca, fazendo filosofia positiva — que é uma espécie de <i>filosofia dos pobres</i> —, nas calçadas e confeitarias da Rua do Ouvidor no Rio de Janeiro?</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>70.</b> A coisa é realmente singular, e seria até capaz de fazer rir o próprio Heráclito, de quem entretanto se diz que só sabia chorar das misérias humanas. Mas há, aí, sobretudo um ponto que merece especial atenção.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>71.</b> Que Augusto Comte não tivesse senso bastante para compreender a reforma de Kant — ele que, além de não conhecê-la de perto, julgava-se mesmo dispensado desse conhecimento, pois estava convencido de que a única valiosa só era a sua doutrina — é facilmente explicável. Porém o mesmo não sucede com relação a Littré.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>72.</b> Este sábio, que era familiarizado com a ciência alemã, que estava nas melhores condições de entrar no fundo da filosofia kantesca, não tem desculpa de haver deixado sem correção o erro de seu mestre a tal respeito, limitando-se a formar dessa filosofia a mesma ideia de Comte, que a considerou do ponto de vista estreito e sistemático de um crente, para quem não há outra religião senão a sua.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>73.</b> Tenho plena consciência da impressão de horror que vou produzir; mas não importa; aventuro-me a adiantar o juízo da história, que será este: Littré foi um profundo lexicógrafo, um grande linguista, um escritor primoroso, mas um filósofo medíocre. Não lhe coube em partilha a suprema faculdade filosófica de dar ao mundo uma dessas verdades que geram verdades, que são sementes do futuro, atiradas no chão da história, donde rebentam novos pensamentos e novas aspirações.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>74.</b> Não tivesse ele nascido francês, não houvesse florescido em uma época na qual a mania do francesismo havia atingindo a sua maior altura, e talvez que o seu nome não fosse hoje conhecido.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>75.</b> Nem há nisto exageração alguma. É uma verdade deduzida da ordem natural dos fatos, quando não surgem circunstâncias particulares, que neutralizam a sua ação.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>76.</b> Realmente, um homem que concebia a filosofia positiva como <span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">“</span>o conjunto do saber humano” (note-se bem: do <i>saber humano</i>!) e este por sua vez como <span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">“</span>o estudo das forças que pertencem à matéria e das condições ou leis que regem essas forças”, um homem que assim pensava e acreditava seriamente que esse <i>conjunto</i> e esse <i>estudo</i> existiram na cabeça de A. Comte, como existiam na sua própria, pois um foi o criador e o outro o propagador da célebre teoria — um espírito de tal quilate é um espírito incompleto, adoentado mesmo, que posto em outro meio e cercado de outras relações, poderia até passar por um ridículo fanfarrão. [<b>13</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 13: </b>Realmente o velho sábio francês já era vítima de uma espécie de <i>monomania positivista</i>, e como tal produzia muitas vezes uma impressão de <i>bobice</i> que causava dó. É assim que já tinha chegado ao ponto de enviar <i>urbi et orbi</i> a benção papal do <i>comtismo</i>, dirigindo cartas consoladoras a todos os que nele viam o seu <i>diretor espiritual</i> e descobrindo por toda parte até nas <i>Farpas</i> do escritor português Ramalho Ortigão, <i>quelques directions positivistes</i>! O vulto histórico de Littré é semelhante a certas montanhas que vistas por um lado mostram-se altíssimas, inacessíveis, sublimes, ao passo que do lado oposto apresentam um declívio tão suave, que pode-se galgar o cimo <i>até a cavalo</i>. O colaborador de Robin, o autor do <i>dicionário</i>, o tradutor de Hipócrates, é o lado escarpado e majestoso da montanha; o discípulo de Comte, porém, é a parte prosaica e rasteira que não desperta nem merece atenção.</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>77.</b> Entretanto, quero crer que, se não fosse a falsa direção tomada por Littré, se ele se tivesse limitado a cultivar o terreno da ciência livre dos pressupostos forçados da estéril e acanhada filosofia de que se fez apóstolo, muito maior seria seu merecimento e muito mais compreensíveis os motivos do seu renome.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>78.</b> Quanto a nós, porém — é o que resta a liquidar —, quanto a nós, os que não sujeitamos o pensamento à disciplina claustral da filosofia positiva, só existe uma razão de se nos ter em conta de metafísicos: é justamente o não jurarmos pelo santo nome de Comte, é o não sermos positivistas!</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>79.</b> Para um católico de lei, o <i>acatólico</i> de qualquer espécie é sempre um <i>herege</i>, um réprobo, um demônio. É o mesmo ponto de vista dos sectários do <i>comtismo</i>, que movem-se na névoa de ideias preconcebidas e frases consagradas.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>80.</b> Em geral os positivistas não querem compreender que o materialismo, do qual o seu sistema é uma das últimas formas, sempre se ressentiu do defeito de satisfazer-se com uma explicação do mundo, que termina precisamente no ponto onde começam os problemas da filosofia. Pôr de lado esses problemas, a título de enigmas inextricáveis ou bolhas de sabão da fantasia de espíritos enfermos, que se nutrem de bagatelas, como certos animas se nutrem de palha é um procedimento cômodo, sem dúvida; porém pouco filosófico.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>81.</b> Os positivistas não querem compreender que uma coisa é metafísica dogmática, que converte sonhos em realidade, que <i>fecha os olhos para melhor ver</i>, que desdenha da experiência, quando esta vai de encontro aos seus oráculos, e outra coisa é metafísica reservada e consciente, que há de sempre existir, se não como ciência, como disposição natural e inerradicável do espírito, segundo Kant. </span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>82.</b> E mesmo como ciência — por que não? — a matemática explica grandezas no espaço e no tempo, a física fenômenos da natureza, a experiência científica em geral os fatos existentes. Mas justamente por meio desta experiência realiza-se um novo fato: o da explicação científica mesma.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>83.</b> Ou será porventura o matemático um fato menos real que do que as <i>figuras</i>, o físico menos real do que os corpos, que ele observa, a experiência enfim menos real do que seus objetos? As ciências exatas não podem negar que elas têm uma existência cujo reconhecimento aumenta de dia em dia. Estes fatos seriam os únicos que não necessitam de uma explicação? Não deve portanto haver uma ciência, que faça da explicação deles o seu alvo: uma ciência, que considere a matemática, a física, a experiência, como seus objetos, da mesma forma que a matemática tem por objetos as grandezas, a física os corpos, a experiência as coisas em geral? </span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>84.</b> Ou dá-se porventura que a matemática, a física, a experiência, expliquem-se a si mesmas? Se não se explicam, deve haver então uma ciência distinta e autônoma, que esteja para a matemática como esta para as grandezas, que esteja para física como esta para os corpos, que esteja enfim para toda a experiência como esta para os fenômenos dados.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>85.</b> Esta ciência, tão necessária como as outras, é a filosofia crítica, é a metafísica no bom sentido da expressão. [<b>14</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 14: </b>Kuno Fischer, <i>Geschichte der neuern Philosophie,</i> III, p. 15-16. Releva aqui advertir que é este pelo menos o sentido que a metafísica tem na Inglaterra, isto é, o da teoria do conhecimento, ou de um ramo dela. Assim por exemplo, M’Cosh, em sua obra <i>The laws of discursive thought</i> (1870), diz: <span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">“</span><i>The science which treats of the intuitive operations of the mind is called Metaphysics”</i> (p. 1). [<i>Nota do Editor</i>: James McCosh, <i>The laws of discursive thought: a text-book of formal logic</i>. New York, 1871; disponível em: <span style="color: #0003ff;">https://archive.org/details/lawsofdiscursivetho00mcco/page/n25/mode/2up</span>; acesso: 22/10/2020].<i> </i>Mas também, segundo Lewes (<i>Hist. of Phil</i>., 1, p. XXIII): "[<i>Metaphysics</i>]<i> sometimes it means Ontology. Sometimes it means Psychology. Sometimes it means the highest generalities of Physics”</i> [<i>Nota do Editor</i>: George H. Lewes, <i>The history of philosophy, from Thales to Comte</i>. London, 1871; disponível em: <span style="color: #0003ff;">https://archive.org/details/in.ernet.dli.2015.218922/page/n25/mode/2up </span>; acesso: 22/10/2020].</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>86.</b> Tratando de explicar a experiência, ela se eleva muitas vezes além deste limite, e então é a teoria, não do <i>absoluto</i>, que não pode ser objeto da ciência, mas do <i>conceito do absoluto</i>, da origem, da significação e do valor objetivo desse mesmo conceito.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>87.</b> Já se vê que, assim compreendido, o caráter metafísico é inerente a toda pesquisa filosófica, pois, como diz Edmond Schérer, a <span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">“</span>filosofia menos a metafísica é a filosofia menos a filosofia”. [<b>15</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 15:</b> <i>Études critiques sur la littérature contemporaine</i>, I, p. 302 [<i>Nota do Editor</i>: Disponível em: <span style="color: #0003ff;">https://archive.org/stream/etudescritiques02schegoog#page/n333/mode/2up </span>. Acesso: 02/08/2017].</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>88.</b> Antonio Tari, o célebre professor de estética da Universidade de Nápoles, reportando-se a Schopenhauer, diz que no Tibete costumam representar uma pequena comédia teológica, na qual o Dalai Lama disputa com o arquidiabo sobre a realidade ou a idealidade do mundo. Satã, realista, desavergonhado, declama sobre o infalível testemunho dos sentidos. O Lama, respondendo, raciocina sobre a vaidade fenomenal do conhecimento. Depois de um torneio cômico de razões <i>pró</i> e <i>contra</i>, os disputantes, de comum acordo, entregando ao azar a decisão da contenda, jogam a dados a solução metafísica do enigma do universo; e o diabo perde a vaza. [<b>16</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 16:</b> Antonio Tari, <i>Appendice di lettere quattro alla monografia </i><span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">“</span><i>Ente, spirito reale”</i> (1883), p. 63.</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><b><span style="font-size: x-large;">V</span></b></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>89.</b> O grande feito filosófico de Kant foi a indagação do órgão do conhecimento, o estudo da razão humana. O que é que a esta razão se pode atribuir como próprio, originariamente próprio, antes de toda e qualquer experiência? A filosofia dogmática tinha respondido até então: Deus, liberdade, imortalidade, eternidade, etc. A filosofia sensualista atalhava dizendo: não há tal, só existem formas sensíveis, que a razão recebe do mundo exterior.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>90.</b> Kant, porém, respondeu: nenhuma outra coisa senão <i>espaço</i> e <i>tempo</i>. São estas as formas puras e originais, em que a razão funde todas as matérias da sensibilidade externa, e com cujo auxílio pomos em ordem o mundo inteiro. A atividade ordenadora da inteligência (<i>Verstand</i>), que é quem eleva o grau de efetivo conhecimento o material fornecido pela sensibilidade, se exerce por meio das categorias, que Kant admitia em número de doze.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>91.</b> Entretanto, como Kant mesmo não atribuía a estas categorias um valor <i>apriórico</i> absoluto, não foi muito que Schopenhauer, segundo a sua própria expressão, atirasse-as todas pela janela, reservando somente a <i>causalidade</i>, em sua quádrupla raiz, isto é, como fundamento ou razão da <i>existência</i>, do <i>desenvolvimento</i>, do <i>pensar</i> e do <i>querer</i>.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>92.</b> Tal é a simples mecânica do nosso conhecimento. Apreciando a grandiosa descoberta de Kant, Schopenhauer se confessa sectário do idealismo levantado sobre ela, com a seguinte declaração:</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><i>Espaço, tempo e causalidade</i> não são propriedades das coisas, mas são puramente <i>ideais</i>, isto é, existem somente em nossa cabeça. Nós não estamos no tempo e no espaço, mas o tempo e o espaço estão em nós. A essência da <i>coisa em si</i>, fora destas formas da intuição, é imperscrutável.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota do Editor:</b> Esta citação refere-se a Schopenhauer, <i>O mundo como vontade e representação</i>, Livro Primeiro, §3.</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>93.</b> Já daqui se depreende quanta razão tinha o chamado Buda da Alemanha em dizer orgulhosamente que Kant até ele, a despeito de toda gritaria, a filosofia não dera um passo para diante.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>94.</b> Foi ele quem melhor sondou o fundo da filosofia crítica; e podemos repetir com Hans Kleser que, ainda quando Schopenhauer nada mais tivesse feito, senão desviar os alemães de Schelling e Herbart, Fichte e Hegel, para obrigá-los a recuar e voltar a Kant, cuja pura língua ele tornou ainda mais lúcida e mais bela, só por isso merecia um lugar importante na história da ciência alemã. [<b>17</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 17:</b> <i>Kölnische Zeitung</i>, nº 8, 1888. <span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">“</span>Betrachtung zu Schopenhauer 100 Geburtstag am 22 Februar 1888” [<i>Tradução do Editor</i>: Consideração a Propósito do Centenário do Nascimento de Schopenhauer, <i>Gazeta de Colônia</i>, 22/02/1888].</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>95.</b> Schopenhauer dizia de Kant que seu principal mérito consistia em ter derrubado a filosofia escolástica com as suas pretensas provas da existência de Deus. Pode-se também dizer de Schopenhauer que o seu maior merecimento foi lançar do trono os imediatos discípulos de Kant, e elevar de novo o grande filósofo à sua verdadeira altura. É um fenômeno, ainda hoje digno de estudo, a diversidade de sentido a que se prestou o kantismo entre os filósofos do tempo, sendo aliás incontestável que o mesmo autor da <i>Crítica da razão pura</i>, além de ser claro na exposição da sua filosofia, não perdeu posteriormente ocasião alguma que se lhe oferecesse para melhor acentuar o seu pensamento. [<b>18</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 18: </b>Isto destoa do modo de ver mais seguido, que é atribuir a Kant uma obscuridade insuperável. Porém, tal obscuridade não passa de uma <i>história de franceses</i>, criada e fomentada por V. Cousin, que não era um filósofo, que achava, portanto, incompreensível tudo que ia além do chamado <i>senso comum</i>.</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>96.</b> Entretanto os discípulos divergiram entre si na maneira de compreender o mestre. Além de Reinhold e Fries, que fundaram, aquele a primeira, e este a segunda escola kantesca em Jena, os nomes de Fichte, Schelling, Hegel, Oken Herbart e Krause indicam outras tantas direções da evolução do kantismo.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>97.</b> Mas esta divergência não provinha das dificuldades inerentes ao sistema, porém, sobretudo, da abundância de ideias novas, da riqueza de pontos de vista, dos quais cada um dos discípulos tomava o seu e acreditava poder, somente daí, dominar todo o horizonte do mundo filosófico.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>98.</b> Ainda em vida do filósofo, e logo depois mesmo da publicação da <i>Crítica</i> foram tais as falsificações da sua doutrina interpretada por alguns em sentido exageradamente idealístico, que ele viu-se obrigado a protestar. Vale a pena referir um desses protestos.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>99.</b> Ei-lo aqui:</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">O princípio de todos os verdadeiros idealistas, desde os eleáticos até o bispo Berkeley, está contido na seguinte fórmula: todo conhecimento adquirido por meio dos sentidos não é mais do que simples aparência, e só nas ideias do entendimento e da razão pura existe a verdade. Pelo contrário, o princípio que dirige e determina o meu idealismo, é o seguinte: todo conhecimento das coisas por meio do puro entendimento ou da pura razão é simplesmente aparente, e a verdade só existe na experiência.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota do Editor:</b> Esta citação refere-se a Kant, <i>Prolegômenos a toda metafísica futura, que queira apresentar-se como ciência</i>, §13, Observação III.</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>100.</b> Como se vê, uma completa antítese entre um e outro modo de pensar. Nada mais falso, portanto, do que a opinião que ainda hoje vigora entre nós de ter sido Kant um perfeito idealista, e de formar o seu sistema um dos mais belos triunfos do racionalismo moderno.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>101.</b> É certamente um erro clamoroso, que só se explica por total ignorância das obras do filósofo. Esse lado realístico da sua teoria, Kant esforçou-se por tornar cada vez mais saliente, quer nos <i>Prolegômenos</i> escritos para esclarecer a <i>Crítica da razão pura</i>, quer nas reformas e correções da segunda edição da mesma <i>Crítica.</i> </span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>102.</b> Se todo o nosso saber pressupõe a intuição dos sentidos, como seria possível uma ciência do que está acima dessa esfera? Uma psicologia, uma cosmologia e um teologia racionais são três brincos do pensamento, são três ciências fantásticas, sobre as quais não há, nem poder haver certeza de que correspondam a alguma coisa de real e objetivo.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>103.</b> Kant demonstrou uma vez por todas a impossibilidade de uma ciência do <i>hipersensível</i>. Se a sua cabeça tivesse sido vazada no mesmo molde da de Augusto Comte, pode-se dizer afoitamente que o <i>positivismo</i>, com a sua estreiteza de âmbito e a sua fátua pretensão de eliminar do espírito humano o elemento metafísico, sem dar-se ao trabalho de inquirir e estudar a sua fonte, o <i>positivismo</i>, como hoje vemo-lo, teria primeiro aparecido com Kant.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>104.</b> Mas o grande filósofo alemão, antes de tudo, era um homem sério, além de ser um espírito sadio. Reconhecendo o que havia de ilusório no velho dogmatismo filosófico, não se deu todavia por satisfeito com a simples declaração de que o mundo objetivo da metafísica tradicional é uma falsa aparência; ele foi muito mais adiante, para deixar peremptoriamente assentado que a razão humana, por si só, a chamada razão pura, não fornece o conhecimento de coisa nenhuma.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>105.</b> Neste sentido são dignas de especial menção as seguintes palavras do filósofo, tão acertadas, tão cheias de um frescor atual, que dir-se-iam dirigidas ao positivismo dos nossos dias:</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Só a temperança de uma crítica rigorosa e justa pode livrar-nos dessa <i>fantasmagoria</i>, que a tantos conserva presos pelo atrativo, de imaginária felicidade, e restringir todas as nossas pretensões exclusivamente ao campo da experiência possível, não por meio de <i>insípida zombaria</i> das tentativas tantas vezes malogradas, ou por meio dos <i>pios lamentos</i> sobre os limites da nossa razão, mas mediante uma demarcação dos seus domínios, executada segundo princípios certos, a qual com a maior segurança inscreve o seu <i>não mais adiante</i>, nas colunas hercúleas, que a natureza mesma levantou, para continuar a viagem da razão somente até onde se estendem as plagas da experiência, que nós não podemos abandonar, sem aventurarmo-nos a um oceano sem margens, que sob aspectos sempre enganadores afinal nos obriga a abrir mão de todo o penoso e demorado esforço, como incapaz de nutrir a mínima esperança. [<b>19</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 19:</b> KANT, <i>Sämmtliche Werke</i> (Rosenkranz und Schubert), III, p. 314.</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>106.</b> Em outro lugar ainda ele disse com mais clareza:</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.4px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Para instigar a razão contra si mesma, fornecer-lhe armas de ambos os lados e assistir então tranquilo e desdenhoso ao seu violentíssimo combate, parece um ato de malignidade. Querer recomendar a convicção e confissão da própria ignorância, não só como remédio contra a presunção dogmática, mas também como o único modo de terminar a luta intestina da razão, é um propósito inteiramente inútil, que não pode de modo algum contribuir para dar à mesma razão um complemento e definitivo repouso.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>107.</b> Perfeitamente. Sem querer e sem saber, Kant talhou uma carapuça, que assenta em cheio na cabeça dos positivistas hodiernos.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>108.</b> Estes senhores, que vivem sempre a falar de uma <i>disciplina mental</i>, a que o seu sistema os subordina, e pela qual não lhes é lícito transportar uma certa ordem de ideias, ignoram duas coisas: 1ª — que essa disciplina, tomada no sentido de só dever-se estudar e aprender o que Comte mandou que se estudasse e aprendesse, é uma dogmática de novo gênero, e, como todas as dogmáticas, um processo de encurtamento e atrofia cerebral; a 2ª — que uma vez admitida a necessidade de uma disciplina da inteligência, em sentido mais elevado, é preciso reconhecer que foi Kant quem a criou.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>109.</b> Em mais de uma passagem das suas obras o filósofo insiste na ideia de que a utilidade da crítica da razão pura é de caráter negativo, pois que ela não serve de órgão para aumentar o nosso saber, porém de <i>disciplina</i> para determinar os seus limites; em lugar de descobrir verdades, tem apenas o merecimento de prevenir erros.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>110.</b> Assim como o mister da filosofia em geral consiste mais em cortar do que fazer brotar luxuriosos rebentos, assim também a crítica da razão é o meio de arredar a oca presunção de sabedoria. Ela mantém-se para com a metafísica escolástica exatamente como a química para com a alquimia, ou como a astronomia para com a divinatória e predizente astrologia. [<b>20</b>]</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 20:</b> KANT, <i>Sämmtliche Werke</i> (Rosenkranz und Schubert), II, p. 384 e 613; III, p. 352.</p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>111.</b> Não ficamos aí. Segundo o nosso filósofo, há dois modos de conhecimento racional: por intuição e por conceitos. O conhecimento por intuição é matemático; o conhecimento por conceitos é filosófico. Todos os puros juízos da razão ou princípios apodícticos, no primeiro caso, são <i>mathemata</i>; no segundo, são<i> dogmata</i>.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>112.</b> Mas não há uso dogmático da razão, não há conhecimento racional que se refira imediatamente à essência da natureza das coisas. Os dogmas filosóficos provocam sempre as suas antíteses. O domínio metafísico, dogmaticamente cultivado, enche-se logo de contradições; ao juízo afirmativo opõe-se o negativo com a mesma pretensão à validade, e em algum lugar de uma ciência acabada e irrefutável, como é a matemática, a metafísica torna-se o campo de batalha de opiniões e sistemas contrários.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>113.</b> Nesta luta, quem toma partido por umas das opiniões opostas mantém-se dogmaticamente. A quem não quer assim proceder, só restam dois caminhos a seguir: ou atacar e refutar uma das duas afirmações, sem por isso defender a outra, ou negar igualmente ambas. Na primeira hipótese, tomamos uma atitude <i>polêmica</i>; na segunda, uma atitude <i>cética</i>.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>114.</b> Mas a atitude polêmica é sempre mais ou menos falsa; e afinal toda <i>polêmica</i> degenera em <i>dogmática</i>. O ponto de vista cético nega todo o conhecimento racional, e em lugar de uma imaginária e pretendida ciência das coisas, coloca a convicção da nossa ignorância. Mas sobre que se apoia esta convicção do cético? Com que fundamentos quer ele conhecer e provar a ignorância da razão humana? Ou com fundamentos da experiência, ou com fundamentos da razão mesma. No primeiro caso, ela é simples percepção; no segundo ela ciência do real.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>115.</b> Suponhamos o primeiro caso, que efetivamente tem lugar no cético, e veremos que o ceticismo não repousa sobre nenhuma base geral e necessária, não descansa em nenhum princípio, é simplesmente uma tese empírica, que, incerta e vacilante, como todas do mesmo gênero, está por sua vez sujeita à dúvida, e deste modo facilmente se dissolve.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>116.</b> Se, porém, a convicção cética é haurida no estudo que se faz da natureza da razão humana, se ela é baseada em princípios, então é uma ciência dos limites da mesma razão, um verdadeiro e real conhecimento. O ceticismo, pois, ou é <i>incientífico</i> e por isso infundado, ou, se é científico, não é mais <i>cético</i>, porém <i>crítico</i>.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>117.</b> Esta diferença do ponto de vista cético e crítico pode torna-se ainda mais saliente por uma comparação tirada do geógrafo e do observador comum. Este conhece somente os limites do seu horizonte, ao passo que aquele conhece os limites da terra e da geografia em geral. Como o empírico e o geógrafo mantêm-se entre si relativamente à explicação do horizonte humano, assim mantêm-se o filósofo cético e o filósofo crítico no tocante à explicação do conhecimento.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>118.</b> O filósofo crítico é o geógrafo racional; ele conhece o diâmetro da razão, sua extensão e seus limites, ao passo que o filósofo cético só presta atenção aos seus términos exteriores, e tem da sua verdadeira constituição uma ideia tão pouco desenvolvida como aquele empírico que só sabe explicar os limites do horizonte pela experiência sensível, sem conhecer a verdadeira forma da Terra.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>119.</b> Que nosso horizonte é limitado em todos os casos — nisso estão de acordo a percepção empírica e a ciência geográfica, mas as razões explicativas são diferentes. Assim podem também o filósofo cético e o filósofo crítico harmonizar-se na mesma afirmação, que aliás eles fundamentam de modo mui diverso.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>120.</b> Compare-se por exemplo Kant com Hume, a quem mesmo Kant considerava <span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;">“</span>o mais talentoso dos céticos”. Para ambos a <i>causalidade </i>é um conceito, que só tem valor empírico. Mas o filósofo cético afirma que o conceito da causalidade é formado por meio da experiência, ao passo que o crítico sustenta que a experiência é formada por meio desse conceito.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>121.</b> Eis aí. É preciso não conhecer de Kant, se não o nome, para comungar a errônea ideia de ter sido ele um metafísico, um racionalista, um <i>vidente</i> de coisas transcendentais e <i>invisíveis</i>, como tantos outros, que têm enchido de sonhos e disparates a história da filosofia. A verdade está na afirmação contrária.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>122.</b> A obra decisiva de Kant consiste justamente em que por meio dele a filosofia dogmática tornou-se filosofia crítica, ou, como disse Schiller, em ter ele, da razão filosofante, restabelecido a sã razão.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>123.</b> Há mais de trinta anos (1857) Rudolf Haym falava de uma <i>filosofia do futuro</i>, que deveria ser de novo uma filosofia crítica. Chegou enfim essa época de renovação filosófica, que já foi dignamente iniciada pelos trabalhos de Hartmann, Noiré, Spir, Fortlage e outros. Resta somente que os espíritos, para quem a filosofia não é assunto de entretenimento banal, mas uma das mais nobres ocupações do pensamento humano, saibam aproveitar-se do exemplo e da lição dos mestres.</span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><span style="font-size: medium;">FIM</span></p>CEFIB, IFCS, UFRJhttp://www.blogger.com/profile/06030997400061384825noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8628330238264833009.post-78095505653167881532020-10-06T10:07:00.014-03:002020-11-30T10:31:14.241-03:00Provocação a pensar a partir da própria fonte: o problema da igualdade em Antônio Vieira<p><span style="font-size: medium;"><span style="font-family: arial; text-align: justify;"><span>§§13 a 16 do </span><i>Sermão de Santo Antônio</i><span> (1642), de autoria do Padre Antônio Vieira. </span>Texto completo disponível em: </span><a href="http://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com/2016/01/sermao-de-santo-antonio.html" style="font-family: arial; text-align: justify;"><span style="color: #2b00fe;">http://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com/2016/01/sermao-de-santo-antonio.html</span></a></span></p>
<p style="font-family: arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-family: "arial unicode ms"; font-stretch: normal; line-height: normal;"><span style="font-size: large;">☛</span></span><span style="font-size: medium;"> Em tempos de pandemia, com muito mais razão se justifica o combate à desigualdade. Neste momento, quando já estão registradas mais de 172.000 mortes por COVID-19 no Brasil desde o primeiro óbito (12/03/2020), mais uma vez se nos revela a evidência de que quanto mais exacerbadas as diferenças entre segmentos de uma população, separados por diferentes condições de cidadania, maior a vulnerabilidade dessa população como um todo no combate ao inimigo comum.</span></p>
<p style="font-family: arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-family: "arial unicode ms"; font-stretch: normal; line-height: normal;"><span style="font-size: large;">☛</span></span><span style="font-size: medium;"> No contexto teológico dos sermões de Padre Antônio Vieira, o combate à desigualdade enquanto doença social endêmica se justifica a partir das leis de natureza: se nas circunstâncias da luta pela vida devemos acreditar, como sendo uma verdade absoluta, que somos iguais por natureza, isto se deve só à consciência de si como sendo mortal; com base nessa evidência de caráter transcendente, as condições e os limites de ação sujeitos à força da lei se impõem a todos, sem excessão, como um ônus necessário à justiça e ao civismo.</span></p>
<p style="font-family: arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p>
<p style="font-family: arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: "apple symbols"; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center; text-indent: 36px;"><span style="font-size: large;"><b>∭</b></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>13</b>. (...) Convida Cristo aos homens para a aceitação e observância de sua Lei, e diz assim: <i>Venite ad me omnes, qui laboratis, et onerati estis, et ego reficiam vos</i> [Mt. 11,28]. Vinde a mim todos, que tão cansados e molestados vos traz o Mundo, e eu vos aliviarei: <i>Tollite jugum meum super vos, et invenietis requiem animabus vestris</i> [Mt. 11, 29]. Tomai o meu jugo sobre vós, e achareis descanso para a vida: <i>Jugum enim meum suave est, et onus meum leve</i> [Mt. 11, 13]: Porque o jugo de minha Lei é suave, e o peso de meus preceitos é leve.</span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>14</b>. Ora, se tomarmos bem o peso à Lei de Cristo, havemos de achar que tem alguns preceitos pesados, e, segundo a natureza, assaz violentos. Haver de amar aos inimigos, confessar um homem suas fraquezas a outro homem, bastar um pensamento para ofender gravemente a Deus e ir ao inferno, estes e outros semelhantes preceitos não há dúvida que são pesados e dificultosos, e por tais os estimou o mesmo Senhor, quando lhes chamou Cruz nossa: <i>Tollat Crucem suam, et sequatur me</i> [Mt. 16, 24]. Pois se os preceitos da Lei de Cristo, ao menos alguns, são cruz pesada, como lhes chama o Senhor jugo suave e carga leve: <i>Jugum enim meum suave est, et onus meum leve</i>? Antes de o Senhor lhes chamar assim, já tinha dito a causa: <i>Venite ad me omnes</i>. A lei de Cristo é uma lei que se estende a todos com igualdade, e que obriga a todos sem privilégio: ao grande e ao pequeno, ao alto e ao baixo, ao rico e ao pobre, a todos mede pela mesma medida. E como a Lei é comum sem exceção de pessoas, e igual sem diferença de preceito, modera-se tanto o pesado no comum, e o violento no igual, que ainda que a lei seja rigorosa, é jugo suave; ainda que tenha preceitos dificultosos, é carga leve: <i>Jugum meum suave est, et onus meum leve</i>. É verdade que é jugo, é verdade que é peso, nem Cristo o nega; mas como é jugo que a todos iguala, o exemplo o faz suave; como é peso que sobre todos carrega, a companhia o faz leve. Clemente Alexandrino: <i>Non praetergredienda est aequalitas, quae versatur in distributionibus honorando justitiam: propterea Dominus, Tollite, inquit, jugum meum super vos, quia benignum est, et leve</i>.</span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>15</b>. O maior jugo de um Reino, a mais pesada carga de uma República, são os imoderados tributos. Se queremos que sejam leves, se queremos que sejam suaves, repartam-se por todos. Não há tributo mais pesado que o da morte, e contudo, todos o pagam, e ninguém se queixa, porque é tributo de todos. Se uns homens morreram, e outros não, quem levara em paciência esta rigorosa pensão da mortalidade? Mas a mesma razão que a estende, a facilita; e porque não há privilegiados, não há queixosos. Imitem as resoluções políticas o governo natural do Criador: <i>Qui solem suum oriri facit super bonos, et malos, et pluit super justos, et injustos </i>[Mt. 5, 45]. Se amanhece o Sol, a todos aquenta; e se chove o Céu, a todos molha. Se toda a luz caíra a uma parte, e toda a tempestade a outra, quem o sofrera? Mas não sei que injusta condição é a deste elemento grosseiro, em que vivemos, que as mesmas igualdades do Céu, em chegando à terra, logo se desigualam. Chove o Céu com aquela igualdade distributiva que vemos; mas em a água chegando à terra, os montes ficam enxutos, e os vales afogando-se: os montes escoam o peso da água de si, e toda a força da corrente desce a alargar os vales, e queira Deus que não seja teatro de recreação para os que estão olhando do alto, ver nadar as cabanas dos pastores sobre os dilúvios de suas ruínas. Ora, guardemo-nos de algum dilúvio universal, que quando Deus iguala desigualdades, até os mais altos montes ficam debaixo da água. O que importa é que os montes se igualem com os vales, pois os montes são a quem principalmente ameaçam os raios: e reparta-se por todos o peso, para que fique leve a todos. Os mesmos animais de carga, se a deitam toda a uma parte, caem com ela; e a muitos navios meteu nas mãos dos piratas a carga, não por muita, mas por descompassada. Se se repartir o peso com igualdade de justiça, todos o levarão com igualdade de ânimo: <i>Nullus enim gravanter obtulit, quod cum aequitate persolvitur</i>: Porque ninguém toma pesadamente o peso que se lhe distribuiu com igualdade, disse o político Cassiodoro.</span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>16</b>. Boa doutrina estava esta, se não fora dificultosa, e, ao que parece, impraticável. Bom era que nos igualáramos todos: mas como se podem igualar extremos que têm a essência na mesma desigualdade? Quem compõe os três estados do Reino é a desigualdade das pessoas. Pois como se hão de igualar os três estados, se são estados porque são desiguais? Como? Já se sabe que há de ser: <i>Vos estis sal terrae</i>. O que aqui pondero é que não diz Cristo aos Apóstolos: Vós sois semelhantes ao Sal, senão: <i>Vos estis</i>. Vós sois sal. Não é necessária Filosofia para saber que um indivíduo não pode ter duas essências. Pois se os Apóstolos eram homens, se eram indivíduos da natureza humana, como lhes diz Cristo que são sal: <i>Vos estis sal</i>? Alta doutrina de estado. Quis-nos ensinar Cristo Senhor nosso, que pelas conveniências do bem comum se hão de transformar os homens, e que hão de deixar de ser o que são por natureza, para serem o que devem ser por obrigação. Por isso tendo Cristo constituído aos Apóstolos ministros da Redenção, e conservadores do Mundo, não os considera sal por semelhança, senão sal por realidade: <i>Vos estis sal</i>: por que o ofício há-se de transformar em natureza, a obrigação há-se de converter em essência, e devem os homens deixar de ser o que são, para chegarem a ser o que devem. Assim o fazia o Batista, que perguntado quem era, respondeu: <i>Ego sum vox</i> [Jo. 1, 23]: Eu sou uma voz. Calou o nome da pessoa, e disse o nome do ofício, porque cada um é o que deve ser, e se não, não é o que deve. Se os três estados do Reino, atendendo a suas preeminências, são desiguais, atendam a nossas conveniências, e não o sejam. Deixem de ser o que são, para serem o que é necessário, e iguale a necessidade os que desigualou a fortuna.</span></p><div><br /></div>CEFIB, IFCS, UFRJhttp://www.blogger.com/profile/06030997400061384825noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8628330238264833009.post-79709551137017710752019-02-25T08:18:00.020-03:002020-11-30T10:57:40.387-03:00Psicologia da mulher<p> <b style="font-family: Arial;"><span style="font-size: medium;">Tobias Barreto</span></b></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;"><span style="font-size: large;">☛</span></span><span style="font-size: large; font-stretch: normal; line-height: normal;"> </span><span style="font-stretch: normal; line-height: normal;">Título original: A Alma da Mulher. </span>Publicado em <i>Estudos alemães</i> (1883), este ensaio foi escrito em épocas diferentes, a propósito da conferência <i>Die Psyche des Weibes</i> de A. Jellinek<i>: </i>em julho de 1874, a Introdução, e em julho de 1881, o restante. Tobias Barreto se propõe fundamentar ideias e argumentos progressistas e modernizadores, então apresentados em projeto quando deputado provincial (1878-1879), para que fosse criada uma escola para mulheres no Recife de nível superior e profissionalizante: o Partenogógio.</p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px;"><span style="background-color: black;"><span style="color: white;"><span style="font-family: "Arial Unicode MS"; font-stretch: normal; line-height: normal;"><span style="font-size: large;">☛</span></span><span style="font-size: large; font-stretch: normal; line-height: normal;"> </span></span></span><span><span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Seus discursos sobre educação da mulher estão disponíveis em:</span></span></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px;"><span><a href="https://archive.org/stream/TobiasBarretoObrasCompletas06EstudosDeDireitoVol.1/Tobias%20Barreto%20-%20Obras%20Completas%2004%20-%20Discursos#page/n45/mode/2up" style="color: blue;"><span style="color: blue;">https://archive.org/stream/TobiasBarretoObrasCompletas06EstudosDeDireitoVol.1/Tobias%20Barreto%20-%20Obras%20Completas%2004%20-%20Discursos#page/n45/mode/2up</span></a><span style="color: blue;">.</span></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: "Apple Symbols"; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><b><span style="font-size: large;">∭</span></b></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><b><span style="font-size: large;">Introdução</span></b></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>1.</b> Adolf Jellinek é um distinto israelita alemão contemporâneo.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>2.</b> Os seus escritos e as suas prédicas, na sinagoga de Berlim, ocupam lugar de honra entre os produtos do gênero, e fazem que o proclamem um estilista perfeito e um brilhante orador: predicados adjacentes, ou superpostos a uma ciência sólida.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>3.</b> O trabalho que tenho presente e que vai ser o assunto deste artigo, não é de natureza apropriada a fornecer a medida, eu digo, toda a medida, do mérito do autor. É uma conferência feita, em 1872, no ginásio acadêmico de Viena, sobre a questão da mulher, encarada e esclarecida pelo lado psicológico. Facilmente compreende-se a impossibilidade, na qual devia achar-se o orador, de vazar em cadinho tão pequeno uma grande porção do ouro da sua mina. Todavia me parece que aí mesmo se podem ver a viveza e lucidez de um vasto espírito.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>4.</b> Falando na questão da mulher, não sei se posso contar com a disposição dos meus leitores para certa ordem de ideias, condensadas nessa frase, e que não são entre nós muito comuns. Porquanto é só de longe em longe que nos chega alguma notícia dos reclamos e protestos de ilustres representantes do sexo feminino, quer na Europa, quer na América, em prol dos seus direitos, desconhecidos e vilipendiados.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>5.</b> Entretanto, não há dúvida de que a mulher e suas relações domésticas e sociais formam um dos problemas superiores, que se debatem na atualidade. É digno de notar-se que, sendo uma das mais robustas propugnadoras da chamada emancipação do sexo a judia Fanny Lewald, célebre escritora e romancista da Alemanha, seja também um homem da mesma raça que pretenda demonstrar, por sua vez, a falta de fundamento, a irracionalidade de semelhante intuito. Se ele atingiu, ou não, o alvo que visara é ponto que entrego inteiro ao juízo do leitor autorizado, sem contudo abdicar a minha opinião de espectador atento e consciencioso sobre o alcance da controvérsia e os modos de resolvê-la. Diz Jellinek:</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.3px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">A essência feminina em sua generalidade, como um fenômeno particular da vida natural e humana, tem sido sempre apreciada, nas diversas fases do desenvolvimento do espírito e da história dos povos; a mulher, porém, como personalidade, com todos os atributos que se ligam a este conceito, foi só nos tempos modernos que se tornou objeto de sérias indagações e fortes debates.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>6.</b> Depois disto, e para comprová-lo, o autor faz uma espécie de resenha das opiniões que dominaram entre vários povos da Antiguidade, a respeito da mulher. A poesia mitológica dos gregos, a filosofia alegórica dos alexandrinos, a mística de muitas confissões religiosas, até os gnósticos cristãos e cabalistas judeus, trovadores, <i>minnesänger</i> e cavalheiros da Idade Média, tudo lhe dá testemunho de não ter sido olvidada a excelência feminina. Como era natural e adequado às proporções estreitas do seu trabalho, o sábio israelita passou rapidamente por esses dados da História e não se quis demorar em extrair, quanto pudera, a substância deles. Há uma coisa, porém, que não merece desculpa: é a maneira, meio atropelada, por que o autor nos apresenta, em épocas diferentes, o conceito psicológico de Eva. Não seria mais conforme ao espírito científico, ou para melhor dizer ao espírito alemão, mostrar, ainda que em ligeiros traços, o desenvolvimento dessa grande ideia, as viagens que tem feito através dos séculos até chegar ao ponto de hoje? Uma vez que se propôs, segundo as próprias expressões, fundar a dignidade da mulher por meio de uma análise filosófica, o método a seguir, e imagino, podia ter sido outro.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><b><span style="font-size: x-large;">I</span></b></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>7</b>. O pensamento que presidiu à <i>confecção</i> das linhas iniciais do presente escrito, é o mesmo que me leva atualmente a continuá-lo e concluí-lo [<b>1</b>]. Se alguma diferença se faz porventura notar entre as ideias de outrora e as ideias de hoje, é tão-somente a que pode consistir entre um estado de florescência e um estado de frutificação. Verdade é que seis janeiros dificilmente passam por um espírito, sem deixar abatidos muitos anelos, muitas esperanças, e não poucas vezes também até muitas convicções. Mas no que toca ao assunto, que nos ocupa, eu pude resistir; depois de tanto tempo de abandono, encontrei o velho alaúde perfeitamente afinado, quero dizer, o coração, como dantes, expansivo e predisposto para a questão da mulher, tanto mais quanto neste ínterim ela tomou uma feição mais correta e enriqueceu-se de novas adesões.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 1:</b> O artigo traz na frente da sua primeira parte a data de 1874; data cuja identidade o leitor terá de notar em mais de um trabalho contido neste volume. Não lhe faço reparo. Todos esses artigos foram começados e publicados naquele ano em um jornal, que dirigi, intitulado <i>Um Sinal dos Tempos</i>. À primeira vista nada importava que eu, continuando-os hoje, lhes desse a data hodierna; mas há uma razão em contrário, que não deixa de ter seu peso: sem a indicação do tempo em que foram publicados, eu correria atualmente, em muitos pontos, o risco de passar por um epígono, se não por um plagiário. Não se levará pois a mal que queira livrar-me de tal pecha; é isto ainda uma das formas da probidade literária.</p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>8</b>. O ilustre rabino, a quem aprouve reforçar também com a sua quota o capital, já tão crescido, de prejuízos obscurantes sobre a natureza, o destino, a vocação feminina, se a esta hora ainda existe, não deve olhar com muito orgulho para o seu trabalho de 1872, que bem pudera denominar-se um ensaio de <i>ginecologia bíblica</i>; deve antes sentir-se tristemente impressionado de ver que as suas ideias, ainda que elevadas pouco acima do nível do senso comum, que é a chamada filosofia do povo, não conseguiram ganhar terreno. A parte louca da humanidade, aquela que gira em elipse alongadíssima em torno da velha prática da vida, e que é dotada de maior grau de adaptabilidade, insiste no seu propósito de outorgar à mulher, na esfera da prosa, uma fração ao menos do que se lhe confere na esfera da poesia.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>9</b>. E a questão já chegou a tal ponto, que os doidos entusiastas da emancipação de Eva começam a ser os mais arrazoados no debate. Já vai soando como um ruído de matraca a pretensão fradesca de não abrir-se no <i>gineceu</i>, nem sequer uma janela, que dê para o grande mundo, para a vida em pleno ar, e de permitir-se apenas uma fresta, por onde a mulher veja somente o céu. O nosso autor não leva tão longe, é verdade, as suas exigências de oposicionista convicto; mas não é por isso menos errôneo e inaceitável o seu ponto de vista. O seu ponto de vista, disse eu; porém não é de todo exato. O sábio israelita não pisa em terreno próprio. A sua intuição sobre a mulher, a despeito das graças e encantos do seu bom dizer, é a mesma velha intuição judeu-cristã: a perpétua dependência e inferioridade feminina, ou antes a mulher rainha e súdita, senhora e escrava ao mesmo tempo. É debalde que o autor entoa aqui e ali um salmo à beleza e a uma ou outra excelência psíquica da companheira do homem; o conceito geral não se modifica: é sempre a mulher exclusivamente votada à vida da família, a mulher sem autonomia, sem iniciativa, sem talento, sem originalidade. E tudo isto sob que pretexto? Ainda sob o de um plano divino, ou de uma lei da natureza.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>10</b>. Eu não contesto que nas atuais relações de subordinação e dependência da mulher para com o homem há uma certa regularidade, uma espécie de <i>conformação ao fim</i>, para que ambos existem. Mas justamente no modo de apreciar este fato é que reside o erro da escola, a que se filia Adolf Jellinek. Além de que as coisas regulares ou irregulares são como as boas ou más, das quais diz Shakespeare (<i>Hamlet, Ato II, cena 2</i>) que não o são por si mesmas, que é o pensamento quem as torna tais, acresce que a sociedade, bem como a natureza, sem ser dominada por um princípio de finalidade, pode chegar a resultados de caráter finalístico. E se é possível, por meio da seleção natural ou artística, interromper a série evolutiva de fenômenos que já atingiram esse grau de regularidade, e por um processo de diferenciação dar a uma classe de seres qualidades novas, nenhuma razão milita contra a possibilidade de abrir novos caminhos ao desenvolvimento feminino, de apagar pela instrução, que também é um meio de seleção, a inferioridade atual da mulher e colocá-la dignamente ao lado do homem. É esta a grande questão, de que aliás Jellinek parece ter tido apenas um vago pressentimento. Assim encarado, o problema tem outra face; e para a sua solução, ou antes para tentar resolvê-lo, pois que todas as soluções de problemas humanos rara vez transpõem os limites da tentativa, já não basta alegar que a mulher é um ente fraco, mais receptivo que produtivo, mais sensível que inteligente, etc. etc.; porquanto tudo isto se concede, mas tudo isto não envolve para ela a impossibilidade de uma adaptação superior à herança e por conseguinte de uma transformação de potências, de um aumento de predicados.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>11</b>. O nosso autor, por um ato de lealdade não comum, declara reconhecer que o assunto em questão oferece logo em princípio uma séria dificuldade; e é que, no presente estado das coisas, é impossível formar um juízo seguro sobre o espírito feminino e aplicar uma justa medida às atitudes intelectuais do belo sexo, atento que, por efeito dos prejuízos sociais, as mulheres não têm podido até hoje desenvolver e pôr em prova as suas capacidades. A objeção é realmente séria; mas o autor não hesita em dá-la por facilmente respondível, alegando, como resposta, que no presente estado social nós temos ocasião bastante de observar a vida espiritual do outro sexo e destarte convencer-nos de que a psique masculina e a psique feminina não são idênticas; modo este de discorrer, que não passa de um crasso paralogismo, e não deixa de provocar um riso de desdém.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>12</b>. Em defesa de sua tese Jellinek ainda invoca a chamada economia da natureza, que nada faz superfluamente, que não se repete em seus tipos... Mas ele não se lembra que a natureza é como Deus, que se presta a ser invocado, com igual direito e chances iguais de triunfo, por qualquer de duas hostes beligerantes; nada resolve, por conseguinte. Diz ele:</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.3px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Enquanto a voz masculina de uma mulher for, como é, uma coisa chocante e estranhável, nós teremos também por justificado o falar-se de uma psicologia feminina…</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>13</b>. Sim, senhor; mas o que prova isto? Absolutamente nada em relação ao tema proposto. De bom grado concedo a existência de uma psicologia feminina, mas... Quem a faz? Quem lhe formula as leis? Jellinek tem o defeito comum a todos os comungadores da mesma ideia: só parece que, ao menos uma vez na vida, já fizeram parte do sexo amável, tal é o tom de segurança com que falam, <i>psicologicamente</i>, das fraquezas da mulher.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>14</b>. Eu não duvido em subscrevê-lo: a mulher com qualidades másculas, a mulher ossuda e barbada, é na verdade um fenômeno chocante, e autoriza-nos a pressupor uma grande diferença entre os papéis de cada sexo; mas também é certo, que, enquanto se nos não explicar plausivelmente, por que razão, uma vez admitida a unidade de lei no desenvolvimento das espécies, o pavão, por exemplo, é mais bonito que a pavoa, o galo mais que a galinha, o novilho mais que a novilha, o leão mais que a leoa, só a mulher entretanto é mais bonita que o homem, nós temos o direito de admitir uma superioridade feminina e de reclamar para ela as regalias que entendemos competir-lhe.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><b><span style="font-size: x-large;">II</span></b></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>15</b>. A chamada questão da mulher, depois de atravessar a fase poética e retórica, na qual se queimou muito incenso em honra da <i>deusa</i>, e também, conforme os gostos, muito grito de execração se fez ouvir contra a <i>diaba</i>, depois de deixar o estado crepuscular do idealismo fantástico, chegou enfim ao pleno dia do realismo científico, onde até a estatística com toda a fria prosa dos seus dados, não se recusa a lhe prestar serviços. Não se trata mais hoje pois de escrever livros à saúde da mulher. Cessou o banquete dos deuses, e com as musas que adormeceram, emudeceu também a lira dos poetas. Bem entendido, não para sempre, por algum tempo somente; pois dá-se no domínio ginecológico alguma coisa de semelhante ao que se dá no domínio astronômico: por mais longe que vá o espírito observador, nunca poderá afirmar ter conhecido tudo que é cognoscível e capaz de entrar no campo objetivo dos seus instrumentos de observação; e é justamente esta esfera de conjeturas e pressentimentos, tangente ao círculo, grande ou pequeno, do nosso saber, quer no distrito das estrelas, quer naquele dos belos olhos femininos, que há de sempre constituir o mundo da poesia.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>16</b>. Com razão diz Elisa Oelsner, relativamente a este ponto:</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.3px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Assim como para a consciência religiosa o deus transcendente tem ido pouco a pouco se transformando em deus imanente, assim também o nosso batalhar pelo futuro não se dirige mais a ideais de além, infinitamente longínquos, porém os modelos do nosso produzir saem de nós mesmos, do nosso saber e poder, e este idealismo, que quer o que pode, e por isso pode o que quer, parece-nos o único autorizado; os esforços que vão além dele são pura fantasmagoria. [<b>2</b>]</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 2:</b> <i>Frauen-Anwalt, </i>1 Jahrgang, p. 99.</p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>17</b>. Todo e qualquer escrito, por conseguinte, que se propõe na época hodierna adicionar uma página ao grande livro do chamado sexo fraco, é anacrônico e atrasado, desde que não encara a questão pelo seu lado prático, mas se limita a repetir, com bem poucas variações, o tema popular, que se assobia nas ruas, quero dizer a velha cantiga da <i>beleza feminina</i>, unida à incompetência para outros misteres, que não sejam os do conchego familiar, e da sua <i>despoetização</i> pelo contato com a vida política e social.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>18</b>. Não sei mesmo como um espírito, qual Adolf Jellinek, julgou poder, na terra de Betty Paoli, opor um dique à corrente em que se imergem Marianne Hainisch, Auguste Wilhelmine von Littrow, Johanna Leitenberger, Josefina Wertheimstein e outras muitas naturezas demoníacas, com frases de passageiro efeito e cediços conselhos de prudência. [<b>3</b>]</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 3:</b> A expressão “naturezas demoníacas”, que não duvido pareça estranha, eu a emprego com o propósito de firmar a antítese que existe entre mulheres inteligentes e cônscias do seu destino, de um lado, e de outro lado o grande número de simplórias, frias, indiferentes, mal sabendo externar uma ideia, que se eleve alguns pontos acima do <i>mezzo soprano </i>da moda, do tricô e do crochê, mulheres bonecas, em que se pode, é verdade, adivinhar umas lindas e polpudas pernas, um umbigo ideal, delícia dos olhos ou de qualquer outro sentido ainda mais exigente, e que faria lembrar o próprio <i>alabastrum unguenti pretiosi, </i>derramado sobre a cabeça do Cristo, mas também se reconhece um espírito paupérrimo, e às quais aliás se dá o título de naturezas angélicas, sem dúvida por já mostrarem na terra o idiotismo transcendental que as espera no céu.</p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>19</b>. Os escritores que ainda se dão ao trabalho de bradar contra as justas pretensões da mulher, têm o ar de quem se julga único iniciado nos grandes mistérios de um olhar amoroso, ou de um arfar de seio feminino. Dir-se-ia que só eles conhecem, que só eles experimentaram a magia de um abraço, ou a inebriante doçura de um beijo, e que por isso tratam de mostrar a nós outros, pobres profanos, a quem são desconhecidas estas divinas coisas, que a mulher não é isso que nós pensamos, mas um ente à parte, o qual ao muito pode entrar conosco na luta pela vida em sua forma rudimentar, que é a conquista do <i>pão quotidiano</i>, porém nunca entrar conosco na luta pelo direito, pela luz, pela verdade!... São muito ingênuos estes senhores! Também nós sabemos que gosto tem o néctar, e de que carne é feito o manjar dos numes; mas não é este o ponto em discussão. O desenvolvimento da essência feminina, no sentido de concentrá-la e reduzi-la ao círculo único da família, tem sido natural e regular? Além do teatrinho do lar doméstico, em que ela realmente representa o primeiro papel, não há um teatro mais vasto, onde ela possa expandir talentos e forças ainda não aproveitados? Em uma palavra, a mulher é instrutível pelo mesmo modo e nas mesmas proporções que o homem? Eis a questão, que aliás não é mais uma tal, visto como já bem pouco falta para dar-se, pelo menos no campo da teoria, a vitória completa da emancipação feminina.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>20</b>. O começo de toda cultura, diz Julius Fröbel, é uma oposição à natureza, oposição que não se envergonha de dar até preferência ao que é antinatural, só para documentar o direito do capricho [<b>4</b>]. Esta asserção envolve uma verdade profunda, que bem explica, por que razão a mulher, desde os primeiros tempos, foi tolhida em seu desenvolvimento natural e mandada seguir um caminho, que nunca poderá levá-la ao cimo do outeiro, onde há séculos a esperam seus títulos e seus direitos. Releva porém saber, se este falseamento da evolução histórico-humana, no que pertence ao <i>belo sexo</i>, é ou não suscetível de correção [<b>5</b>]. Eu creio que sim; e o meio de corrigir uma tal cenogênese, individual e social, é sobretudo a instrução, profunda e seriamente ministrada, de modo a despertar e acender no espírito feminino em geral uma centelha, que rara vez tem brilhado, isto é, o sentimento da personalidade, a consciência do próprio valor. O cérebro da mulher ainda não está atrofiado e, à falta de exercício, reduzido à inércia funcional dos olhos da coruja, ou das asas da ema. Ainda é possível uma reação salvadora, que aliás só pode vir pelo meio indicado. Desta espécie de renascimento do sexo feminino depende, em alta escala, o futuro da humanidade. Quem espera frutos do futuro, diz Heinrich von Sybel, deve bem cuidar das flores da atualidade, e a melhor florescência de um povo são justamente as suas mulheres.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 4:</b> <i>Die Gesichtspunkte und Aufgaben der Politik</i>, p. 243.</p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><br /></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 5:</b> A velha frase <i>belo sexo</i> já me vai causando suspeitas; quer parecer-me que ela, por si só, exprime tudo que há de frívolo e leviano no modo comum de apreciar a natureza feminina. Dá-se com o <i>belo sexo</i> o que se dá com as <i>belas letras</i>: assim como, a respeito destas, bem poucos são os que consideram-nas mais que um assunto de puro entretenimento, assim também, a respeito daquele, são raríssimos os que se elevam acima do ponto de vista, não direi estético, mas puramente plástico; e este é o mal, que deve ser combatido.</p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>21</b>. Minha ideia, pondere-se bem, a ideia que eu esposo, não é a da rápida transição de um extremo a outro. Nada haveria de mais perigoso do que essa passagem, por exemplo, da <i>Silencieuse à Philosophie des Unbewussten</i>... A natureza não dá saltos; mas seria um <i>salto mortale</i> a troca imediata da familiaridade com Isaac Singer ou Elias Howe pela familiaridade com Hartmann ou Schopenhauer. Não sigo por esse caminho. Os pósteros poderão um dia compreender e admitir, <i>verbi gratia</i>, uma <i>schopenhaueriana</i> costureira; porém hoje é incompreensível e detestável uma costureira <i>schopenhaueriana</i>, uma costureira filósofa, epíteto este, que, entretanto, caberia de direito a toda e qualquer mulher do nosso tempo e da nossa terra, a quem aprouvesse subitamente emancipar-se da almofada por amor do livro, pois que todas, em última análise, qualquer que seja a sua condição econômica e posição social, não saíram ainda do terreno em que floresce a ciência da agulha e do dedal. <i>Festina lente —</i> também é neste, como noutros pontos, a minha norma de conduta.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>22</b>. Mas não se julgue que, assim opinando, eu queira fazer coro com uma certa classe de <i>netunistas</i> políticos, que não admitem catástrofes, que explicam tudo pelo tempo, que exigem para a extinção de um erro ou o reconhecimento de uma verdade a mesma soma de séculos, que se requer para a formação de um arrecife ou a de um banco de coral [<b>6</b>]. <i>Est modus in rebus, sunt certi denique fines</i>. Da árvore que plantarmos hoje, os nossos netos poderão apenas colher as primeiras flores, mas ao certo já os seus filhos estarão no caso de recolher os frutos.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 6:</b> O destino tem ironias!... A minha querida Alemanha é a criadora ou pelo menos a formuladora da <i>teoria da evolução</i>, que em muitos casos não passa de uma <i>teoria da paciência</i>, por força da qual o plutonismo político e social é um ataque à história, um absurdo científico. Entretanto, dificilmente encontrar-se-á, nesta esfera, um fenômeno plutônico mais caracterizado do que a súbita elevação da pátria de Kant ao grau de primeira potência política do mundo atual; elevação merecida, sem dúvida, mas nem por isso menos inesperada e fora dos cálculos comuns, tanto quanto podia sê-lo o aparecimento de uma ilha por efeito de uma erupção vulcânica. Já se vê que nem sempre a evolução é suficiente para solver certos embaraços. Da combinação do netunismo com o plutonismo é que pode resultar a verdadeira doutrina, dando-se a cada um o seu papel: ao <i>inconsciente da história</i>, a lentidão das águas no seu labor de acumulação e putrefação; à consciência humana, o rápido processo ígneo dos abalos e agitações necessárias.</p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><b><span style="font-size: x-large;">III</span></b></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>23</b>. No modo de expor os termos do problema, cuja resolução tomou a seu cargo, Jellinek é mais poeta do que filósofo, um poeta porém de antigo estilo, que se delicia na pintura dos mil encantos, mas também na descoberta de cem mil defeitos na face diurna da natureza humana. O seu pretendido estudo psicológico não deixa de apresentar, aqui e ali, observações razoáveis; mas mesmo assim, encarado de alto abaixo, considerado em seu todo, é simplesmente um trabalho de fantasia; mimoso na verdade, mas sempre exagerado. Sobre que classe de seres não se pode idear uma psicologia? As próprias flores têm a sua, a crer-se nos poetas, que lhes conferem este ou aquele sentimento. A psicologia da mulher, por Jellinek, é vazada em molde igual.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>24</b>. Mas o que causa maior estranheza é que o autor, como já fiz sentir, não tomou uma posição definida no campo do combate. Embalde buscar-se-ia saber, como ele se mantém em relação ao grau de cultura, a que deve chegar o sexo feminino; nem uma palavra a tal respeito; antes porém, se é possível algum sinal do seu pensamento neste sentido, encontra-se a velha ideia da vocação exclusiva da mulher para:</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.3px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">dar à vida humana o seu verdadeiro valor, para lidar ao lado do homem, aconselhá-lo, animá-lo, entusiasmá-lo, discipliná-lo, moderá-lo, enternecê-lo, nobilitá-lo, aperfeiçoá-lo.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>25</b>. O que tudo quer dizer: para ser esposa e mãe; missão esta que ninguém ainda negou à mulher, e que não é o que se trata de esclarecer.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>26</b>. Não é sem muita razão que F. P. von Holtzendorff, um dos grandes defensores da causa feminina, assim se exprime:</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.3px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Entre as frases ocas e retumbantes dos modernos tempos, não se acha uma só, que tenha produzido mais confusão ou prejuízo, do que a de <i>vocação natural</i>. A verdade, que nela se desfigura, significa somente que a esposa, mãe e dona-de-casa, tem o seu mais alto e último mister a cumprir no seio da família, não fora dela. Falar de <i>vocação natural</i>, é coisa que teve um sentido, só enquanto foi preciso opor barreira à desnaturalidade da compressão das virgens na vida claustral. Hoje é diferente. A frase de <i>vocação natural</i>, até das que ficam solteiras, é a mais característica fraqueza de cabeça e falta de pensamento, que se retrai diante da atualidade. [<b>7</b>]</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 7:</b> <i>Frauen, Anwalt</i>, 1, p. 53.</p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>27</b>. Nada mais claro e decisivo. Se a mulher existe unicamente, como sói dizer-se, para a vida da família, para as funções supremas de mãe e de esposa, a conclusão é que, uma vez não atingido este alvo, pois que a todas não é dado enfiar no dedo o anel esponsalício, nem o cingir-se da charpa da maternidade é ato que só dependa do desejo de cada uma, a vida da mulher que lá não chega, é uma vida falhada, uma existência espectral, uma peregrinação lastimável. Mas esta conclusão é absurda em si mesma, e ainda mais, porque ela importaria justificar o prostíbulo, quase como uma bela instituição social, estabelecida para corrigir os erros do destino. Assim aqueles que não cansam de repetir o estribilho da chamada <i>vocação natural</i>, deviam lembrar-se, antes de tudo, que no grande baile da vida muita senhora <i>fica sem cavalheiro</i>, que a sociedade não tem à sua disposição o número de <i>noivos</i>, de que carecem as <i>noivas</i>, e que, portanto, é uma extravagância, na educação da mulher, só ter em vista o futuro estado de mãe de família. Pondo de parte o que de mau tem causado esta maneira de ver, atento que mais de um casamento infeliz só deve a sua infelicidade ao velho preconceito, pelo qual a mulher que não casa, é um ente inútil, como o segundo tomo de uma obra de dois, dos quais perdeu-se o primeiro, eu me limito à seguinte observação: dado mesmo de barato que a única missão feminina fosse a de ter filhos e de viver ao lado do homem, há porventura alguma incompatibilidade entre esta nobre missão e um grau superior de cultura? Tão simples é o papel de esposa e mãe, que dispensa a luz intelectual, ou até repele-a como perturbadora do sossego doméstico? Será também uma lei providencial que o homem culto, quando casado, não tenha uma mulher, com quem converse, nem seja por ela entendido?</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>28</b>. Estas perguntas trazem em si mesmas as suas respostas, isto é, o espanto, se não antes o riso, que provocam; e todavia elas são naturalmente suscitadas pela opinião comum a respeito da educação do outro sexo, opinião burlesca e anacrônica, que eu sempre estarei disposto a combater.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>29</b>. Como se vê, a questão central no presente assunto já não é a de saber, de quantas asas se compõe a <i>psique</i> de Eva, ou se ela é realmente apta para os grandes voos, mas somente a de fazê-la entrar com o homem na partilha dos mais altos gozos da vida, que são os gozos da inteligência. E aqui seja-me permitido lembrar ideias, já uma vez por mim enunciadas na defensão deste mesmo tema, quando tive a honra, como deputado provincial, de apresentar um projeto de lei sobre a instrução superior feminina nesta província. [<b>8</b>]</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 8:</b> Este projeto, que teve apenas o <i>succés d'estime</i> de passar em primeira discussão, continha a ideia da criação de um estabelecimento público de cultura literária e profissional para as moças, sob a denominação de <i>Partenogógio do Recife</i>, e dividido em duas escolas: <i>escola média (Mittelschule) e escola superior (Höhere Schule)</i>. Não preciso dizer que a minha ideia pareceu então um sonho de poeta. E possível que hoje, depois que a mãe França entendeu dever, como obrigação do Estado, elevar o nível da instrução do outro sexo, estragada e abatida pelas doutoras do <i>sacré coeur & cia.,</i> já se compreenda o alcance do meu projeto, mas é certo que naquela época (maio de 1879) julgaram-no objeto de deliberação por mera condescendência; e tanto assim foi, que um ano depois, quando eu não era mais deputado, fizeram-no cair em segunda discussão, por ser um projeto “desponderado” e até “imoral” !...</p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>30</b>. Estas ideias, com que preambulei a defesa do projeto por mim apresentado, conservam ainda hoje aos olhos de muita gente, não quero dissimulá-lo, a novidade, o despropósito, a extravagância de então. Mas eu insisto em crer que a verdade está do nosso lado, do lado em que nos achamos todos os propugnadores de um melhor cultivo da inteligência feminina. Em assunto de instrução, sobretudo, é soberanamente injusto que a mulher continue a fazer, em relação ao homem, o papel de Ruth – <i>colligere spicas post terga metentium</i> –, e isto mesmo nos casos excepcionais, pois que de ordinário o seu labor mental não se estenda nem sequer a entrar na seara científica, para apanhar as espigas que caem das mãos dos segadores. Diz Clemens Nohl:</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px 0px 0px 113.3px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Até hoje, em todas as questões da vida pública só se tem imiscuído uma parte da humanidade; à outra tem-se imposto silêncio, conservando-a bem longe das soluções reclamadas, como incapaz de julgar a tal respeito. Chamou-se metade do gênero humano para um trabalho, que só por todo ele pode ser executado. Isto foi uma loucura, que a humanidade mesma tem pago bem caro. [<b>9</b>]</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 9:</b> <i>Ein neuer Schulorganismus</i>, p. 151.</p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>31</b>. Meu ponto de vista é idêntico; e não canso de confessá-lo alto e bom som.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>32</b>. Limitada como tem sido em geral, e como ainda hoje há quem pense que deve ser, não passando além da elementariedade, a instrução feminina é totalmente inútil, e quase podia dizer, perniciosa e fatal. Se já houve quem opinasse que a arte de <i>ler e escrever</i>, sem cultura espiritual propriamente dita, é mais um mal do que um bem, pois importa para os agitadores um meio seguro de propaganda, tendo eles por esse modo um rebanho de leitores dóceis, que não refletem, que não reagem criticamente, parece que isto é aplicável com igual, se não maior propriedade, à instrução elementar feminina. No velho prejuízo, ainda mal extinto atualmente, pelo qual não se admite que a mulher saiba <i>ler e escrever</i>, a fim de não abusar desta <i>ciência</i> com epístolas amorosas, há um fundo de verdade. O <i>abc</i>, reduzido à sua própria eficácia, é uma força perturbadora do equilíbrio moral. Antes a casa de todo não varrida, do que somente começada a varrer e deixada em meio caminho, para acudir-se de pronto a outros misteres: a impressão da imundície fica mais pronunciada. Da poesia do<i> billet-doux </i>à baixa prosa do <i>rol de roupa suja</i> vai apenas a distância de um salto de gato; e todavia são estes os dois polos da esfera literária da mulher, como ela deve ser, segundo o conceito que na prática infelizmente ainda predomina. [<b>10</b>]</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 10:</b> Mais de uma discípula que aproveita de tais <i>colégios</i> não sabe nem sequer conjugar o verbo <i>saber</i>. "V. Excia. far-me-á o obséquio de tocar ao piano um <i>noturno de Chopin</i>?” — “<i>Não sei-o</i>”, é a resposta comum. Bem poucos seriam, na verdade, os que não quisessem fazer dos próprios lábios <i>catechu</i>, para apagar na boca da bela aquela letrinha de mais... Porém o <i>sei-o</i> em vez de <i>sei</i> faz mal aos nervos.</p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>33</b>. Não falta mesmo quem julgue que a honestidade é uma flor selvática, que só viceja em terreno virgem, não revolvido por mãos humanas; que a honradez da mulher é um produto da natureza, e como tal somente medra e floresce na razão inversa do cultivo mental. Singularíssima ideia. É uma triste honestidade aquela que só pode existir por favor da ignorância, ao lado da estupidez. Será de minha parte uma esquisitice, mas eu não compreendo a atitude de certos homens, que calculam o grau da própria ventura pela bruta honradez da <i>cara-metade</i>, sentindo-se elevados e orgulhosos de terem o seu relógio de <i>ouro de lei</i>. Que novidade! Comprar o anel de brilhante como tal, e depois mostrar-se desvanecido e aditado com a legitimidade da pedra!... A honradez na mulher não é um ato, mas um estado; e nesta pressuposição é tão conciliável com a estolidez da mulher de um Haydn, que rasgava-lhe as <i>partituras</i> para fazer embrulhos, como com o talento e ilustração de uma qualquer, que esteja no caso de secundar seu marido no mais difícil dos trabalhos — o trabalho de pensar —, que não viva dele eternamente separada <i>quoad thorum et mensam</i> do espírito. A honestidade feminina, quanto a mim, é uma coisa muito comum e faz parte da bagagem ordinária da vida; é um predicado tão pouco característico desta ou daquela individualidade, como o langor dos cabelos, ou a pequenez dos pés. Não é fenômeno tão singular, nem que custe tanto esforço, para formar-se dele uma virtude, exceto uma virtude que só pode ser garantida pelas quatro grossas paredes da parvoíce. Alguma coisa de análogo, talvez, ao que se dá com a liberdade: deve ser muito poética para quem está na cadeia; porém eu, graças a Deus, acho-a prosaica e trivial, como a água que bebo e o ar que respiro.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>34</b>. Demais, a moralidade que se pretende salvaguardar com a pressão cerebral feminina, está bem longe de ser, como se crê, um rebento da natureza: é um fato de convenção. A moral convencional chega até lá. E para bem explicá-la, seja-me permitido repetir a seguinte narrativa — Um viajante do Oriente achando-se em Constantinopla, saiu uma tarde a passear e contemplar em suas particularidades a cidade dos sultões. Aproximando-se de um parque, onde havia um bosquezinho, cuja sombra era atraente, ele sentiu um murmúrio de vozes humanas; tornou-se curioso, espreitou e viu: odaliscas que se banhavam!... E algumas delas iam então saindo das águas. Que espetáculo! Mas... oh! terror! As belas pressentiram que alguém as lobrigava, e a um grito uníssono, fugiram todas... <i>todas nuas</i>, cada qual mais linda, mais provocadora com a pele de seda umedecida e ondulante,</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><i><span style="font-size: medium;">Comme si, gouttes à gouttes,</span></i></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><i><span style="font-size: medium;">Tombaient toutes</span></i></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><i><span style="font-size: medium;">Les perles de son collier,</span></i></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">em procura dos véus que pendem da folhagem, e com que logo cobrem os rostos, abandonando tudo mais à extática contemplação do feliz observador; pois esta uma lei do Alcorão: a mulher não deixar que o homem lhe veja a cara; o <i>resto</i> é indiferente. Não se parece um tal preceito com o do evangelho sagrado e profano da nossa moralidade, pelo qual está assentado que a mulher saber escrever um livro é coisa que gera suspeitas contra o seu caráter; não assim porém saber escrever uma carta de namoro? <i>Fazer</i> literatura no salão, conversando e discutindo com qualquer homem culto, está fora dos limites da regular instrução feminina, e compromete a sua reputação; mas é justo e regularíssimo fazer teologia com o padre no confessionário... Isto é digno de riso; mas tem também o seu lado sério, o lado triste e lastimável. [<b>11</b>]</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 11:</b> Ao menos enquanto não chegar à época prefixa pelo profeta V. Hugo, o nosso atraso há de ser sempre superlativo em relação a outros países: temos para isso muito boas razões. Mas é consoladora, se não para mim, todavia para outros, a esperança gerada pelo verbo do vidente. Isto é, que no século XX, de 1900 em diante, o Brasil há de ser alguma coisa de grande e extraordinário. Só há a ponderar o seguinte: é que, no mesmo século vindouro, segundo próprio alcance de V. Hugo, a França tem de ser deusa (<i>Paris guide</i>); e como este, muitos outros fatos dar-se-ão, a crer-se no vaticínio do mestre, que aliás são inconciliáveis com a prometida grandeza do Brasil. Oh!... mísera fraqueza humana! O republicano V. Hugo, não achando palavras bastantes para agradecer a honra que lhe adveio da visita de um rei, como Pedro II, deita-se a dormir e sonha maravilhas para esta terra, que esse rei aliás tão desastradamente governa!!...</p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>35</b>. O alteamento da instrução da mulher é um fato já incorporado ao movimento evolucional do processo histórico. [<b>12</b>] É inútil levantar lamentos e objeções a respeito. A faísca do fogo celeste, que alguém já disse continha o coração da mulher fiel, pode carecer, para bem brilhar, da noite da desgraça, mas não carece das trevas da ignorância. Em torno de uma cabeça opaca dificilmente se move um coração luminoso. A ciência não seria digna dos nossos preitos, nem dos nossos sacrifícios, se nas mãos da mulher ela sempre se transformasse em instrumento de perdição. Nem o que se quer em geral, é colocar a mulher na torre solitária da especulação científica. Entre a mulher <i>sábia </i>e a mulher <i>instruída</i>, diz com acerto o holandês van der Wyk, há uma grande diferença, e no que toca à prática da vida, aquela não é mais imprópria e desajeitada do que o homem sábio, a quem não poucas vezes o hábito de pensar confere uma certa aspereza de trato, que não se dá bem com as luvas de pelica. Mas que importa, porque é também o que basta, é ter <i>mulheres instruídas</i>; altura esta que pode ser vingada pelo espírito do sexo, que é um digno irmão do nosso espírito [<b>13</b>]. A chamada <i>questão da mulher</i> não tem outro sentido.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 12:</b> Este assunto já tinha sido debatido na mesma assembleia provincial de Pernambuco, na qual anteriormente ao decreto de 19 de abril de 1879 discutira-se a questão da atitude da mulher para os estudos universitários, a propósito de um pedido de auxílio que fizeram duas distintas moças, a fim de estudarem medicina no estrangeiro; e nessa discussão eu tive alguma parte.</p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><br /></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><b>Nota 13:</b> Irmão mais moço e mais sadio, e pelo que nos diz respeito visivelmente superior em talento. Não é um galanteio de escritor; é uma convicção, a mulher brasileira é, em geral, guardadas as proporções, mais inteligente que o homem. Nota-se-lhe um certo desembaraço, uma certa viveza de intuição que não é comum no sexo masculino, em sua grande maioria assinalado por uma tal inércia devida talvez ao excesso de calor, a cuja maléfica influência o homem está mais exposto. E este fenômeno da superioridade intelectual feminina, salvo uma ou outra incorreção da língua, por falta de instrução, manifesta-se até nos <i>círculos polares</i> de nossa fútil aristocracia, onde as mulheres são quase todas ágeis, vivaces, conversáveis, ao passo que os homens são ordinariamente de uma lastimável curteza de vistas, revelando a cada passo a preponderância do elemento animal.</p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><b>36</b>. Assim estudado, o problema a resolver é muito mais complexo e exigente do que o supôs Jellinek, cumprindo assegurar que para a sua solução, a despeito das forças de que dispõe, o ilustre rabino contribuiu bem pouco.</span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; min-height: 14px; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p style="font-family: Arial; font-stretch: normal; line-height: normal; margin: 0px; text-align: center;"><span style="font-size: medium;">FIM</span></p>CEFIB, IFCS, UFRJhttp://www.blogger.com/profile/06030997400061384825noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8628330238264833009.post-72841801690170699952013-08-31T21:40:00.000-03:002016-11-07T09:43:31.209-02:00Sobre o dever da educação maternal<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="-webkit-font-kerning: none;"><b>Jean-Jacques Rousseau</b></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12px; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="-webkit-font-kerning: none;"><span style="font-size: x-small;">Excerto de <i>Júlia ou</i> <i>A nova Heloísa</i>, Quinta Parte. Tradução e Introdução de Fulvia M. L. Moretto. São Paulo-Campinas: Hucitec-Ed. da Unicamp, 1994, p. 482-505.</span></span><br />
<span style="-webkit-font-kerning: none;"><span style="font-size: x-small;">Notas ao final do texto.</span></span><br />
<span style="-webkit-font-kerning: none;"><span style="font-size: x-small;"><br /></span></span>
<span style="-webkit-font-kerning: none;"><span style="font-size: x-small;"></span></span><br />
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="-webkit-font-kerning: none;"><span style="font-size: x-small;">Romance epistolar, <i>Júlia ou A Nova Heloísa</i> (1761), narra a história de um jovem professor de Filosofia, plebeu, Saint-Preux, que se apaixona pela sua aluna Júlia, mas que não pôde casar com ela porque o pai da jovem, nobre aristocrático, o considerou um pretendente inadequado. Para atender ao interesse paterno, Júlia casa com outro, o Sr. de Wolmar, um rico latifundiário cuja inteligência, compreensão e bondade conquistam sua afeição, mas não desfazem a forte atração de Júlia por Saint-Preux. A tensão entre razão e sensibilidade leva a personagem Júlia a declarar: “Muitas vezes senti-me errada em meus raciocínios, nunca nos impulsos secretos que mos inspiram, e isso faz com que eu tenha maior confiança em meu instinto do que em minha razão” (Segunda Parte, Carta XVIII). Ao abrigo do sentimento de confiança, como necessário à sustentabilidade das relações harmoniosas entre os indivíduos, Júlia preserva tanto sua obrigação moral quanto o seu dever ético no cumprimento do matrimônio e da educação materna, e em consequência a sua fidelidade ao marido, de maneira a transformar sua paixão por Saint-Preux em lealdade e amizade.</span></span></div>
</div>
</div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12px; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: center;">
<span style="-webkit-font-kerning: none;">Carta III<b>(1)</b></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: center;">
<span style="font-kerning: none;">De Saint-Preux a Milorde Eduardo</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; margin-bottom: 5.2px; min-height: 15px; text-align: center;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Tivemos hóspedes nestes últimos dias. Partiram ontem e recomeçamos entre nós três uma união tanto mais encantadora por nada ter permanecido no fundo dos corações que se queira esconder um do outro. Que prazer sinto ao retomar um novo ser que me torna digno de vossa confiança! Não recebo nem uma marca de estima de Júlia e de seu marido sem dizer-me com um certo orgulho da alma: enfim, ousarei mostrar-me a ele. É por vossos cuidados, é sob vossos olhos que espero honrar meu presente estado por minhas faltas passadas. Se o amor extinto lança a alma no esgotamento, o amor subjugado dá-lhe, com a consciência de sua vitória, uma nova elevação e um mais forte atrativo por tudo o que é grande e belo. Seria possível perder o fruto de um sacrifício que nos custou tão caro? Não, Milorde, sinto que, como vós, meu coração vai utilizar todos os ardentes sentimentos que venceu. Sinto que é preciso ter sido o que fui para tornar-me o que devo ser.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Após seis dias perdidos em conversas com pessoas indiferentes, passamos hoje uma manhã à inglesa, reunidos e em silêncio, saboreando ao mesmo tempo o prazer de estarmos juntos e a suavidade do recolhimento. Como são poucas as pessoas que conhecem as delícias deste estado! Não vi ninguém na França ter dele a mínima ideia. A conversa dos amigos nunca se esgota, dizem eles. É verdade, a língua fornece uma tagarelice fácil às afeições medíocres. Mas a amizade, Milorde, a amizade! Sentimento intenso e celeste, que palavras são dignas de ti? Que língua ousa ser tua intérprete? O que se diz ao amigo pode algum dia valer o que se sente ao seu lado? Meu Deus! Como uma mão que se aperta, como um olhar animado, como um abraço apertado contra o peito, como o suspiro que o segue dizem coisas e como a primeira palavra que se pronuncia é fria após tudo isso! Oh! Serões de Besançon! Momentos consagrados ao silêncio e recolhidos pela amizade! Oh! Bomston! Alma grande, amigo sublime! Não, não depreciei o que fizeste por mim e minha boca nunca te disse nada.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">É certo que este estado de contemplação é um dos grandes encantos dos homens sensíveis. Mas sempre achei que os importunos impediam de gozá-lo e que os amigos precisam estar sem testemunhas para poderem nada dizer-se, à vontade. Deseja-se, por assim dizer, estar recolhidos um no outro, as menores distrações são desoladoras, a menor coação é insuportável. Se, algumas vezes, o coração leva uma palavra à boca é tão doce poder pronunciá-la sem constrangimento. Parece que não se ousa pensar livremente o que não se ousa dizer da mesma forma: parece que a presença de um único estranho retém o sentimento e comprime almas que se compreenderiam tão bem sem ele.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Duas horas se escoaram assim, entre nós, nessa imobilidade de êxtase mil vezes mais doce do que o frio repouso dos Deuses de Epicuro. Após o desjejum, as crianças entraram, como sempre, no quarto de sua mãe mas, em lugar de ir em seguida encerrar-se com elas no gineceu, segundo seu costume, para compensar-nos, de alguma forma, do tempo perdido sem nos vermos, fê-los permanecer com ela e não nos separamos até o almoço. Henriqueta, que começava a saber segurar a agulha, trabalhava sentada diante de Fanchon que fazia renda, cujo bastidor se apoiava nas costas de sua cadeirinha. Os dois meninos folheavam sobre a mesa uma coletânea de imagens, cujo assunto o mais velho explicava ao mais moço. Quando se enganava, Henriette, atenta e conhecendo a coletânea de cor, tinha o cuidado de corrigi-lo. Frequentemente, fingindo ignorar diante de que estampa estavam, fazia disto um pretexto para levantar-se, ir e voltar de sua cadeira à mesa e da mesa</span><span style="-webkit-font-kerning: none; line-height: normal;"><sub> </sub></span><span style="font-kerning: none;">à cadeira. Tais passeios não lhe desagradavam e lhe atraiam sempre alguma implicância da parte do malidinho; algumas vezes, mesmo, a ela acrescentava-se um beijo que sua boca infantil ainda sabe aplicar mal, mas de que Henriqueta, já mais sábia, poupa-lhe de boa vontade o trabalho. Durante essas pequenas advertências, que eram recebidas e dadas sem muita preocupação, mas também sem o menor constrangimento, o mais moço contava furtivamente as varetas de buxo que escondera debaixo do livro.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 9px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"><sub></sub></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">A Senhora de Wolmar bordava perto da janela, de frente para as crianças; estávamos, seu marido e eu, ainda ao redor da mesa de chá, lendo a gazeta, à qual ela dava bem pouca atenção. Mas à notícia da doença do Rei da França e da afeição singular de seu povo, que nunca teve igual a não ser a dos Romanos para com Germânico, ela fez algumas reflexões sobre a boa índole dessa nação doce e benevolente que todas odeiam e que não odeia nenhuma, acrescentando que somente invejava, do posto supremo, o prazer de fazer-se amar. Não invejeis nada, disse-lhe seu marido, com um tom que deveria ter deixado que eu tomasse, há muito somos todos vossos súditos. Ao ouvir essas palavras, seu trabalho caiu-lhe das mãos, virou a cabeça e lançou a seu digno esposo um olhar tão tocante, tão terno, que eu-mesmo estremeci. Não disse nada: que teria dito que tivesse valido esse olhar? Nossos olhos também se encontraram. Senti, pela maneira com que seu marido me apertou a mão, que a mesma emoção se comunicara aos três e que a doce influência dessa alma expansiva agia ao seu redor e triunfava da própria insensibilidade.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Foi com essas predisposições que iniciou o silêncio de que vos falava; podeis julgar que não era de frieza e de tédio. Era interrompido apenas pelas pequenas manobras das crianças; mesmo assim, logo que cessamos de falar, moderaram, por imitação, sua tagarelice, como se temessem perturbar o recolhimento geral. A pequena Superintendente foi a primeira a baixar a voz, a fazer sinal aos outros, a correr na ponta dos pés, e seus jogos tornaram-se tanto mais divertidos quanto esse leve constrangimento acrescentava a eles um novo interesse. Esse espetáculo, que parecia ser posto sob nossos olhos para prolongar nosso enternecimento, produziu seu efeito natural.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; margin-left: 41px;">
<span style="font-kerning: none;"><i>Ammutiscon le lingue, e parlen l’alme</i><b>(2)</b></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"><i></i></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Quantas coisas foram ditas sem abrir a boca! Quantos ardentes sentimentos foram comunicados sem a fria intervenção da palavra! Insensivelmente, Júlia deixou-se absorver por aquele que dominava todos os outros. Seus olhos fixaram-se exclusivamente sobre seus três filhos e seu coração, arrebatado num tão delicado êxtase, animava seu rosto encantador com tudo o que a ternura materna jamais teve de mais comovente.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Entregues nós mesmos a essa dupla contemplação, deixávamo-nos arrastar, Wolmar e eu, para nossos devaneios, quando as crianças, que os causavam, fizeram com que acabassem. O mais velho, que se divertia com as imagens, vendo que as varetas impediam seu irmão de prestar atenção, esperou que as tivesse reunido e, dando-lhe um golpe com a mão, espalhou-as pelo quarto. Marcelino pôs-se a chorar e, sem agitar-se para fazê-lo calar, a Sra. de Wolmar disse a Fanchon que levasse embora as varetas. A criança calou-se imediatamente mas as varetas não deixaram de ser levadas embora, sem que ele tenha recomeçado a chorar, como eu esperava. Essa circunstância, que tinha pouca importância, lembrou-me muitas coisas às quais não prestara atenção e não lembro, pensando no fato, ter visto crianças a quem se falasse tão pouco e que fossem menos importunas. Quase nunca se afastam de sua mãe e mal percebemos que estão presentes. São vivas, estouvadas, buliçosas, como convém, à sua idade, nunca são importunas nem gritonas e vê-se que são sensatas antes de saber o que é a sensatez. O que mais me espantava nas reflexões a que tal assunto me conduziu era que isso acontecesse naturalmente e que, com uma tão intensa ternura por seus filhos, Júlia se atormentasse tão pouco com eles. De fato, nunca a vemos desvelar-se para fazê-los falar ou calar, nem para prescrever-lhes ou proibir-lhes isto ou aquilo. Não briga com eles, não os contraria em seus divertimentos, dir-se-ia que se contenta em vê-los e em amá-los e que, quando tiverem passado o dia com ela, todo seu dever de<i> </i>mãe está preenchido.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Embora essa calma tranquilidade me parecesse mais doce de ver do que a inquieta solicitude das outras mães, eu não estava menos impressionado com uma indolência que pouco se ajustava às minhas ideias. Teria desejado que ela ainda não estivesse satisfeita, com tantos motivos para o estar: uma atividade supérflua convém tanto ao amor materno! Tudo o que via de bom em seus filhos teria desejado atribuí-lo aos seus cuidados, teria desejado que devessem menos à natureza e mais a sua mãe, desejei quase que tivessem defeitos para vê-la mais diligente em corrigi-los.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Após ter-me por muito tempo ocupado, em silêncio, com tais reflexões, rompi-o para lhas comunicar. Vejo, disse-lhe, que o Céu recompensa a virtude das mães pela boa índole dos filhos: mas esta boa índole quer ser cultivada. E desde o nascimento que deve começar sua educação. Existirá uma época mais propícia para formá-los do que aquela em que ainda não possuem nenhuma forma para destruir? Se os entregais a si mesmos desde a infância, em que idade esperareis deles a docilidade? Mesmo que nada tivésseis para ensinar-lhes, seria ainda necessário aprender a obedecer-vos. Percebestes respondeu, que me desobedecem? Isto seria difícil, disse eu, pois não lhes ordenais nada. Ela sorriu, olhando seu marido e, tomando- me pela mão, levou-me para o gabinete, onde podíamos conversar os três sem sermos ouvidos pelas crianças.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Foi lá que, ao explicar-me tranquilamente suas máximas, ela me fez ver, sob um ar de negligência, a mais vigilante atenção que já atingiu a ternura materna. Por muito tempo, disse-me ela, pensei como vós sobre as instruções prematuras e durante minha primeira gravidez, assustada com todos os meus deveres e com os cuidados que em breve deveria preencher, falava muitas vezes no assunto, e com inquietação, com o Sr. de Womar. Que melhor guia podia escolher, nesse ponto, do que um observador esclarecido, que reunia ao interesse de um pai o sangue-frio de um filósofo? Ele preencheu e ultrapassou minha expectativa, dissipou meus preconceitos e ensinou-me a garantir, com menor trabalho, um sucesso muito mais extenso. Fez-me sentir que a primeira e a mais importante educação, exatamente aquela que todo o mundo esquece<b>(3)</b> é a de preparar a criança para ser educada. Um erro comum a todos os pais que creem ter luzes é o de supor que desde o nascimento seus filhos sejam capazes de raciocinar, e de falar-lhes como homens antes mesmo que saibam falar. A razão é o instrumento que se pensa usar para instruí-los enquanto os outros instrumentos devem servir para formá-la e enquanto, de todas as instruções próprias do homem, aquela que ele adquire mais tarde e com maior dificuldade é a própria razão. Falando-lhes, desde sua primeira idade, uma língua que não compreendem, acostumamo-los a contentarem-se com palavras, a fazer com que outros com elas se contentem, a controlar tudo que lhes dizemos, a julgar-se tão sábios quanto seus mestres, a tornarem- se briguentos e teimosos e tudo o que se pensa obter deles por motivos sensatos só o obtemos, de fato, pelos de temor ou de vaidade que sempre somos obrigados a acrescentar.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Não há paciência que não canse enfim a criança que se quer criar dessa maneira e eis como, aborrecidos, cansados pela eterna incomodação com a qual eles mesmos os habituaram, os pais, não podendo mais suportar a balbúrdia das crianças, são forçados eles mesmos a afastá-las, entregando-as aos mestres, como se se pudesse um dia esperar de um Preceptor maior paciência ou doçura do que pode ter um pai.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">A natureza, continuou Júlia, quer que as crianças sejam crianças antes de serem homens. Se quisermos alterar essa ordem, produziremos frutos precoces que não terão nem maturidade nem sabor e não tardarão a corromper-se; teremos jovens doutores e velhas crianças. A infância tem maneiras de ver, de pensar, de sentir, que lhe são próprias. Nada e menos sensato do que a elas querer substituir as nossas e preferiria exigir que uma criança tivesse cinco pés de altura a exigir que tivesse julgamento aos dez anos.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">A razão somente começa a formar-se ao final de vários anos e quando o corpo tiver adquirido uma certa consistência. É intenção da natureza, portanto, que o corpo se fortifique antes que o espírito se exerça. As crianças estão sempre em movimento, o repouso e a reflexão são o desgosto de sua idade, uma vida aplicada e sedentária impede-as de crescer e de aproveitar; nem seu espírito, nem seu corpo podem suportar a sujeição. Continuamente encerrados num quarto com livros, perdem todo o seu vigor, tornam-se delicadas, fracas, de má saúde, mais imbecis do que dotadas de razão; e alma sofre por toda a vida com o definhamento do corpo.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Mesmo que todas essas instruções prematuras fossem tão proveitosas ao seu julgamento quanto o prejudicam, ainda assim haveria um enorme inconveniente em dar-lhos indistintamente e sem consideração para com aquelas que convêm melhor ao gênio de cada criança. Além da constituição comum à espécie, cada uma traz, ao crescer, um temperamento particular que determina seu gênio e seu caráter e que não se deve transformar nem forçar, mas formar e aperfeiçoar. Todos os caracteres são bons e sãos em si mesmos, segundo o Sr. de Wolmar. Há, diz ele, erros na natureza<b>(4)</b>. Todos os vícios que se imputam a seu natural são o efeito das más formas que recebeu. Não há celerado cujas inclinações, se tivessem sido mais bem dirigidas, não teriam produzido grandes virtudes. Não há espírito pérfido do qual não se tivesse extraído talentos úteis ao tomá-lo de uma certa maneira, como essas figuras disformes e monstruosas que tornamos belas e bem proporcionadas colocando-as em seu ponto de vista. Tudo concorre para o bem comum no sistema universal. Todo homem tem seu lugar assinalado na melhor ordem das coisas, trata-se de encontrar esse lugar e de não alterar essa ordem. Que acontece com uma educação iniciada desde o berço e sempre segundo uma mesma fórmula, sem levar em consideração a prodigiosa diversidade dos espíritos? Acontece que se dão à maioria instruções perniciosas ou impróprias; que os privam das que lhes conviriam; que se constrange de todos os lados a natureza; que se apagam as grandes qualidades da alma, para substituir-lhes as pequenas e aparentes que não possuem nenhuma realidade; que, treinando indistintamente para as mesmas coisas tantos talentos diferentes, destroem-se uns pelos outros, confundem-se todos; que, depois de muitos cuidados perdidos em estragar nas crianças os verdadeiros dons da natureza, vê-se murchar em pouco tempo esse esplendor passageiro e frívolo que se lhes prefere, sem que o natural abafado volte algum dia; que se perde ao mesmo tempo o que se destruiu e o que se fez; que, finalmente, como fruto de tanto trabalho levianamente assumido, todos esses pequenos prodígios tornam-se espíritos sem força e homens sem mérito, notáveis unicamente por sua fraqueza e por sua inutilidade<b>(5).</b></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Compreendo essas máximas, disse a Júlia, mas tenho dificuldades em harmonizá-las com vossas próprias opiniões sobre a pequena vantagem que há em desenvolver o gênio e os talentos naturais de cada indivíduo, seja para sua própria felicidade, seja para o verdadeiro bem da sociedade. Não é infinitamente preferível formar um perfeito modelo de homem sensato e do homem de bem, depois aproximar cada criança desse modelo pela força da educação, estimulando um, retendo outro, reprimindo as paixões, aperfeiçoando a razão, corrigindo a natureza... Corrigir a natureza! Disse Wolmar interrompendo-me, esta palavra é bela, mas antes de usá-la seria preciso responder ao que Júlia acaba de dizer-vos.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Uma resposta peremptória, ao que me parecia, era a de negar o princípio; foi o que fiz. Supondes sempre que essa diversidade de espíritos e de gênios, que distinguem os indivíduos, seja a obra da natureza e isto não é nada menos do que evidente. Pois, enfim, se os espíritos são diferentes eles são desiguais e, se a natureza os tornou desiguais, foi dotando-os a uns mais do que a outros um pouco mais de sentido de finura, de extensão da memória ou de capacidade de atenção. Ora, quanto aos sentidos e à memória, está provado pela experiência que seus diversos graus de extensão e de perfeição não são a medida do espírito dos homens e, quanto à capacidade de atenção, depende ela unicamente da força das paixões que nos animam e já está provado que todos os homens são, por sua natureza, suscetíveis de paixões suficientemente fortes para dotá-los do grau de atenção ao qual está ligada a superioridade do espírito.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Se a diversidade dos espíritos, em lugar de vir da natureza, fosse uma consequência da educação, isto é, das diferentes ideias, dos diferentes sentimentos excitados em nós desde a infância pelas coisas que nos impressionam, as circunstâncias em que nos encontramos e todas as impressões que recebemos, bem longe de esperar para conhecer o caráter de seu espírito para educar as crianças, seria preciso, pelo contrário, apressar-se em determinar convenientemente esse caráter, através de uma educação própria àquele que queremos dar-lhes.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">A isso respondeu-me que não era seu método negar o que via quando não podia explicá-lo. Olhai, disse-me ele, esses dois cães que estão no pátio. São da mesma ninhada, foram alimentados e tratados da mesma maneira, nunca se separaram: contudo, um deles é vivo, alegre, afetuoso, inteligente; o outro vagaroso, pesado, rabugento, e nunca se pôde ensinar- lhe alguma coisa. Só a diferença entre os temperamentos produziu neles a dos caracteres, como apenas a diferença da organização interior produz em nós a dos espíritos; o resto foi semelhante... Semelhante? Interrompi, que diferença? Quantas pequenas coisas agiram num e não no outro! Quantas pequenas circunstâncias os impressionaram de forma diferente sem que o tenhais percebido! Bom, replicou, estais raciocinando como os antropólogos. Quando se lhes obstava que dois homens nascidos sob o mesmo aspecto tinham sortes tão diferentes, rejeitavam bem longe essa identidade. Afirmavam que, dada a rapidez dos céus, havia uma distância imensa entre o tema de um desses homens e o do outro e que, se tivesse sido possível marcar os dois instantes exatos de seus nascimentos, a objeção ter-se-ia tornado prova.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Abandonemos, peço-vos, todas essas sutilezas e permaneçamos na observação. Ela nos ensina que há caracteres que se manifestam quase ao nascer e crianças que podem ser estudadas no seio de sua ama. Aqueles formam uma classe à parte e são educados ao começar a viver. Mas, quanto aos outros, que se desenvolvem menos rapidamente, querer fechar seu espírito antes de conhecê-lo significa expor-se a estragar o bem que a natureza fez e fazer em seu lugar um mal maior. Platão, vosso mestre, não afirmava que todo o saber humano, toda a filosofia apenas podia extrair de uma alma humana o que a natureza nela pusera, assim como as operações químicas só extraíram de algum composto a quantidade de ouro que ele já continha? Isso não <i>é</i> verdade nem no que diz respeito a nossos sentimentos nem a nossas ideias, mas é verdade no que diz respeito a nossas disposições em adquiri-los. Para transformar um espírito seria preciso transformar a organização interior, para transformar um caráter seria preciso transformar o temperamento de que depende. Já ouvistes dizer que um exaltado se tenha tornado fleugmático e que um espírito metódico e frio tenha adquirido imaginação? Quanto a mim, penso que da mesma forma seria fácil fazer de um moreno um loiro e de um tolo um homem de espírito. É portanto em vão que se pretenderia refundir os diferentes espíritos num modelo comum. Podem ser coagidos e não transformados: é possível impedir os homens de se mostrarem tais quais são mas não torná-los diferentes e, se se disfarçam no curso ordinário da vida, vê-los-eis em todas as ocasiões importantes retomar seu caráter original e a ele entregar-se com tanto menor método quanto não mais o conhecem ao entregar-se. Ainda uma vez, não se trata de transformar o caráter e de modificar o natural mas, pelo contrário, de lançá-lo tão longe quanto pode ir, de cultivá-lo e de impedir que degenere, pois é assim que um homem se torna tudo o que pode ser e que a obra da natureza nele se completa pela educação. Ora, antes de cultivar o caráter é preciso estudá-lo, esperar tranquilamente que se mostre, fornecer-lhe as ocasiões de mostrar-se e, de preferência, antes abster-se sempre de fazer algo a agir fora de propósito. A tal gênio é preciso dar asas, a outros entraves; um quer ser apressado, o outro retido; um quer que o lisonjeiem e o outro que o intimidem; seria preciso ora esclarecer ora confundir. Tal homem é feito para levar o conhecimento humano até seu último limite, a tal outro é mesmo funesto saber ler. Esperemos a primeira centelha da razão, é ela que faz aparecer o caráter e lhe dá sua verdadeira forma, é através dela também que é cultivado e não há, antes da razão, verdadeira educação para o homem.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Quanto às máximas de Júlia, com que não concordais, não sei o que nelas vedes de contraditório: quanto a mim, acho-as perfeitamente harmonizadas. Cada homem traz ao nascer um caráter, um gênio e talentos que lhe são próprios. Os que são destinados a viver na simplicidade campestre não precisam, para serem felizes, do desenvolvimento de suas faculdades e seus talentos escondidos são como as minas de ouro do Valais que o bem público não permite explorar. Mas no estado civil, onde há menor necessidade de braços do que de cabeças, e onde cada um deve conta a si mesmo e aos outros de todo o seu valor, importa aprender a extrair dos homens tudo o que a natureza lhes deu, a dirigi-los para o lado em que podem ir mais longe e sobretudo a alimentar suas inclinações com tudo o que pode torná-las úteis. No primeiro caso, só se considera a espécie, cada um faz o que fazem todos os outros, o exemplo é a única regra, o hábito é o único talento e cada um somente exerce, de sua alma, a parte comum a todos. No segundo, considera-se o indivíduo: que pertence ao homem em geral, acrescenta-se tudo o que pode ter a mais do que um outro; seguindo-o tão longe quanto a natureza o conduz far-se-á dele o maior dos homens se tiver o que é preciso para sê-lo. Estas máximas se contradizem tão pouco que a prática é a mesma para a primeira idade. Não instruais o filho do camponês pois não lhe convém ser instruído; não instruais o filho do Citadino pois ainda não sabeis que instrução lhe convém. Seja como for, deixai formar-se o corpo até que a razão comece a despontar: é então o momento de cultivá-la.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Tudo isso me pareceria perfeito, disse eu, se não visse um inconveniente que prejudica muito as vantagens que esperais desse método, é o de deixar que as crianças adquiram mil maus hábitos que só se evitam com os bons. Vede as que se abandonam a si mesmas, contraem em breve todos os defeitos cujo exemplo impressiona seus olhos porque esse exemplo é fácil de ser seguido e nunca imitam o bem, que custa mais praticar. Acostumados a obter tudo, a fazer em qualquer ocasião sua irrefletida vontade, tornam-se turbulentas, obstinadas, incorrigíveis... Mas, continuou o Sr. de Wolmar, parece-me que observastes o contrário nas nossas e que foi o que causou esta conversa. Confesso-o, disse, e é exatamente o que me espanta. Que fez ela para torná-las dóceis? Como agiu? Que substituiu ao jugo da disciplina? Um jugo bem mais inflexível, disse imediatamente, o da necessidade: mas, narrando-vos sua conduta, ela vos fará compreender melhor suas ideias. Então levou-a a explicar-me seu método e, após uma curta pausa, eis mais ou menos como ela me falou.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Felizes os bem nascidos, meu amável amigo! Não presumo tanto de nossos cuidados quanto o Sr. de Wolmar. Apesar de suas máximas, duvido que se possa algum dia tirar bom proveito de um caráter ruim e que qualquer índole possa ser levada ao bem: mas, finalmente, convencida da qualidade de seu método, procuro conformar-me a ele em toda a minha conduta na direção da família. Minha primeira esperança é que os maus não tenham saído de meu seio, a segunda é de educar bastante bem os filhos que Deus me deu, sob a direção de seu pai, para que tenham um dia a felicidade de a ele se assemelharem. Para isso, procurei fazer minhas as regras que me prescreveu, conferindo-lhes um princípio menos filosófico e mais conveniente ao amor materno: é o de ver meus filhos felizes. Foi este o primeiro desejo de meu coração ao usar o doce nome de mãe e todos os cuidados de minha vida são destinados a realizá-lo. A primeira vez que segurei nos braços meu filho mais velho pensei que a infância é quase um quarto das mais longas vidas, que raramente chegamos aos três outros quartos e que é uma sabedoria bem cruel a de tornar infeliz essa primeira parte para assegurar a felicidade do resto, que talvez nunca chegue. Pensei que durante a fraqueza da primeira idade a natureza subjuga as crianças de tantas maneiras que é bárbaro acrescentar a esse jugo o poder de nossos caprichos, retirando-lhe uma liberdade tão limitada e da qual podem abusar tão pouco. Resolvi poupar a meu filho, tanto quanto possível, todo tipo de coação, deixa-lhe todo o uso de suas pequenas forças e de não impedir nele nenhum dos impulsos da natureza. Já tive com isso duas grandes vantagens: uma a de afastar de sua alma recém-nascida a mentira, a vaidade, a cólera, a inveja, numa palavra, todos os vícios que nascem da escravidão e que se é obrigado a fomentar nas crianças para obter delas o que se exige: a outra, a de deixar seu corpo fortificar-se livremente pelo exercício contínuo que o instinto lhe pede. Acostumado, como os camponeses, a andar ao sol, ao frio com a cabeça descoberta, a esfalfar-se, a suar, a enrijecer-se como eles às injúrias do ar, torna-se mais robusto vivendo mais contente. É o caso de pensar na idade adulta e nos acasos da humanidade. Já vo-lo disse, temo essa pusilanimidade assassina que, à força de delicadeza e de cuidados, enfraquece uma criança, retira-lhe a energia, atormenta-a com uma eterna sujeição, domina-a com mil vãs precauções, enfim, a expõe por toda a vida aos perigos inevitáveis dos quais a quer preservar por um momento e, para evitar-lhe alguns resfriados em sua infância, prepara-lhe de longe pneumonias, pleurisias, insolações e a morte logo que se torna homem.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">O que dá às crianças entregues a si mesmas a maioria dos defeitos de que falais é quando, não contentes em fazer sua própria vontade, fazem ainda com que os outros a façam e isso pela insensata indulgência das mães a quem não se compraz senão favorecendo todos os caprichos de seu filho. Meu amigo, orgulho-me por nada terdes visto nos meus que mostre o poder e a autoridade, mesmo com o último dos empregados, e por também não me terdes visto aplaudir secretamente as falsas complacências que se têm para com eles. É aqui que julgo seguir uma estrada nova<b>(5)</b> e segura para tornar ao mesmo tempo uma criança livre, tranquila, afetuosa, dócil e isso de um modo muito simples, o de convencê-la de que é apenas uma criança.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Considerando a infância em si mesma, existirá no mundo um ser mais fraco, mais digno de piedade, mais à mercê de tudo o que o rodeia, que tenha tanta necessidade de piedade, de amor, de proteção quanto uma criança? Não parece ser por essa razão que as primeiras vozes que lhe são sugeridas pela natureza são os gritos e as queixas, que ela lhe deu um aspecto tão doce e um ar tão comovente a fim de que tudo o que dela se aproxima se interesse por sua fraqueza e se apresse em socorrê-la? Que há pois de mais chocante, de mais contrário à ordem do que ver uma criança arrogante e rebelde dominar tudo o que a rodeia, adquirir insolentemente um tom de patrão para com aqueles que apenas precisariam abandoná-la para fazê-la morrer e pais cegos que, aprovando essa audácia, a preparam para tornar-se o tirano de sua ama, antes de tornar-se o deles.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Quanto a mim, nada poupei para afastar de meu filho a perigosa imagem do poder e da servidão e para nunca dar-lhe a oportunidade de pensar que foi servido mais por dever do que por piedade. Este ponto é, talvez, o mais difícil e o mais importante de toda a educação e a narração infindável de todas as precauções que tive de tomar para evitar nele esse instinto tão pronto a distinguir os serviços mercenários dos empregados e a ternura dos cuidados maternos não acabaria nunca.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Um dos principais meios que empreguei foi, como já vo-lo disse, o de convencê-lo bem da impossibilidade em que o mantém sua idade de viver sem nossa assistência. Após o quê, não tive dificuldade em mostrar-lhe que toda a ajuda que se é forçado a receber de outras pessoas são atos de dependência, que os empregados têm uma verdadeira superioridade sobre ele, pelo fato de não poder prescindir deles, enquanto ele não lhes serve para nada; de maneira que, longe de envaidecer-se com seus serviços, recebe-os com uma espécie de humilhação, como um testemunho de sua fraqueza e deseja ardentemente a época em que será bastante grande e bastante forte para ter a honra de servir-se a si mesmo.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Estas ideias, disse eu, seriam difíceis de serem estabelecidas em casas em que o pai e a mãe se fazem servir como crianças: mas nesta, onde cada um, a começar por vós, tem suas funções a preencher, e onde as relações entre criados e patrões são apenas uma perpétua troca de serviços e de cuidados, não creio que seja impossível instituí-lo. Contudo, falta-me conceber como crianças acostumadas a ver suas necessidades previstas não estendam esse direito aos seus caprichos ou como não sofreram algumas vezes com a disposição de um empregado que tratará como capricho uma verdadeira necessidade.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Meu amigo, replicou a Senhora de Wolmar, uma mãe pouco esclarecida vê monstros em toda a parte. As verdadeiras necessidades são muito limitadas nas crianças como nos homens, e deve-se olhar mais a duração do bem-estar do que o bem-estar de um só momento. Pensais que uma criança que não <i>é</i> incomodada possa sofrer suficientemente com o humor de sua governanta sob os olhos de uma mãe para sentir-se incomodada? Supondes inconvenientes que nascem de vícios já adquiridos, sem pensar que todos os meus cuidados tiveram o objetivo de impedir que tais vícios nascessem. Naturalmente, as mulheres amam as crianças. A desinteligência eleva-se entre elas somente quando uma quer submeter <i>s</i> outra aos seus caprichos. Ora, isso não pode acontecer aqui, nem à criança, de quem nada se exige, nem à governanta, a quem a criança não deve ordenar nada. Neste ponto, fiz exatamente o contrário de outras mães que fingem querer que a criança obedeça ao empregado e querem, de fato, que o empregado obedeça à criança. Ninguém aqui manda nem obedece. Mas a criança só obtém daqueles que dela se aproximam a exata complacência que ela tiver para com eles. Com isso, sentindo que tem, sobre tudo o que a rodeia, apenas a autoridade da benevolência, torna-se dócil e complacente; procurando atrair os corações dos outros, o seu afeiçoa-se a eles por sua vez, pois ama- se fazendo-se amar; é o infalível efeito do amor-próprio e, dessa afeição recíproca, nascida da igualdade, resultam sem esforço as boas qualidades que se pregam continuamente a todas as crianças sem nunca obter nenhuma.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Pensei que a parte mais essencial da educação de uma criança, aquela de que nunca se fala nas educações mais bem cuidadas é a de fazer-lhes bem sentir sua miséria, sua fraqueza, sua dependência e, como vos disse meu marido, o pesado jugo da necessidade que a natureza impõe ao homem e isso não somente a fim de que seja sensível ao que se faz para aliviar-lhe tal jugo, mas sobretudo a fim de que conheça cedo em que categoria a providência a colocou, que não se eleve acima de sua alçada e que nada de humano seja estranho à sua pessoa.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Instigados desde o nascimento pela indolência na qual foram alimentados, pela consideração que todo o mundo tem por eles, pela facilidade em obter tudo o que desejam, a pensar que tudo deve ceder a seus caprichos, os jovens entram na sociedade com esse preconceito inconveniente e muitas vezes só se corrigem à força de humilhações, de afrontas e de desesperos; ora, gostaria muito de evitar a meu filho essa segunda e mortificante educação, dando-lhe, com a primeira, uma mais justa opinião das coisas. Resolvera a princípio conceder-lhe tudo o que pedisse, persuadida de que os primeiros impulsos da natureza são sempre bons e salutares. Mas não tardei a saber que, ao considerar como um direito o fato de serem obedecidas, as crianças saíam do estado natural quase ao nascer e adquiriam nossos vícios pelo nosso exemplo, os delas por nossa leviandade. Vi que se quisesse contentar todos os seus caprichos eles cresceriam com minha complacência, que haveria sempre um ponto em que seria preciso parar e em que a recusa se lhe tornaria tanto mais sensível por estar menos acostumada a ela. Não podendo pois, enquanto esperava a razão, evitar-lhe todo pesar, preferi o menor e o de menor duração. Para que uma recusa lhe fosse menos cruel, acostumei-o logo à recusa e, para poupar-lhe longos desesperos, lamentações, rebeldias, tornei qualquer recusa irrevogável. É verdade que recuso o menos possível e que penso duas vezes antes de fazê-lo. Tudo o que se lhe concede é concedido sem condições, logo ao primeiro pedido, e somos muito indulgentes neste ponto: mas nunca obtém alguma coisa sendo importuno; o choro e a adulação são igualmente inúteis. Convenceu-se tão bem desse fato que cessou de usá-los; à primeira palavra resigna-se e não se apoquenta mais ao ver fechar-se um cartucho de bombons que desejaria comer do que ver voar um pássaro que desejaria agarrar, pois sente a mesma impossibilidade de ter um e outro. Não vê no que se lhe retira nada mais do que não pôde conservar nem no que se lhe recusa senão o que não pôde obter e, longe de golpear a mesa contra a qual se feriu, não bateria na pessoa que lhe resiste. Em tudo o que o aflige sente o império da necessidade, o efeito de sua própria fraqueza, nunca a obra da malquerência alheia... Um momento! Disse ela com uma certa veemência, ao ver que eu ia responder, pressinto vossa objeção, chegarei a ela num instante.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">O que alimenta a gritaria das crianças é a atenção que lhe damos, seja para ceder a elas seja para contrariá-las. Às vezes, para chorar o dia inteiro basta-lhes perceber que não queremos que chorem. Quer as adulemos quer as ameacemos, os meios que usamos para fazê-las calar são todos perniciosos e quase sempre ineficazes. Ocuparmo-nos com seus choros <b>é </b>para elas uma razão para continuá-los, mas corrigem-se logo quando veem que não lhes damos importância pois, grandes e pequenos, ninguém gosta de trabalho inútil. Eis exatamente o que aconteceu com meu filho mais velho. Era a princípio um pequeno gritão que atordoava todo mundo e sois testemunha de que ninguém o ouve agora na casa, até parece que não há crianças. Chora quando sofre, é a voz da natureza que nunca se deve coagir, mas cala-se no momento em que não sofre mais. Assim, presto muita atenção a seu choro, tendo a certeza de que nunca chora em vão. Com isso ganho a certeza de saber o momento exato em que sente dor e aquele em que não sente, quando está com saúde e quando está doente; vantagem que se perde com aqueles que choram por capricho e somente para se fazerem acalmar. De resto, confesso que isso não é fácil de se obter das Amas e das governantas pois, como nada é mais aborrecido do que ouvir sempre uma criança queixar-se e como essas boas mulheres nunca veem senão o instante presente, não pensam que, fazendo calar a criança hoje, ela chorará mais amanhã. O pior é<b> </b>que a obstinação que adquire terá consequências quando tiver mais idade. A mesma causa que a torna gritona aos três anos torna-a rebelde aos doze, briguenta aos vinte, arrogante aos trinta e insuportável a vida inteira.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Chego agora a vós, disse-me sorrindo. Em tudo o que se concede às crianças, elas veem facilmente o desejo de comprazer-lhes; em tudo o que delas se exige ou que a elas se recusa, devem supor razões, sem pedi-las. É outra vantagem que se ganha ao usar com elas antes a autoridade do que a persuasão nas ocasiões necessárias pois, como não é possível que percebam às vezes a razão que temos em agir assim, é natural que a suponham, mesmo quando não tiverem condições de vê-la. Pelo contrário, logo que tivermos submetido alguma coisa ao seu julgamento, desejam decidir sobre tudo, tornando-se sofistas, sutis, de má-fé, fecundos em trapaças, procuram sempre reduzir ao silêncio os que têm a fraqueza de expor-se às pequenas luzes. Quando se é obrigado a justificar-lhes as coisas que não estão em condições de compreender, atribuem ao capricho a conduta mais prudente, logo que ela estiver acima de seu alcance. Numa palavra, o único meio de torná-las dóceis à razão não é o de raciocinar com elas mas o de bem convencê-las de que a razão está acima de sua idade, pois nesse caso a supõem no lado em que deve estar, a menos que não se lhes dê justo motivo para pensar de outra maneira. Sabem perfeitamente que não se quer atormentá-las quando têm certeza de que as amamos e as crianças raramente se enganam neste ponto. Portanto, quando recuso alguma coisa às minhas, não argumento com elas, não lhes digo por que não quero mas ajo de forma que o vejam tanto quanto possível e, algumas vezes, a posteriori. Dessa maneira, acostumam-se a compreender que nunca as recuso sem ter uma boa razão, embora nem sempre a percebam.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Baseada no mesmo princípio, não suportarei também que meus filhos se intrometam na conversa das pessoas sensatas e imaginem tolamente ter seu lugar entre elas como os outros, quando se suporta sua tagarelice fora de hora. Quero que respondam modestamente e em poucas palavras quando são interrogadas sem nunca falar por movimento próprio e, sobretudo, sem que intervenham para questionar, fora de propósito, as pessoas mais idosas do que elas, às quais devem respeito.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Na verdade, Júlia, disse interrompendo-a, isso é<b><i> </i></b>muito rigor para uma mãe tão terna! Pitágoras não era mais severo com seus discípulos do que sois com os vossos. Não somente não os tratais como homens mas dir-se-ia que temeis vê-los deixar cedo demais de serem crianças. Que modo mais agradável e mais seguro têm para se instruírem do que interrogar, sobre as coisas que ignoram, as pessoas mais esclarecidas do que eles? Que pensariam de vossas máximas as Senhoras de Paris que pensam que seus filhos nunca tagarelam suficientemente cedo nem por tempo suficiente e que julgam o espírito que terão quando adultos pelas tolices que recitam enquanto jovens? Wolmar dir-me-á que isso pode ser bom num país em que o primeiro mérito é o de bem tagarelar, e onde se é dispensado de pensar contanto que se fale. Mas vós, que desejais preparar para vossos filhos uma sorte tão doce, como conciliar tanta felicidade com tanta coação e onde fica, entre toda essa coação, a liberdade que desejais deixar-lhes?</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Como? Replicou imediatamente: será constranger sua liberdade o fato de impedi-los de atentar contra a nossa e somente saberiam ser felizes se todo um grupo, em silêncio, admirasse suas puerilidades? Impeçamos que sua vaidade nasça ou, pelo menos, detenhamos seus progressos; isto significa trabalhar realmente para sua felicidade, pois a vaidade do homem é a fonte de seus maiores sofrimentos e não há ninguém tão perfeito e tão festejado a quem ela não traga ainda mais pesares do que prazeres<b>(6)</b>.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Que pode pensar uma criança de si mesma, quando vê ao seu redor todo um círculo de pessoas sensatas a escutá-la, provocá-la, admirá-la, esperar, com uma indolente solicitude, os oráculos que saem de sua boca e soltar exclamações, com ressonâncias de alegria, a cada absurdo que diz? A cabeça de um homem teria muita dificuldade em aguentar todos esses falsos aplausos; julgai o que acontecerá com a dela! A tagarelice das crianças assemelha-se às predições dos Almanaques. Seria um prodígio se, entre tantas palavras vãs, o acaso nunca fornecesse um encontro feliz. Imaginai o que fazem então as exclamações de lisonja numa pobre mãe já por demais enganada por seu próprio coração e numa criança que não sabe o que diz e sente-se festejada! Não penseis que pelo fato de conhecer o erro eu me julgue isenta dele. Não, vejo o erro e caio nele. Mas, se admiro as réplicas de meu filho, pelo menos admiro-as em segredo, ele nada aprende vendo-me aplaudi-lo por tornar-se tagarela e vaidoso e os lisonjeadores não têm o prazer de rir de minha fraqueza querendo que eu as repita.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Um dia em que tivemos visitas, ao ir dar algumas ordens vi, ao voltar, quatro ou cinco patetas já crescidos ocupados em brincar com ele e preparando-se para contar-me, com um ar de ênfase, não sei quantas gentilezas que acabavam de ouvir e com que pareciam totalmente maravilhados, Senhores, disse-lhes com bastante frieza, não duvido que não saibais fazer com que algumas marionetes digam coisas muito bonitas, mas espero que um dia meus filhos sejam homens, que ajam e falem por si mesmos e então ficarei sabendo, sempre com alegria no coração, tudo o que tiverem dito e feito de bom. Desde que se viu que essa maneira de lisonjear não surtia efeito, brinca-se com meus filhos como se brinca com crianças, não como com um Polichinelo; não se banca mais o coadjuvante e eles valem sensivelmente mais desde que não são mais admirados.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Quanto às perguntas, elas não lhes são indistintamente proibidas. Sou a primeira a dizer-lhes que perguntem devagar, em particular, ao pai ou a mim, tudo o que precisem saber. Mas não suporto que interrompam uma conversa séria para ocupar todo mundo com a primeira bobagem que lhes passe pela cabeça. A arte de interrogar não é tão fácil quanto se pensa. É bem mais a arte dos mestres do que dos discípulos, é preciso ter já aprendido muitas coisas para saber perguntar o que não se sabe. O sábio sabe e indaga, diz um provérbio indiano, mas o ignorante não sabe nem mesmo o que indagar<b>(7)</b>. Não tendo essa ciência preliminar, as crianças livremente só fazem quase sempre perguntas ineptas que não servem para nada, ou profundas e difíceis cuja solução ultrapassa seu alcance e, visto que não devem saber tudo, é importante que não tenham o direito de perguntar tudo. Eis por quê, de uma maneira geral, instruem-se melhor com as perguntas que lhes fazemos do que com as que elas mesmas fazem.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Ainda que esse método lhes seja tão útil quanto se pensa, a primeira e a mais importante ciência que lhes convém não será a de serem discretos e modestos e haverá alguma outra que devam aprender em prejuízo daquela? Que produz então nas crianças essa emancipação da palavra antes da idade de falar e esse direito de submeter descaradamente os homens a seu interrogatório? Pequenas perguntadoras tagarelas, que perguntam menos para se instruírem do que para importunar, para que todo mundo se ocupe delas, e que tomam ainda maior gosto por essa tagarelice pelo embaraço em que sabem que lançam, às vezes, suas perguntas indiscretas, de maneira que cada um se sente inquieto logo que elas abrem a boca. Não é essa tanto uma forma de instruí-las quanto de torná-las estouvadas e vãs, inconveniente maior, em minha opinião, do que a vantagem que assim adquirem, pois a ignorância diminui gradualmente mas a vaidade aumenta sempre.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">O pior que poderá acontecer com essa reserva por demais prolongada seria que meu filho, na idade da razão, tivesse uma conversa menos ágil, a palavra menos viva e menos abundante e, considerando como esse hábito de passar a vida dizendo coisas sem importância amesquinha o espírito, consideraria essa feliz esterilidade mais como um bem do que como um mal. As pessoas ociosas, sempre entediadas consigo mesmas, esforçam-se por dar um grande valor à arte de diverti-las e dir-se-ia que o saber viver consiste em dizer apenas palavras vãs como em dar somente dons inúteis: mas a sociedade humana tem um objetivo mais nobre e seus verdadeiros prazeres têm maior solidez. A voz da verdade, a mais digna voz do homem, o único órgão cujo uso o distingue dos animais, não lhe foi dada para que dela não tirasse um melhor partido do que o fazem com seus gritos. Degrada-se abaixo deles quando fala para não dizer nada e o homem deve ser homem até em suas distrações. Se há polidez em aturdir todo mundo com um vão palavrório, vejo uma outra bem mais verdadeira em deixar falar de preferência os outros, em ter maior consideração pelo que dizem do que pelo que diríamos nós mesmos e em mostrar que os estimamos demais para pensar diverti-los com ninharias. O bom uso da sociedade, aquele que faz com que nela sejamos procurados e amados não é tanto o de brilhar mas o de fazer com que os outros brilhem e de, à força de modéstia, dar a seu orgulho maior liberdade. Não temamos que um homem de espírito que só se abstém de falar por reserva e discrição possa alguma vez ser considerado um tolo. Em qualquer país não é possível julgar um homem pelo que não disse e desprezá-lo por ter-se calado. Pelo contrário, observa-se em geral que as pessoas silenciosas impõem respeito, que diante delas está-se atento e que se lhe presta muita atenção quando falam, o que, deixando-lhes a escolha das ocasiões e não perdendo nada do que dizem, põe toda a vantagem do lado delas. É tão difícil para mais sábio dos homens conservar toda a sua presença de espírito num longo fluxo de palavras, é tão raro não lhe escaparem coisas de que se arrependa mais tarde, que prefere reter o bom a arriscar o mau. Enfim, quando não é por falta de espírito que se cala, se não fala, por mais discreto que possa ser, a culpa é dos que estão com ele.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Mas há um longo caminho dos seis anos aos vinte; meu filho não será sempre criança e, à medida que sua razão comece a nascer, a intenção de seu pai é de realmente a deixar exercer. Quanto a mim, minha missão não vai até lá. Alimento crianças e não tenho a presunção de querer formar homens. Espero, disse, olhando seu marido, que mãos mais dignas se encarregarão desse trabalho. Sou mulher e mãe, sei manter-me em meu lugar. Ainda uma vez, função de que estou encarregada não é a de educar meus filhos mas de prepará-los para serem educados.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Nisso apenas sigo mesmo, ponto a ponto, o sistema do Sr. de Wolmar e mais avanço mais sinto quanto é excelente e justo e quanto se harmoniza com o meu. Considerai meus filhos e sobretudo o mais velho, conheceis outros mais felizes na terra, mais alegres, menos importunos? Vós os vedes saltar, rir, correr o dia inteiro sem incomodar ninguém. De que prazeres, de que independência que podem ter em sua idade não gozam ou abusam? Contêm-se tão pouco diante de mim do que em minha ausência. Pelo contrário, sob os olhos de sua mãe têm sempre um pouco mais de confiança e, embora seja eu a autora de toda a severidade que experimentam, acham-me sempre menos severa, pois não poderia suportar não ser o que mais amam no mundo.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">As únicas leis que se lhes impõem ao nosso lado são as da própria liberdade, isto é, as de não importunar as pessoas mais do que elas os importunam, de não gritar mais alto do que lhes falam e, como não os obrigamos a se ocuparem de nós, também não quero que desejem que nos ocupemos deles. Quando não respeitam tão justas leis, toda sua pena é a de serem imediatamente mandados embora e toda minha arte para que isso seja uma pena é a de fazer com que não se sintam em nenhum lugar tão bem quanto aqui. Fora isso, não são coagidos a nada, nunca são forçados a aprender alguma coisa, não são entediados com vãs punições, nunca são repreendidos; as únicas lições que recebem são lições de prática recebidas na simplicidade da natureza. Cada um, bem instruído neste ponto, conforma-se às minhas intenções com uma compreensão e um cuidado que nada me deixam a desejar e, se há algum erro a temer, minha constância o evita ou o repara facilmente.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Ontem, por exemplo, tendo o mais velho tirado o tambor ao mais moço, fizera-o chorar. Fanchon não disse nada mas, uma hora depois, no momento em que aquele que havia roubado o tambor estava mais entretido com ele, ela lho retomou; ele a seguia, pedindo-o novamente e chorando por sua vez. Ela lhe disse: vós o tomastes à força, de vosso irmão, eu vo-lo retomo da mesma maneira, que tendes a dizer? Não sou a mais forte? Depois, pôs-se a bater a caixa imitando-o, como se tivesse nisso muito prazer. Até esse momento tudo ia maravilhosamente bem. Mas algum tempo depois, ela quis devolver o tambor ao mais moço, então detive-a, pois não era mais uma lição da natureza e daí poderia nascer um primeiro germe de inveja entre os dois irmãos. Ao perder o tambor, o mais jovem suportou a dura lei da necessidade, o mais velho sentiu sua injustiça, ambos conheceram sua fraqueza e se consolaram em seguida.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Um plano tão novo e tão contrário às ideias conhecidas assustara-me a princípio. À força de mo explicar fizeram enfim com que o admirasse e senti que, para guiar o homem, a marcha da natureza é sempre a melhor. O único inconveniente que encontrava nesse método, e esse inconveniente pareceu-me muito grande, era o de negligenciar nas crianças a única faculdade que possuem em todo o seu vigor e que somente diminui com a idade. Parecia-me que, segundo seu próprio sistema, mais as operações do entendimento eram fracas, insuficientes, mais se deveria exercitar e fortificar a memória, tão própria então a sustentar o trabalho. É ela, dizia eu, que deve substituir a razão até seu nascimento e que a enriquece quando tiver nascido. Um espírito que não se exercita para nada tornar-se lento e pesado na inação. A semente não pega num campo mal preparado e começar por ser estúpido é uma estranha preparação para aprender a tornar-se racional. Como, estúpido! Exclamou logo a Sra. de Wolmar. Estaríeis confundindo duas qualidades tão diferentes e quase tão contrárias quanto a memória e o julgamento?<b>(8)</b> Como se a quantidade de coisas mal digeridas e desconexas com que se enche uma cabeça ainda fraca não lhe trouxesse maior prejuízo do que proveito à razão! Confesso que, de todas as faculdades do homem, a memória é a primeira que se desenvolve e é a mais fácil de cultivar nas crianças: mas, em vossa opinião, qual se deve preferir, o que lhes é mais fácil de aprender ou o que lhes importa mais saber?</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Levai em consideração o uso que nelas se faz dessa facilidade, a violência que se lhes deve fazer, a eterna coação a que é preciso sujeitá-las para pôr em evidência sua memória e comparai a utilidade que disso retiram ao mal que se lhes faz sofrer por isso. Como! Forçar uma criança a estudar línguas que nunca falará, mesmo antes de ter bem aprendido a sua, fazer-lhe incessantemente repetir e construir versos que não compreende e cuja harmonia para ela está toda apenas na ponta dos dedos, confundir seu espírito com círculos e esferas de que não tem a menor ideia, sobrecarregá-la com mil nomes de cidades e de rios que confunde continuamente e que reaprende todos os dias; será isso cultivar sua memória em proveito do seu julgamento e todo esse frívolo saber valerá uma única das lágrimas que lhe custa?</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Se tudo isso fosse apenas inútil, eu me queixaria menos, mas será nada ensinar uma criança a contentar-se com palavras e a crer que sabe o que não pode compreender? Será possível que uma tal quantidade de coisas não prejudique as primeiras ideias com que se deve dotar uma cabeça humana e não seria preferível não ter memória a enchê-la com toda essa miscelânea em prejuízo dos conhecimentos necessários dos quais ocupa o lugar?</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Não, se a natureza deu ao cérebro das crianças essa maleabilidade que o torna próprio a receber toda espécie de impressões, não é para que nele se gravem nomes de Reis, datas, termos de heráldica, de esfera, de geografia e todas essas palavras sem nenhum sentido para sua idade e sem nenhuma utilidade para qualquer idade, com que se sobrecarrega sua triste e estéril infância; mas é para que todas as ideias relativas à condição de homem, todas as que dizem respeito à sua felicidade e o esclarecem sobre seus deveres nele sejam gravadas cedo em caracteres indeléveis e lhe sirvam para conduzir-se, durante sua vida, de uma forma que convenha a seu ser e suas faculdades.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Sem estudar nos livros, a memória de uma criança não permanece por isso ociosa: tudo o que vê, tudo o que ouve a impressiona e ela o lembra; registra em si mesma as ações, as conversas dos homens e tudo o que a rodeia é o livro com o qual, sem pensar, enriquece continuamente sua memória enquanto espera que seu julgamento possa aproveitar. É na escolha desses assuntos, é no cuidado de apresentar-lhe sem cessar os que deve conhecer e de esconder-lhe os que deve ignorar que consiste a verdadeira arte de cultivar a primeira de suas faculdades e é por esse caminho que se deve procurar formar um acervo de conhecimentos que serve para sua educação durante a juventude e para sua conduta em todas as épocas. Esse método, é verdade, não forma pequenos prodígios e não faz brilhar as governantas e os preceptores mas forma homens sensatos, robustos, sãos de corpo e de entendimento que, sem serem admirados quando jovens, fazem-se honrar quando adultos.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Não penseis, contudo, continuou Júlia, que se negligenciam completamente aqui esses cuidados a que dais tanta importância. Uma mãe um pouco vigilante controla as paixões de seus filhos. Há meios para excitar e alimentar neles o desejo de aprender ou de fazer tal ou tal coisa e, na medida em que tais meios podem conciliar-se com a mais completa liberdade da criança e não engendram nela nenhuma semente de vício, uso-os com bastante boa vontade, sem obstinar-me quando não há sucesso, pois ela terá sempre tempo de aprender mas não há um único momento a perder para formar-lhe um bom natural e o Sr. de Wolmar tem uma tal ideia do desenvolvimento da razão que afirma que, ainda que seu filho nada soubesse aos doze anos, não deixaria de estar instruído aos quinze, sem contar que nada é menos necessário do que ser sábio e nada o é mais do que ser sensato e bom.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Sabeis que nosso filho mais velho já lê passavelmente. Eis como nasceu nele a vontade de aprender a ler. Tinha a intenção de dizer-lhe, de vez em quando, para diverti-lo, alguma fábula de La Fontaine e já começara quando ele me perguntou se os corvos falavam. Vi imediatamente a dificuldade para fazer-lhe sentir bem claramente a diferença entre o apólogo e a mentira; safei-me da dificuldade como pude e, convencida de que as fábulas são feitas para os homens mas de que é preciso sempre dizer a verdade nua às crianças, suprimi La Fontaine. A ele substituí uma coletânea de pequenas histórias interessantes e instrutivas, a maioria extraídas da Bíblia; depois, vendo que a criança tomava gosto pelos meus contos, imaginei tornar-lhos ainda mais úteis, procurando compor eu mesma outros tão divertidos quanto me foi possível e adaptando-os sempre às necessidades do momento. Escrevia-os pouco a pouco num belo livro ornado de imagens que conservava bem guardado e do qual lhe lia, de tempos em tempos, algum conto, raramente, não por muito tempo, e repetindo com frequência os mesmos, com comentários, antes de passar a outros novos. Uma criança ociosa está sujeita ao tédio, os pequenos contos serviam de remédio mas, quando o via mais avidamente atento, lembrava-me, às vezes, de uma ordem a dar e abandonava-o no momento mais interessante, deixando, negligentemente, o livro. Ele ia logo pedir à sua Ama ou a Fanchon ou a algum outro que acabasse a leitura: mas como não deve nada ordenar a ninguém e como todos estavam prevenidos, nem sempre obedeciam. Um recusava, outro tinha o que fazer, outro gaguejava lentamente e mal, outro, seguindo meu exemplo, deixava um conto pela metade. Quando o viram bem aborrecido com tanta dependência, alguém lhe sugeriu secretamente que aprendesse a ler para libertar-se dela e folhear o livro à vontade. Ele apreciou o projeto. Foi necessário encontrar pessoas bastante complacentes para aceitar ensiná-lo, nova dificuldade que se levou apenas tão longe quanto era necessário. Apesar de todas essas precauções, ele se cansou três ou quatro vezes; não interferimos. Apenas, esforcei-me por tornar os contos ainda mais divertidos e ele voltou à carga com tanto ardor que, embora não faça seis meses que começou a sério, estará em breve em condições de ler sozinho a coletânea.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">É mais ou menos assim que procurarei excitar seu zelo e sua boa vontade para adquirir os conhecimentos que exigem continuidade e aplicação e que podem convir à sua idade, mas embora aprenda a ler não é dos livros que extrairá esses conhecimentos, pois não se encontram neles e a leitura não convém de forma nenhuma às crianças. Quero também acostumá-lo cedo a alimentar sua cabeça com ideias e não com palavras, é a razão pela qual nunca lhe faço aprender alguma coisa de cor.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Nunca? Interrompi: é muita coisa, pois é preciso, além disso, que aprenda seu catecismo e suas preces. É o que vos engana, replicou ela. No que diz respeito à prece todas as manhãs e todas as noites faço a minha em voz alta no quarto de meus filhos e é o suficiente para que a aprendam sem que sejam obrigados a fazê-lo: quanto ao catecismo, não sabem o que é. Como, Júlia! Vossos filhos não aprendem o catecismo? Não, meu amigo, meus filhos não aprendem o catecismo. Como! Disse eu profundamente espantado, uma mãe tão piedosa!... Não vos compreendo. E por que vossos filhos não aprendem catecismo? Afim de que creiam nele um dia, disse ela, quero fazer deles Cristãos um dia. Ah! Compreendi, exclamei, não quereis que sua fé seja feita só de palavras nem que saibam apenas sua Religião, mas que acreditam nela e pensais, com razão, que é impossível ao homem acreditar no que não compreende. Sois bem contestador, disse-me sorrindo o Sr. de Wolmar, sereis Cristão, por acaso? Esforço-me para sê-lo, disse- lhe com firmeza. Creio, da Religião, tudo o que dela posso compreender e respeito o resto sem rejeitá-la. Júlia fez-me um sinal de aprovação e retomamos o assunto de nossa conversa.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Após ter entrado em outros detalhes que me fizeram conceber quanto o zelo materno é ativo, infatigável e previdente, ela concluiu observando que seu método reportava-se exatamente às duas finalidades que se propusera, isto é, as de deixar que se desenvolva o natural das crianças e de estudá-lo. As minhas não são incomodadas em nada, disse, e não poderiam abusar de sua liberdade, seu caráter não pode nem depravar-se nem reprimir-se; deixa-se seu corpo fortificar-se em paz e seu julgamento germinar, a escravidão não avilta sua alma, os olhares alheios não fazem fermentar seu amor-próprio e não se julgam nem homens poderosos nem animais acorrentados, mas crianças felizes e livres. Para defendê-los dos vícios que não estão nelas têm, parece-me, uma defesa mais forte do que palavras que não ouviriam ou que em pouco tempo as aborreceriam. É o exemplo dos bons costumes de tudo o que as rodeia, são as conversas que ouvem, que são aqui naturais a todo mundo e que não se precisam organizar propositalmente para elas; é a paz e a união de que são testemunhas, é a harmonia que veem reinar sem cessar, seja na conduta recíproca de todos, seja na conduta e nas palavras de cada um.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Criados além disso em sua primeira simplicidade, de onde lhes viriam os vícios cujos exemplos não viram, paixões que não têm nenhuma ocasião de sentir, preconceitos que não lhes são inspirados por nada? Vedes que nenhum erro os atinge, que nenhuma má inclinação se mostra neles. Sua ignorância não é irredutível, seus desejos não são obstinados, as inclinações para o mal são evitadas, a natureza é justificada e tudo nos prova que os defeitos de que a acusamos não são obra dela mas nossa.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">É assim que, entregues à inclinação de seu coração, sem que nada a mascare nem a altere, nossos filhos não recebem uma forma exterior e artificial mas conservam exatamente a de seu caráter original; é assim que esse caráter se desenvolve diariamente diante de nossos olhos sem reservas e que podemos estudar os movimentos da natureza até em seus princípios mais secretos. Certos de nunca serem repreendidos nem punidos, não sabem mentir nem esconder-se e, em tudo o que dizem, seja entre si seja a nós, deixam ver sem embaraço tudo o que têm no fundo da alma. Livres de tagarelar entre si o dia inteiro, nem mesmo pensam em constranger-se um momento diante de mim. Nunca os repreendo, nunca os faço calar, nem finjo escutá-los e, se dissessem as coisas mais censuráveis do mundo, não daria mostras de saber alguma coisa: mas, de fato, escuto-os com a maior atenção sem que desconfiem; mantendo em registro exato do que fazem e do que dizem, são as produções naturais do fundo que é preciso cultivar. Um assunto depravado em suas bocas é uma erva estranha cuja semente foi trazida pelo vento; se eu a cortar com uma reprimenda, em breve germinará novamente: em lugar disso, procuro secretamente sua raiz e tenho o cuidado de arrancá-la. Sou apenas, disse-me rindo, a criada do Jardineiro, mondo o jardim, retiro-lhe as más ervas, cabe a ele cultivar as boas.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Convenhamos também que, com todo o trabalho que teria podido ter, era preciso da mesma forma ser bem secundada para esperar vencer e que o sucesso de meus cuidados dependesse do concurso de circunstâncias que talvez somente aqui tenham existido. Eram necessárias as luzes de um pai esclarecido, para distinguir, através dos preconceitos estabelecidos, a verdadeira arte de dirigir as crianças desde seu nascimento; era necessária toda a sua paciência para prestar-se à execução sem nunca desmentir suas lições por sua conduta; eram necessárias crianças bem nascidas nas quais a natureza tivesse agido suficientemente para que se pudesse amar o que era somente sua obra; era preciso ter ao nosso lado somente criados inteligentes e bem intencionados, que não se cansassem de entrar nas intenções dos patrões; um único criado brutal ou adulador teria bastado para estragar tudo. Na verdade, quando se pensa quantas causas estranhas podem prejudicar os melhores desígnios e transformar os projetos mais bem combinados, deve-se agradecer a fortuna por tudo o que se faz de bem na vida e dizer que a sabedoria depende muito da felicidade.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Dizei, exclamei, que a felicidade depende mais ainda da sabedoria! Não vedes que esse concurso de que vos felicitais é vossa obra e que tudo o que de vós se aproxima é obrigado a assemelhar-se a vós? Mães de família! Quando vos queixais de não serdes secundadas, como conheceis mal vosso poder! sede tudo o que eleveis ser, superareis todos os obstáculos, forçareis todos a preencher seus deveres se preencherdes bem todos os vossos. Vossos direitos não são os da natureza? Apesar das máximas do vício, eles serão sempre caros ao coração humano. Ah! Dignai-vos ser mulheres e mães e o mais doce poder que existe na terra será também o mais respeitado!</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Concluindo essa conversa, Júlia observou que tudo se tornava mais fácil a partir da chegada de Henriqueta. É certo, disse, que precisaria ter muito menos cuidados e habilidade, se quisesse introduzir a emulação entre os dois irmãos, mas esse meio parece-me por demais perigoso, prefiro ter mais trabalho e nada arriscar. Henriqueta supre esse fato; como é de outro sexo, mais velha do que eles, como ambos a amam até a loucura e como ela tem um juízo acima de sua idade, faço dela, num certo sentido, a primeira governanta deles e com tanto mais sucesso suas lições são menos suspeitas.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Quanto a ela, sua educação está sob minha responsabilidade, mas os princípios são tão diferentes que merecem uma conversa à parte. Pelo menos, posso dizer desde agora que será difícil nela acrescentar algo aos dons da natureza e que valerá sua própria mãe se alguém no mundo a puder valer.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;">Milorde, esperamo-vos a cada dia e esta deveria ser minha última Carta. Mas compreendo o que prolonga vossa estada no exército e tremo. Júlia não está menos inquieta, pede-vos que mandeis notícias vossas com maior frequência e vos suplica que penseis, ao expor vossa pessoa, como esbanjais o sossego de vossos amigos. Quanto a mim, nada tenho a dizer- vos. Fazei vosso dever, um conselho covarde não pode sair de meu coração como também não pode ter acesso ao vosso. Caro Bomston, sei-o perfeitamente, a única morre digna de tua vida seria a de derramar teu sangue pela glória de teu país, mas não deves dar conta de tua vida àquele que somente por ti conservou a sua?</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"><b></b></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: justify;">
<span style="font-kerning: none;"><b>Notas</b></span></div>
<ol>
<li style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-kerning: none;">Duas Cartas escritas em momentos diferentes falavam sobre o assunto desta, o que ocasionava muitas repetições inúteis. Para retirá-las, reuni estas duas Cartas numa só. De resto, sem querer justificar a excessiva extensão de várias cartas que compõe esta coletânea, observarei que as cartas dos solitários são longas e raras, as das pessoas da sociedade freqüentes e curtas. Basta observar esta diferença para sentir imediatamente sua razão. (N.A.)</span></li>
<li style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-family: "helvetica"; line-height: normal;"></span><span style="font-kerning: none;">“Emudecem as línguas e falam as almas.” (Marini) (N.T.)</span></li>
<li style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-family: "helvetica"; line-height: normal;"></span><span style="font-kerning: none;">O próprio Locke, o sábio Locke, esqueceu-a; diz bem mais o que se deve exigir das crianças do que o que se deve fazer para obtê-lo. (N.A)</span></li>
<li style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-family: "helvetica"; line-height: normal;"></span><span style="font-kerning: none;">Esta doutrina tão verdadeira surpreende-me no Sr. de Wolmar; veremos em breve por quê. (N.A.)</span></li>
<li style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-family: "helvetica"; line-height: normal;"></span><span style="font-kerning: none;">A pedagogia de Rousseau, que será o tema do <i>Emílio,</i> publicado em maio de 1762. (N.T.)</span></li>
<li style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-family: "helvetica"; line-height: normal;"></span><span style="font-kerning: none;">Se alguma vez a vaidade tomou alguém feliz na terra, infalivelmente esse feliz era apenas um tolo. (N.A.)</span></li>
<li style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-family: "helvetica"; line-height: normal;"></span><span style="font-kerning: none;">Este provérbio é extraído de Chardin, Tomo 5, p. 170, in-12. (N.A.)</span></li>
<li style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; margin: 0px; text-align: justify;"><span style="font-family: "helvetica"; line-height: normal;"></span><span style="-webkit-font-kerning: none;">Isto não me parece bem observado. Nada é tão necessário ao julgamento quanto a memória: é verdade que não é a memória das palavras. (N.A.)</span></li>
</ol>
CEFIB, IFCS, UFRJhttp://www.blogger.com/profile/06030997400061384825noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8628330238264833009.post-61178193227370066712009-02-07T18:16:00.000-02:002013-08-08T18:40:00.546-03:00Escola Politécnica, ano 1900<span style="font-size: small;"><b>Lima Barreto</b></span><br />
<br />
<span style="color: #eeeeee;"><span style="font-size: xx-small;">Excerto de <i>Diário íntimo</i> (São Paulo: Brasiliense, 1961, pp. 27-28).</span></span><br />
<br />
<br />
<div style="text-align: right;">
<span style="color: #eeeeee;"><span style="font-size: small;">02 de julho de 1900</span></span></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: small;"><span style="color: #eeeeee;">"A antipatia do Largo de São Francisco fica mais acentuada nas primeiras horas da manhã, dos dias de verão. O sol o cobre inteiramente e se espadana por ele todo com a violência de um flagelo. Pelo ar, a poeira forma uma película vítrea que fulgura ao olhar, e do solo, com o revérbero, sobe um bafio de forja que oprime os transeuntes. Não há por toda a praça uma nesga de sombra, e as pessoas que saltam dos bondes, caminham apressadamente para a doçura da Rua do Ouvidor. Vão angustiadas, e opressas, parecendo tangidas por ocultos carrascos impiedosos. Os negros chapéus-de-sol dos homens e as pintalgadas sombrinhas das senhoras, ao balanço da marcha, sobem e descem como se flutuassem ao sabor das ondulações de um curso d'água. São como flores, grandes flores, nenúfares e ninféias, estranhas e caprichosas, que recurvassem as imensas pétalas ao sol causticante das nove horas da manhã. A superfície lisa da fachada da Politécnica é o espelho, onde se refletem e concentram os raios do sol que quer o largo vazio; e o trânsito se faz para a Rua do Ouvidor, segundo dois recurvados filetes que terminam num e noutro lado daquela fachada. À violência do sol nada resiste. O granito da portaria da igreja de São Francisco parece estalar. Os tílburis em fileira ao centro da praça rebrilham como ágatas e as suas pilecas, àquele calor, dormem resignadamente. De quando em quando, por entre a fileira dos tílburis, um rapazola atravessa e lépido sobe as escadas da Escola Politécnica. São os únicos transeuntes que se lançam na praça corajosamente. As aulas começam às dez horas e eles vêm vindo meia hora antes, em pleno suplício. No começo do ano é bom de ver o pátio central por essa hora. Os novos e os velhos, os crônicos e os distintos, encontram-se e põem-se a esgrimir espiritualmente, procurando cada qual dizer as mais maravilhosas coisas. Alunos há que só aparecem na Escola durante o primeiro mês; depois vão-se e só voltam pelo começo do ano seguinte, para conversar, discutir e... [...] Os positivistas são inflexíveis. Contrapõem, à dialética dos metafísicos, algumas fórmulas esotéricas da doutrina, e declamam contra a anarquia mental e os sofistas antissociais. Há porém os euclidianos ortodoxos, positivistas ou não, que, por vezes, se opõem com vantagem aos paradoxais impetuosos.</span></span><br />
<span style="font-size: small;"><span style="color: #eeeeee;"><br /></span></span>
<span style="font-size: small;"><span style="color: #eeeeee;">Quando se contempla — iluminados pelo sol vitorioso de março, que esbraseia as telhas do edifício e vem dar, aos descorados arbustos do jardinzito do pátio, um beijo escaldante de vida — quando se contempla aquela porção de rapazes, cujas inteligências moças ainda, no indivíduo e na raça, agitam-se tumultuariamente ao influxo da filosofia europeia, surge-nos aquela quadra espiritual da Europa pelo XII século, quando chegou às suas universidades a <i>Enciclopédia</i> de Aristóteles traduzida."</span></span><!--[if gte mso 9]><xml>
<o:OfficeDocumentSettings>
<o:TargetScreenSize>800x600</o:TargetScreenSize>
</o:OfficeDocumentSettings>
</xml><![endif]--><br />
<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:WordDocument>
<w:View>Normal</w:View>
<w:Zoom>0</w:Zoom>
<w:TrackMoves/>
<w:TrackFormatting/>
<w:HyphenationZone>21</w:HyphenationZone>
<w:PunctuationKerning/>
<w:ValidateAgainstSchemas/>
<w:SaveIfXMLInvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid>
<w:IgnoreMixedContent>false</w:IgnoreMixedContent>
<w:AlwaysShowPlaceholderText>false</w:AlwaysShowPlaceholderText>
<w:DoNotPromoteQF/>
<w:LidThemeOther>PT-BR</w:LidThemeOther>
<w:LidThemeAsian>X-NONE</w:LidThemeAsian>
<w:LidThemeComplexScript>X-NONE</w:LidThemeComplexScript>
<w:Compatibility>
<w:BreakWrappedTables/>
<w:SnapToGridInCell/>
<w:WrapTextWithPunct/>
<w:UseAsianBreakRules/>
<w:DontGrowAutofit/>
<w:SplitPgBreakAndParaMark/>
<w:EnableOpenTypeKerning/>
<w:DontFlipMirrorIndents/>
<w:OverrideTableStyleHps/>
</w:Compatibility>
<w:BrowserLevel>MicrosoftInternetExplorer4</w:BrowserLevel>
<m:mathPr>
<m:mathFont m:val="Cambria Math"/>
<m:brkBin m:val="before"/>
<m:brkBinSub m:val="--"/>
<m:smallFrac m:val="off"/>
<m:dispDef/>
<m:lMargin m:val="0"/>
<m:rMargin m:val="0"/>
<m:defJc m:val="centerGroup"/>
<m:wrapIndent m:val="1440"/>
<m:intLim m:val="subSup"/>
<m:naryLim m:val="undOvr"/>
</m:mathPr></w:WordDocument>
</xml><![endif]--><!--[if gte mso 9]><xml>
<w:LatentStyles DefLockedState="false" DefUnhideWhenUsed="false"
DefSemiHidden="false" DefQFormat="false" DefPriority="99"
LatentStyleCount="371">
<w:LsdException Locked="false" Priority="0" QFormat="true" Name="Normal"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" QFormat="true" Name="heading 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 7"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 8"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 9"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 6"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 7"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 8"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 9"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 7"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 8"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 9"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Normal Indent"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="footnote text"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="annotation text"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="0" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="header"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="0" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="footer"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index heading"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="35" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="caption"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="table of figures"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="envelope address"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="envelope return"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="footnote reference"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="annotation reference"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="line number"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="page number"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="endnote reference"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="endnote text"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="table of authorities"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="macro"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="toa heading"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Bullet"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Number"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Bullet 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Bullet 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Bullet 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Bullet 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Number 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Number 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Number 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Number 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="10" QFormat="true" Name="Title"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Closing"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Signature"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="0" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="Default Paragraph Font"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text Indent"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Continue"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Continue 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Continue 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Continue 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Continue 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Message Header"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="11" QFormat="true" Name="Subtitle"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Salutation"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Date"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text First Indent"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text First Indent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Note Heading"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text Indent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text Indent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Block Text"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="0" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="Hyperlink"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="FollowedHyperlink"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="22" QFormat="true" Name="Strong"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="20" QFormat="true" Name="Emphasis"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Document Map"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Plain Text"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="E-mail Signature"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Top of Form"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Bottom of Form"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Normal (Web)"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Acronym"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Address"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Cite"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Code"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Definition"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Keyboard"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Preformatted"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Sample"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Typewriter"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Variable"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Normal Table"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="annotation subject"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="No List"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Outline List 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Outline List 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Outline List 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Simple 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Simple 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Simple 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Classic 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Classic 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Classic 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Classic 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Colorful 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Colorful 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Colorful 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Columns 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Columns 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Columns 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Columns 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Columns 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 6"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 7"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 8"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 6"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 7"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 8"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table 3D effects 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table 3D effects 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table 3D effects 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Contemporary"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Elegant"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Professional"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Subtle 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Subtle 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Web 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Web 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Web 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Balloon Text"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" Name="Table Grid"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Theme"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" Name="Placeholder Text"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="1" QFormat="true" Name="No Spacing"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" Name="Revision"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="34" QFormat="true"
Name="List Paragraph"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="29" QFormat="true" Name="Quote"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="30" QFormat="true"
Name="Intense Quote"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="19" QFormat="true"
Name="Subtle Emphasis"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="21" QFormat="true"
Name="Intense Emphasis"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="31" QFormat="true"
Name="Subtle Reference"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="32" QFormat="true"
Name="Intense Reference"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="33" QFormat="true" Name="Book Title"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="37" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="Bibliography"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="TOC Heading"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="41" Name="Plain Table 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="42" Name="Plain Table 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="43" Name="Plain Table 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="44" Name="Plain Table 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="45" Name="Plain Table 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="40" Name="Grid Table Light"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46" Name="Grid Table 1 Light"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51" Name="Grid Table 6 Colorful"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52" Name="Grid Table 7 Colorful"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46" Name="List Table 1 Light"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51" Name="List Table 6 Colorful"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52" Name="List Table 7 Colorful"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 6"/>
</w:LatentStyles>
</xml><![endif]--><!--[if gte mso 10]>
<style>
/* Style Definitions */
table.MsoNormalTable
{mso-style-name:"Tabela normal";
mso-tstyle-rowband-size:0;
mso-tstyle-colband-size:0;
mso-style-noshow:yes;
mso-style-priority:99;
mso-style-parent:"";
mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;
mso-para-margin:0cm;
mso-para-margin-bottom:.0001pt;
mso-pagination:widow-orphan;
font-size:10.0pt;
font-family:"Times New Roman","serif";}
</style>
<![endif]-->
<!--[if gte mso 9]><xml>
<o:OfficeDocumentSettings>
<o:TargetScreenSize>800x600</o:TargetScreenSize>
</o:OfficeDocumentSettings>
</xml><![endif]--></div>
CEFIB, IFCS, UFRJhttp://www.blogger.com/profile/06030997400061384825noreply@blogger.com0